domingo, 27 de agosto de 2017

A PROBABILIDADE DE SER POEMA



«Eν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος, καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν θεόν, καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος.»


Após séculos de discussão sobre o chamado problema da autoria do Quarto Evangelho, era moda na Alta Crítica dizer que o Jesus de João era o produto de um processo teológico oriundo da própria Igreja Primitiva, querendo negar assim a autenticidade histórica do autor João e do seu acompanhamento do Mestre, como um dos Doze. A era da crítica acadêmica foi aberta com os trabalhos de K.G. Bretschneider ( 1776-1848) no que concerne à autoria do Evangelho. 
Bretschneider questionou na sua obra sobre o Evangelho de João a probabilidade autoral 
( in “Probabilia”).

Um paradoxo para chamar a atenção da própria a autoria apóstólica desse Evangelho, argumentando, pelo menos, sobre a topografia do autor que ele não poderia ter vindo da Palestina. Seguindo Hegel, houve também quem no século XVIII considerasse o Quarto Evangelho como um trabalho de síntese, isto é, do género de tese e antítese. O Evangelho de João foi chamado de “Evangelho Espiritual”, mas nunca um evangelho filosófico, ainda que iniciando-se de um modo que agradaria aos gregos.

Tais discussões sobre a autenticidade autoral estão agora mais serenas. Ainda bem porque podem abrir outros caminhos mais interessantes, deslocando-se para o que parece ser um poema inicial o Prólogo joanino.

É dado como historicamente certo que o Prólogo tenha sido uma necessidade para dar resposta às grandes questões do espírito no que concerne ao Cristianismo versus 
Filosofias gnósticas do Século I.

Estruturalmente, ele surge como um prefácio, mas as raízes de um certo lirismo, senão na forma pelo menos na fonética e no ritmo, estão lá.
No início do comentário ao Evangelho Segundo João, o tradutor de “Biblia - Novo Testamento” e dos “Quatro Evangelhos”, Frederico Lourenço afirma que “o texto grego (o Prólogo) não é um poema”.

De facto, a poesia em língua grega do Século I era, entre outros requisitos da poética, reconhecida pelas unidades rítmicas, o que não é o caso do 1º verso, mas o nosso ouvido – também afirma FL- reconhece uma certa musicalidade, um certo ritmo pela combinação de algumas palavras. Lido o versículo em causa, quer na língua grega, quer na nossa própria língua, há um ritmo inegável.

No que diz respeito ao texto grego, aprecie-se o primeiro grupo (Ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος) que é combinatório com a última expressão (καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος) Esta última linha completa a primeira, à qual regressa.

“No princípio era o Lógos / (…) / E era Deus o Lógos”. Expressão nossa para não fugir à melopeia e à quase poética pelo ritmo. Existe aqui uma unidade rítmica e melódica, uma linha de poema. No fundo o verso (versu, vertere), na sua concepção milenar, acaba por ser uma tautologia, algo que começa e retorna ao ponto inicial, porque verso designa um movimento de regresso.

Contudo, quer este verso inicial quer todo o conjunto do Prólogo joanino não é, como se chegou a pensar, um poema para agradar ao Gnosticismo. Nem visto apenas à superfície do texto, nem atomisticamente.

Uma quantidade imensa de material riquíssimo é o que encontramos nos primeiros 18 versículos do Prólogo de João.


A “Encyclopedia Americana resume, no que concerne ao Prólogo, várias páginas de douta e vasta bibliografia sobre o tema, e afirma a influência grega que o Evangelista teve, tornando-se evidente que “os primeiros versos são obviamente um poema à maneira dos Estóicos”. É, contudo, uma conclusão que, do ponto de vista da Poética seja ela de Aristóteles ou, posteriormente, de Horácio, não resiste a uma análise, como vimos, dos constituintes do poema. Mais certo será afirmar que o Prólogo se apresenta sob a forma de “um hino cantado na comunidade joanina (em Éfeso?), antes de ter sido colocado como início do Evangelho”. A beleza e a estética dos primeiros cinco versos (1-5 inclusivé), estão lá, porque abrem as portas da Eternidade para dar passagem ao Verbo ou Lógos que vem até ao Homem, até a pungência do Tempo. 

© J.T.Parreira

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

POEMA DE MARIA MADALENA JUNTO AO SEPULCRO



Onde puseram o meu Senhor ? Mesmo morto
O seu corpo receberia o perfume dos meus olhos
Onde o puseram Ele não é um morto
Como os outros para que o Seu corpo se consuma
O meu choro é o que sobra do meu coração
Tanto amor, sem retorno físico, preso
Na indiferença da morte
Dizei-me anjos, vós que não trouxestes
Do céu os crepes com que se amortalham os mortos
Não sei onde o puseram, e a Sua ausência
Mais enobrece o meu amor, sou uma mulher simples
Que rompeu as cadeias dos olhares dos homens
Para vir derramar-se junto ao seu sepulcro.

06/08/2017

© João Tomaz Parreira


segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Dois poemas de Rabindranath Tagore


Entrevista

Fui sozinho à minha entrevista,
Quem é esse que me segue
na escuridão calada?

Afasto-me para ele passar,
mas não passa.

Seu andar soberbo
levanta poeira,
sua voz forte
duplica a minha palavra.

Senhor,
é o meu pobre eu!
Ele não se importa com nada.
Mas como sinto vergonha
por ter de vir com ele à tua porta!


A prisão do orgulho


Choro, metido na masmorra
do meu nome.
Dia após dia, levanto, sem descanso,
este muro à minha volta;
e à medida que se ergue no céu,
esconde-se em negra sombra
o meu ser verdadeiro.

Este belo muro é o meu orgulho,
que eu retoco com cal e areia
para evitar a mais leve fenda.

E com este cuidado todo,
perco de vista 
o meu ser verdadeiro. 


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