sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

[ Ficção Evangélica ] - O Pequeno Livro dos Mortos, livro de contos de Sammis Reachers


O Pequeno Livro dos Mortos (Contos). 
Editora Letras e Versos, 2015. 
96 Págs.

    Seja bem-vindo a esta pequena jornada, amigo leitor. Aqui o humor, o terror, o conto de espionagem, a ficção científica, a fantasia borgeana e a crônica (sub)urbana, com seu traçado agridoce e enlameado de poesia e violência, são os vagões, os gêneros desse comboio, desse trem de memória e invenção de que valho-me para visitar e emoldurar meus mortos. Ficção e realidade interpenetradas, perdição e redenção amalgamadas num caudal de cores de inusitada composição, para falar dos muitos mortos que perdi e ganhei, amigos e não-amigos, reais e imaginários, e suas mortes físicas mas algumas vezes também espirituais. Mortos que precisam de uma voz, prontos para revelar suas histórias de crueza e beleza, e de um como que encantado desencanto.
    
     Um passeio pelas horas da verdade: momentos de encontros com (ou retornos para) o Cristo, ressurreições, chamados cumpridos; mas também desencontros, desvios e desdita. E o trem tragicômico dos mortos e vivos avança: há provocações sutil ou escancaradamente acondicionadas em cada vagão, como passageiros clandestinos. Prontos para abraçar e inquietar, com seu amor ou seu aço, aqueles que se aproximarem...

      A morte é o fato inelutável, a certeza primeva de todo homem - e que por isso mesmo deve ser refletida e ruminada, jamais encoberta, ‘esquecida’ - uma premência filosófica que levou Heidegger, talvez o maior filósofo do século XX, a definir o homem fundamentalmente como ser-para-a-morte.

      Mas ao pensarmos na morte, precisamos atentar para seu caráter duplo, para o fato de que, se cremos na mensagem cristã, há duas mortes possíveis: uma carnal, inevitável neste aqui-e-agora que vivenciamos, e uma espiritual e eterna, representada pelo afastamento de Deus, afastamento este perfeitamente evitável. Cabe sempre lembrar das palavras de Deus em Deuteronômio 30:19: Os céus e a terra tomo, hoje, por testemunhas contra ti, que te tenho proposto a vida e a morte, a bênção e a maldição; escolhe, pois, a vida, para que vivas, tu e a tua semente...”. Sim, eis a boa-nova, a raiz e o fundamento do cristianismo: a todo homem está franqueada a esperança de não passar pela segunda e verdadeira morte, e galgar à eternidade re-unido com Deus, esperança radical advinda na pessoa e pelo sacrifício vicário do Homem-Deus de Nazaré, Jesus Cristo, expressa em João 11:25,26: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá; e todo o que vive e crê em mim não morrerá, eternamente. Crês isto?”

      No mais, para além de religiosidades (Cristo é uma pessoa, nunca uma religião) e do tema algo lúgubre da morte, eis aqui apenas um livro de ficções, que expressa uma cosmovisão, sim, mas não tem objetivos proselitistas de qualquer monta: se ele puder entretê-lo, amigo leitor, ao lhe permitir devanear, sorrir ou assustar-se, se emocionar e solidarizar, ou talvez, ainda que por meros milímetros, expandir sua forma de perceber, terá cumprido seu humilde papel de livro.

O livro custa apenas R$ 20,00 , já com as despesas de envio (Correio) incluídas. Para saber como adquirir, escreva para:sammisreachers@ig.com.br

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Como justificar uma biblioteca particular - Humberto Eco


Umberto Eco

in O segundo Diário Mínimo.
Tradução:
Sérgio Flaksman.


