quarta-feira, 19 de novembro de 2014

6.000.000





Seis milhões de nomes sob cinzas
toda a gente como de facto diziam
as estrelas
por cima dos vestidos
casacos sobretudos moribundos
Nenhum deles viu o fogo que nascia
dos fornos das galáxias da morte
seis milhões de nomes como cinza

Famílias inteiras com pequenos nomes
nos braços não chegariam
mais à idade de brincar nos pátios
ou os velhos
que jamais iriam acender a Menorá
iluminando o pôr-do sol de sexta à noite  

foram cinzas de seis milhões de nomes
que subiram à tristeza divina pelo ar.

13-06-2014

© João Tomaz Parreira 

terça-feira, 18 de novembro de 2014

MIGALHAS FILOSÓFICAS PARA LIBERTAÇÃO


MIGALHAS FILOSÓFICAS PARA LIBERTAÇÃO[1]

                                                                                                                                                        
por  Júnior Fernandes[2]
                           

Se este mundo fosse isento de miséria e de dor, tornar-se-iam [os homens] a presa do tédio, e na medida que pudessem fugir a este mal, recairiam nas misérias, nos tormentos, nos sofrimentos.
Shopenhauer, Dores do mundo [3]



                Poderão alguns pensar pelo título desse fragmento que estarei a discorrer sobre uma peça de autoajuda ou que essas migalhas são pílulas panaceicas para anestesiar a dor do homem jogado e perdido no abismo do vazio do mundo. Não é este o caso. Queremos, apenas, tão-somente, apreciar algumas das belas passagens e exemplos que a filosofia nos dá como consolação para o homem melancólico dos tempos hodiernos, preocupado mais com suas vantagens e o instante de sua satisfação pessoal.

            Comecemos, então, por um fato ocorrido com o filósofo Zenão de Cicio (335-264 a.C.). Narra-nos Diógenes Laécio em Vida, Doutrinas e Sentenças dos Filósofos Ilustres que, quando foi a Zenão anunciado o naufrágio no qual tudo que possuía fora tragado pelo mar, teria dito: “a fortuna quer que eu filosofe sem nenhum embaraço”. A história da Filosofia dá-nos conta que Zenão depois do incidente e agora pobre, fundou o Estoicismo (gr.: Stoa), corrente filosófica que tinha como fórmula “suporta e renuncia” (sustine et abstine).  De igual modo, consola-te, pois, com o que não pode ser mudado, nem modificado.

            Outro personagem que nos traz uma consolação é Diógenes de Sinope (413-323 a.C.), o Cínico; este viveu uma vida de disciplina e aversão aos prazeres mundanos. Em seu tempo foi um zombador social; viveu isolado e resignadamente sem casa e dinheiro, portanto pobre e sem teto. Seus bens mais valiosos eram o tonel onde morava, um alforje e sua lanterna, usada para “procurar um homem no mundo”.  Sabe-se que quando Alexandre, o grande, ao se encontrar com Diógenes na ocasião de seu banho de sol, teria dito o imperador ao filósofo: “Não sabes quem sou?” Ao ser ignorado, Alexandre emendou: “Sou Alexandre, o grande. Pede-me, agora, o que queres”.  Diógenes respondeu: “Devolva o meu sol”. Por fim murmurou o imperador: “Se eu não fosse Alexandre, queria ser Diógenes”. Assim – qual Diógenes – consola-te, pois, com o teu sol.

            Pode o leitor, precipitadamente, depois de ter lido até aqui, formular a conclusão de que queremos induzi-lo a apegar-se a um modus vivendi asceta ou estóico. Não é este o fim que nos move. Seria de nossa parte impossível esta pretensão. Esta impossibilidade é confirmada, com efeito, nos indícios do mundo em que vivemos, cada vez mais utilitarista e, conseqüentemente,  consumista.

            Em vista disso, acertadamente, Aldous Huxley, bem traduziu – já em sua época – esta indisposição do homem para com valores perenes ao perceber sua preocupação apenas com o imediato, por isso bem descreveu as aspirações deste homem moderno: “Dê-me televisão e hambúrguer e não me venha com sermões sobre liberdade e responsabilidade”[4]. Dessa maneira, Huxley sintetiza e anuncia como seria o admirável mundo novo, no qual o homem é vítima de seus próprios desejos. Diante disso, consola-te, pois, com os valores imateriais e perenes.
           
