Recentemente, Pierre A. Riffard publicou ensaios Les philosophes: vie intime [“Os filósofos: vida íntima”], 2004 ; Philosophie matin, midi et soir [“Filosofia manhã, tarde e noite”], 2006), na “Presses Universitaires de France”, consagrados ao modo de vida dos filósofos, de um ponto de vista psicológico e sociológico. Na obra Les philosophes: vie intime, chama a atenção sobre determinados traços humanos do filósofo, que geralmente passam em silêncio, de Thales a Sartre[7]:
- uma desvantagem: ser mulher Numa lista oficial de 305 filósofos clássicos, encontramos apenas uma mulher (Hannah Arendt) em 1991.
- uma ocasião: ser expatriado. Mais de 13% dos filósofos nasceram no estrangeiro, nas colónias. Mais de 54% dos filósofos viveram no estrangeiro. Aristóteles era imigrante da Macedônia.
- uma vantagem: ser órfão. 68% dos grandes filósofos são órfãos aos cinco anos.
- sem precocidade. Em média estatística, a primeira obra é publicada aos 27 anos, a obra-prima aos 42 anos. "Crítica da razão pura": Kant tem 57 anos.
- a aceitação da língua dominante a nível cultural. É necessário fazer-se entender numa língua erudita. 23% dos grandes filósofos falaram latim (até 1889), 21% grego e francês, 13% inglês (esta língua torna-se dominante).
- em alguns casos a recusa da religião ideologicamente dominante. Entramos na filosofia como na Máfia, através de um assassinato, o do deus da época, das crenças do momento. 51% dos grandes filósofos são cristãos, 27% não têm religião, 19% são pagãos.
- inaptidão para o amor A exaltação amorosa não entra num programa filosófico (excepto para Auguste Comte).
- riscos de loucura. Um bom filósofo domina as suas loucuras: melancolia de Heráclito, maníaco-depressão de Auguste Comte, ansiedade de Hegel, paranóia de Jean-Jacques Rousseau, meningoencefalite sifilítica de Nietzsche...
- sucessos sobre a doença. Muitos filósofos sofrem, mas ultrapassam a sua nefrite (Epicuro), os seus cálculos renais (Montaigne), a sua paralisia (Blaise Pascal, Feyerabend), a sua ambliopia (Demócrito,Plotino, Condillac, Cournot, Gonseth)...
- documentos de identidade obscuros. Os filósofos brincam muito com os nomes de autor, o anonimato, etc. Descartes e Kierkegaard caminham mascarados.
- documentos profissionais confusos. 43,7% dos filósofos foram professores, os restantes religiosos (20,9%), políticos (9,3%), sem profissão (4,9%), médicos (4%), advogados ou juristas (3,1%), editores ou jornalistas (3,1%), nenhum ou quase nenhum artesão (Henry David Thoreau) ou camponês (Gustave Thibon) ou marinheiro (Michel Serres).
- pés! Aristotélico = περιπατητικός, peripatético = caminhante. Nietzsche: “Só os pensamentos que surgem em movimento têm valor.” [8]
- uma cabeça, é claro (uma cabeça ou duas, ou três, se o filósofo muda de filosofia como Schelling, Wittgenstein, Carnap). Um grande filósofo evidencia-se no mundo por uma vasta memória semântica pessoal e uma obsessão metafísica universal.
- “A filosofia é como um quebra-nozes. Algumas pessoas só conseguem entalar os dedos, os profissionais manuseiam-no em todos os sentidos, e em seguida - ainda assim - encontramos pessoas que o utilizam para abrir estas maravilhosas nozes que são os pensamentos. Filosofar, é bom; filosofar-se a si próprio, é melhor. Filosofar-se a si próprio sobre o quotidiano, sobre o banal, todos os dias, é o melhor.”[9]
“A visão que Pierre Riffard tem do filósofo é a de um ser puxado por solicitações contrárias: análise e sintese, o singular e o universal, certeza e dúvida” (“La vision qu'a Pierre Riffard du philosophe est celle d'un être tiraillé par des sollicitations contraires : analyse et synthèse, le singulier et l'universel, certitude et doute”) -Thomas Régnier.[10]
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