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segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Ilhas de Juan Fernández: ROBINSON CRUSOÉ - Eduardo Galeano


O vigia anuncia fogos distantes. Para buscá-los, os flibusteiros do Duke mudam a rota e põem a proa em direção à costa do Chile.
A nau se aproxima das ilhas de Juan Fernández. Uma canoa, um talho de espuma, vem ao seu encontro, lá da fila de fogueiras.
Sobe na coberta um novelo de cabelos e imundície, que treme de febre e emite ruídos pela boca.
Dias depois, o capitão Rogers vai entendendo. O náufrago se chama Alexander Selkirk e é um colega escocês, sábio em velas, ventos e saques. Chegou à costa de Valparaíso na expedição do pirata William Dampier. Graças à Bíblia, ao punhal e ao fuzil, Selkirk sobreviveu mais de quatro anos numa dessas ilhas sem ninguém. Com tripas de cabrito soube armar artes de pescaria; cozinhava com sal cristalizado nas rochas e para a iluminação usava óleo de lobos-marinhos.
Construiu uma cabana nas alturas e, ao lado, um curral de cabras. No tronco de uma árvore marcava a passagem do tempo.
A tempestade lhe trouxe restos de um naufrágio e também um índio quase afogado. Chamou o índio de Sexta-Feira, porque esse era o dia. Dele aprendeu o segredo das plantas. Quando chegou o grande barco, Sexta-Feira preferiu ficar. Selkirk jurou que ia voltar, e Sexta- Feira acreditou.
Dentro de dez anos, Daniel Defoe publicará, em Londres, as aventuras de um náufrago. Em seu livro, Selkirk será Robinson Crusoé, nascido em York. A expedição do pirata britânico  Dampier, que tinha limpado a costa do Peru e do Chile, se transformará em uma respeitável viagem de comércio. A ilhota deserta e sem história saltará do Pacífico para a boca do Orinoco, e o náufrago viverá nela vinte e oito anos. Robinson também salvará a vida de um selvagem canibal: master, amo, será a primeira palavra que ensinará em língua inglesa. Selkirk marcava com a ponta de uma faca as orelhas de cada cabra que capturava. Robinson projetará a divisão da ilha, seu reino, para vendê-la em lotes; marcará cada objeto que recolher do barco naufragado, fará a contabilidade de tudo que produza na ilha e fará o balanço de cada situação, o dever das desgraças, o haver das sortes.
Robinson atravessará, como Selkirk, as duras provações da solidão, o pavor e a loucura; mas na hora do resgate Alexander Selkirk é um espantalho esfarrapado que não consegue falar e se assusta com tudo.
Robinson Crusoé, ao contrário, invicto domador da natureza, voltará para a Inglaterra, com seu fiel Sexta-Feira, fazendo contas e projetando aventuras.

In Memórias do Fogo vol. 2

 

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Noite de Natal - Eduardo Galeano


Noite de Natal 

Fernando Silva dirige o hospital de crianças, em Manágua. Na véspera do Natal, ficou trabalhando até muito tarde. Os foguetes esposavam e os fogos de artifício começavam a iluminar o céu quando Fernando decidiu ir embora. Em casa, esperavam por ele para festejar. 

Fez um último percorrido pelas salas, vendo se tudo ficava em ordem, e estava nessa quando sentiu que passos o seguiam. Passos de algodão: virou e descobriu que um dos doentinhos andava atrás dele. Na penumbra, reconheceu-o. Era um menino que estava sozinho. Fernando reconheceu sua cara marcada pela morte e aqueles olhos que pediam desculpas ou talvez pedissem licença. 

Fernando aproximou-se e o menino roçou-o com a mão: — Diga para... — sussurrou o menino —. Diga para alguém que eu estou aqui.

in O Livro dos Abraços

sábado, 24 de novembro de 2012

Eduardo Galeano, da Função do Leitor (César Vallejo)

Galeano

A função do leitor/ 2 

Era o meio centenário da morte de César Vallejo, e houve celebrações. 

Na Espanha, Júlio Vélez organizou conferências, seminários, edições e uma exposição que oferecia imagens do poeta, sua terra, seu tempo e sua gente. 

Mas naqueles dias Júlio Vélez conheceu Jose Manuel Castanon; e então a homenagem inteira ficou capenga. 

Jose Manuel Castanon tinha sido capitão na guerra espanhola. Lutando ao lado de Franco, tinha perdido a mão e ganho algumas medalhas. 

Certa noite, pouco depois da guerra, o capitão descobriu, por acaso, um livro proibido. Chegou perto, leu um verso, leu dois versos, e não pôde mais se soltar. O capitão Castanon, herói do exército vencedor, passou a noite toda em claro, grudado no livro, lendo e relendo César Vallejo, poeta dos vencidos. E ao amanhecer daquela noite, renunciou ao exército e se negou a receber qualquer peseta do governo de Franco. 

Depois, foi preso; e partiu para o exílio.

Eduardo Galeano, in O Livro dos Abraços

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Um pequeno oceânico trecho de Eduardo Galeano


“Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar.
Viajaram para o Sul.
Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:
- Me ajuda a olhar!”

... ... ...

Eduardo Galeanoo Livro dos Abraços


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