            A busca incontrolável pela diversão a qualquer preço, isto é, pelos prazeres sensuais, encaminham o ser humano a viver esteticamente, como um arquétipo de Don Juan desses novos tempos.

            Assim, nesse viver mergulhado apenas nas questões que lhe oferecem prazer, o homem vive, conforme Kierkegaard, o instante. Vale, tão-somente, o estágio estético da existência, que o move incessantemente na busca do prazer pelo prazer. Depois, quando tudo se esvai e, portanto, acaba, ei-lo então depressivo, melancólico e vazio. Surge aí o desespero,  pois o instante é fugaz e quando se vai deixa apenas um buraco e estrago no ser do homem. “Deserto e vazio. Deserto e vazio. E as trevas à beira do abismo”[5]; assim, com palavras do poeta T. S Eliot, assinalamos este momento. Consola-te, pois, com aquilo que não te consuma e nem leve ao desespero.
           
            Continuemos. Com Sócrates – o filósofo das ruas – surge a recomendação para o ato de refletir, isto é, filosofar. Diz ele: “uma vida sem reflexão não merece ser vivida”. Da mesma maneira, Sêneca (4 a.C.? – 65 d. C.), endossa a importância do ato reflexivo: “Vou dizer-te, então, o que me reconfortou; mas antes quero dizer-te que essas coisas em que encontro alento tiveram para mim a eficácia de um remédio; os bons auxílios transformaram-se em remédios, e qualquer coisa que eleve a alma aproveita também ao corpo. Os estudos foram minha salvação, devo agradecer à filosofia se consegui me levantar da cama, se me curei: a ela devo a vida, mesmo que essa seja a menor dívida que tenho com ela”[6].  Qual Sêneca e Sócrates, consola-te,  pois, com o pensar e o refletir sobre as coisas.

            Bem verdade é que o ser humano, consumido pela velocidade da vida e o progresso desenfreado, não tem tempo para refletir sobre a vida, isto é, pensar filosoficamente. Virou ele prisioneiro da própria teia que teceu, assim como o personagem principal de 1984, de George Orwell, o homem contemporâneo (ou pós-moderno) está sendo (ou foi) reduzido “a uma mera larva de homem, que vive uma vida desprovida de qualquer sentido”[7]. Sua existência limita-se à busca pelo sucesso e a vencer o outro. Se isto é verdade, devemos compará-lo a Sísifo, “condenado pelos deuses a carregar, nos Infernos, uma rocha para o alto de uma montanha, sem que esse trabalho jamais termine, porque, ao chegar ao topo, a rocha cai de suas mãos e volta a cair no vale”[8]. Como o personagem de Camus, o homem parece condenado a realizar um trabalho infernal, onde a busca pelo topo e primeiro lugar do podium tiram-lhe a liberdade e a felicidade. Consola-te, pois, em ser feliz e livre, mesmo que não tenha chegado ao cume do sucesso.

            Mas e a felicidade? Ah, a felicidade! Todos querem tê-la como fiel companheira. Mas isso não é possível. A condição humana indica que ser feliz é algo que depende de como estamos e sentimos em determinado momento. Assim, se somos, por exemplo, pegos de surpresa com a notícia da morte de alguém que amamos, mesmo vivenciando um grande momento de alegria, tudo muda. E ainda, se não somos capazes de se contentarmos com o que possuímos, somos infelizes por não possuir o desejado, e isso pode gerar até um sentimento de inveja. A respeito disso, vejamos como Madame du Chatelet tratou desse problema: “Um dos grandes segredos da felicidade consiste em moderar nossos desejos e amar as coisas que possuímos. [...] só somos felizes com desejos satisfeitos; portanto, só devemos permitir-nos desejar as coisas que pudermos obter sem excesso de cuidados e trabalhos, e este é um ponto sobre o qual muito podemos para nossa felicidade. Amar o que possuímos, saber desfrutá-lo, saborear as vantagens de nossa situação, não deter demasiado os olhos naqueles que nos parecem mais felizes [...] é a isso que devemos chamar de felicidade [...] Para desfrutá-la, é preciso curar ou prevenir uma doença de outro tipo, que se opõe totalmente a ela e que é muito comum: a inquietação”[9]. Assim, consola-te, pois, a manter o espírito sereno, livre das inquietações e perturbações da coisa desejada.

