sábado, 24 de janeiro de 2015

Um poema às eleições gregas, na véspera:

GRÉCIA À ESPERA

Hoje chegam os Persas
por isso a Grécia se vestiu de gala hoje de púrpura real
nos himácios de esmeraldas que são o instrumento
com que assinarão a rendição diante dos Persas essa miríade
de povos de cheiros distintos

Hoje chegam os Persas
trá-los pela mão uma rainha mas não a doce Ester
tem o coração soberbo que o próprio mar castiga
o coração de Xerxes, dizem que a Grécia gastou
todo o dinheiro que lhes mandaram e o lançou ao mar
mas se já à Grécia drenaram o mar cortaram a corda espessa
que lhes prendia o coração e o mudaram num fio fino
que tem na outra ponta um mestre
de marionetas, o verbo de um ventríloquo

Hoje chegam os Persas
vêm de trás das falésias, traiçoeiros com os cavalos pelo rabo
já tomaram o próprio Olimpo já compraram com todo o seu dinheiro
a terra da Ática e da Beócia — dizem, até os Lacedemónios estão extáticos
e os esperam com fanfarra como quem espera o párodo
do liberal Liseu Evoé Evoé que vêm os Persas
e com eles os Macedónios
os salvadores eternais da Grécia

esperá-los-á solenemente a Grécia em Salamina

Rui Miguel Duarte
24/01/15

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

A VIRGEM DE LEONARDO



Tem um par de olhos  quase obscenos e um sorriso
Enigmático, onde tocam
Os pássaros desocupam os ramos, despem
Os nossos ouvidos de ressentimentos
Sobre o dia que passa

Rasgam a carne, tiram o coração do sério
Do seu batimento
Absorvem
Todo o ar à nossa respiração

Sob a ausência do seu par de olhos e do sorriso
Quase obscenos
Quando se afastam morremos
Em silêncio, sem memórias.

21-11-2014

© J.T.Parreira

domingo, 18 de janeiro de 2015

PRIMEIRO

primum uiuere deinde philosophari


primeiro vivamos depois filosofemos
primeiro sejamos devedores do recobro
das árvores depois da mutação da tormenta

primeiro escondamos a vergonha
antes de entrarmos nos salões de sermos mestres
que cospem a esmola e a pisam
primeiramente sentemo-nos no degrau que ocupa Lázaro

primeiro aprendamos o tremor
que há um calafrio que é volátil
e tem rosto de Medusa que os seus cabelos
mordem e o seu olhar cria em nós estátuas
primeiro aprendamos que há uma espada
que ceifa a raiz e o eco do medo

primeiro bebamos o vinho
na estação e fora da estação
conheçamos que todas as cores têm
matizes notas no âmago da candura
primeiro agarremos o sonho
passeemos nele todo por dentro
enquanto o vento o traz e o leva

primeiro filosofemos depois poetemos
com a boca do abismo à beira dos olhos
é aí que descobrimos
que há asas à beira de nós
pés seguros nas mãos rijas dos anjos
contudo são a terra que nos dá
as flores para o nosso contentamento

primeiro amemos depois vivamos

Rui Miguel Duarte
18/01/2015


quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

TRATADO DA PINTURA COMO SOCIOLOGIA





As viciosas meninas de Avignon, os olhos
Desmesuradamente ovais onde o mundo
Fica constrangido, indiferentes à figura
Nua em véu subtil,  provocam
As meninas de Velásquez, estas
São observadas mais do que observam, estão
Como melancólicas e belas
Naturezas-mortas.

14-01-2015

© J.T.Parreira



segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Um não-lugar para o poeta marginal


Um não-lugar para o poeta marginal

Uma homenagem à geração de 80, final do mimeógrafo, réstia marginal

Um lugar que fica num outro lugar que
está dentro de um terceiro lugar, este
sim, localizado em lugar algum.
É ali que eu queria ficar.

Aramado es pa
                             rra
                                     mar-
                                              me
em meu aracnoestado,
meu parangolizado brinquedo

quedar-me quedo,
anti-tredo, pisoteando
as fuças murchas
de meu bielo-medo

vestindo meu colete (âmbar-)gris,
camuflado em risca de (faca &) giz
mascando drops de (alcaçuz &) anis

um mimeografado chacal xaropado de sossego

poetando meninotas em minhas Pasárgadas de pêssego

Sammis Reachers

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

ALMOÇO CAMPESTRE


(Arte: Edouard Manet)


Tal como Manet os fez, um mundo perfeito
sentados sobre a relva, numa relação directa com
o solo, um pouco menos mortais
do que a flor que mal nasce morre
sob a sombra das árvores, pousados como pássaros
distribuídos do alto cume azul, enchem os olhos
da fragrância de um corpo nu, eles
contudo indiferentes, conversam como dois
discretos cavalheiros que esperam o crepúsculo
cair como o fresco véu da tarde.

01-01-2015

© J.T.Parreira  


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