Desde criança, tenho estado habitualmente exposto a dois (e apenas dois) tipos de piada: "Você é aquele que sempre responde" e "Você é aquele que ressoa pelos vales." Passei toda a minha infância convencido de que, por um curioso acaso, todas as pessoas que eu encontrava fossem estúpidas. Depois, tendo chegado à idade adulta, precisei descobrir que existem duas leis a que nenhum ser humano tem como esquivar-se: a primeira idéia que vem à mente é sempre a mais óbvia e, depois que a pessoa tem uma idéia óbvia, não lhe ocorre jamais que outros já possam tê-la tido antes.
Reuni uma coleção de títulos de artigos e resenhas, em todas as línguas do tronco indo-europeu, que variam entre "O eco de Eco" e "Um livro que produz eco". Salvo que, nesses casos, desconfio que não tenha sido esta a primeira idéia que veio à mente do redator; toda a redação deve ter-se reunido, discutido cerca de vinte títulos possíveis e, finalmente, o rosto do redator-chefe se iluminou e ele disse: "Rapazes, tive uma idéia fantástica!" E os colaboradores: "Chefe, você é um demônio, como é que tem essas idéias?" "É um dom", deve ter sido a sua resposta.
Não quero dizer com isto que todas as pessoas sejam banais. Tomar uma obviedade por idéia inédita, inspirada pela iluminação divina, revela certo frescor de espírito, um certo entusiasmo pela vida e sua imprevisibilidade, um certo amor pelas idéias – por menores que elas possam ser. Sempre me lembrarei do primeiro encontro que tive com o grande homem que foi Erving Goffman: eu o admirava e amava pela genialidade e a profundidade com que sabia recolher e descrever as nuances mais sutis do comportamento social, pela capacidade que tinha de perceber traços infinitesimais que até então haviam escapado a todos. Nós nos sentamos num café ao ar livre e ao fim de algum tempo, olhando para a rua, ele me disse: "Sabe, acho que hoje há automóveis demais circulando nas cidades." Talvez nunca tivesse pensado nisto, porque geralmente pensava em coisas bem mais importantes; tinha tido uma iluminação imprevista, e o frescor mental para enunciá-la. Eu, pequeno esnobe intoxicado pelas palavras de Nietzsche, teria sido incapaz de dizê-lo, mesmo que o pensasse.
O segundo choque da obviedade sobrevém a muitos que se encontram em condições iguais às minhas, ou seja, que possuem em casa uma biblioteca de certas dimensões – de tal maneira que, entrando em nossa casa, as pessoas não tenham como deixar de notá-la, inclusive porque nossa casa não contém muitas outras coisas. O visitante entra e diz. "Quanto livros! Já leu todos?" No início eu achava que esta frase só fosse pronunciada por pessoas de escassa intimidade com o livro, acostumadas a ver apenas estantezinhas com cinco livros policiais e mais uma enciclopédia infantil em fascículos. Mas a experiência me ensinou que também é pronunciada pelas pessoas que concebem as estantes como mero depósito de livros lidos e não a biblioteca como instrumento de trabalho, mas isto não bastaria. Estou convencido de que, quando se vê diante de muitos livros, qualquer pessoa é tomada pela angústia do conhecimento, e fatalmente resvala para a pergunta que exprime seu tormento e seus remorsos.
O problema é, à piada "O senhor é aquele que responde sempre" basta reagir com um sorriso e no máximo, quando é o caso de ser gentil, com uma "Boa, esta!" Mas é preciso dar uma resposta à pergunta sobre os livros, enquanto o maxilar se enrijece e filetes de suor gelado escorrem ao longo da coluna vertebral. Durante algum tempo adotei uma resposta desdenhosa: "Não li nenhum deles; senão, por que estariam aqui?" Mas esta é um resposta perigosa, porque desencadeia a reação óbvia: "E onde guarda os que já leu?" A melhor é a resposta padrão de Roberto Leydi: "E muitos mais, senhores, muitos mais", que deixa o adversário paralisado e o reduz a um estado de veneração estupefacta. Mas acho esta resposta impiedosa e ansiogênica. Ultimamente, eu me inclino por outra afirmação: "Não, estes são os que preciso ler durante o próximo mês, os outros eu guardo na universidade", resposta que por um lado sugere uma sublime estratégia ergonômica e, por outro, induz o visitante a antecipar o momento da despedida.

sábado, 16 de janeiro de 2016

OS DESENHADORES DE CAVERNAS




“Na caverna um bisonte deslumbrado”
António Ramos Rosa


Um bisonte não se conteve nos olhos
Do homem da caverna e deslumbrou
O coração da pedra, na caverna resistiu
A terramotos, a mundos submersos,  gerações
De outros homens,  e resiste ainda
Suspenso do jogo
Das metáforas vindouras.

10-01-2016

©  João Tomaz Parreira 

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

AUSÊNCIA



Vamos chamar-lhe Penélope. Quem eleva
A voz mais alto que o canto das sereias
Nos ouvidos de Ulisses,  a que enlaça os fios
Do dia nos seus dedos e à noite
Desentrança, quem ao sol aquece o sangue
Bom condutor da vida, a olhar o ar
O real espaço do Egeu, vasto túmulo de ausências
Vamos chamar-lhe Penélope. 
A que ama a esperar.


14-01-2016
© João Tomaz Parreira 

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

CARTA DE ALFORRIA


vai, escravo buscar a carta da tua alforria
o teu passo ainda hesita, estará a carta pronta, quem
a assinará? quantas folhas a compõem? de que árvore?
vai o pensamento à frente e o passo

vai confessante as palavras depositadas no selo
escarlate que identifica o senhor
é a garantia do que a mão espera apreender:
a carta
lustral que torna eficaz a alforria
a declara inscrita nos céus, riscada por um cometa
escarlate do sangue do escravo

o teu sangue, escravo, com ele
for riscado um tapete
que os teus pés pisam
e os fere em brasa
como se fosse uma punição
por uma culpa qualquer que é só tua
a culpa de querer a alforria

mas fizeram-te a promessa,
e esse escarlate é agora
os sapatos da corrida
que tu encetas, pois acelera, vai,
cessa de prender o passo no chão
das hesitações
para trás das costas ficaram os chicotes
vai, escravo, transpostos os estratos do sonho
vai de cabeça alta e pernas firmes
como cedro do Líbano
buscar a carta da tua alforria

Rui Miguel Duarte
12/01/2016

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