            Contentar-se com aquilo que está dentro de nossas possibilidades – eis o segredo do ser feliz. Entretanto o que se vê, nesses tempos de corrida incessante contra a morte, é a criação de uma felicidade superficial, forjada nas academias, nas vitrines dos shopping centers, nas cirurgias plásticas etc. A velhice é um fantasma de que todos têm medo. Por isso, ninguém mais quer envelhecer, pois isso significa marcar encontro com a morte. Assim, a busca ilimitada pelo bem-estar material aflige o homem de hoje.

            A felicidade artificial, portanto, substitui dia após dia a felicidade espiritual. E por que isso aconteceu? Segundo Giovanni Reale, isso “aconteceu porque a abundância dos bens materiais, em vez de preencher o homem, o esvaziou. Minou e, portanto, comprometeu sua consistência e densidade moral.”[10]

            Nesse sentido Platão, em Apologia de Sócrates, registra a receita de felicidade prescrita por seu mestre: “Estou tentando apenas convencer-vos, aos mais jovens e mais velhos, de que não deveis preocupar-vos com os corpos, com as riquezas ou com alguma outra coisa antes de vos preocupardes primeiramente com a alma, de forma que se torne o melhor possível,  afirmando que a virtude não nasce das riquezas, mas da própria virtude vêm, aos homens, as riquezas e todos os outros bens, tanto privados como públicos”[11]. As palavras do filósofo não estão insinuando que devamos ser descuidados com o nosso corpo, o teor delas tem conotação de que a matéria não deve prevalecer sobre o espírito.

            Por fim, resta-nos ainda falar sobre como devemos nos consolar diante do inevitável – a morte. Imagine, se fôssemos imortais; alguns iriam dizer que essa vida seria um tédio, outros iriam se achar deuses, outros tentariam inventar o suicídio etc. O certo é que iremos todos morrer: amanhã, ou depois de amanhã, ou quem sabe hoje. A respeito disso, é digno de registro este célebre fragmento de Schopenhauer: “[...] somos escravos do querer viver, que torna em nós a aparência ilusória de uma vontade individual. Lutamos selvagemente uns contra os outros para conquistar riquezas e honras que a morte logo nos arrancará. Somos escravos do desejo, deste desejo que é sempre sofrimento – sofrimento da necessidade enquanto não satisfeita, sofrimento do tédio quando podemos obter tudo o que desejamos. ‘A vida oscila, como um pêndulo, do sofrimento ao tédio’. Por outro lado a necessidade, a necessidade não cessa de renascer das cinzas e ‘a satisfação que o mundo pode dar aos nossos desejos assemelha-se à esmola hoje dada ao mendigo e que o faz viver o bastante para estar faminto amanhã”.

            Também, conhecedores da finitude humana, os imperadores romanos colocavam escravos nas bigas dos generais que triunfavam nas batalhas para recitarem a seguinte frase: memento mortale est – lembra-te que és mortal; era o antídoto da arrogância e orgulho. Noutras palavras poder-se-ia dizer como Salomão: Vanitas vanitatum, et omnia vanitas – vaidade das vaidades, tudo é vaidade. Ou como disse Schopenhauer: “Quão longa é noite do tempo sem limites comparada com o curto sonho da vida!”[12].
           
            Por fim, consola-te, pois ela há de vir. Sobre isso Montaigne diz que “não sabemos onde a morte nos aguarda, esperemo-la em toda parte. Meditar sobre a morte é meditar sobre a liberdade; quem aprendeu a morrer, desaprendeu a servir; nenhum mal atingirá quem na existência compreendeu que a privação da vida não é um mal; saber morrer nos exime de toda sujeição e constrangimento”[13].  Consola-te, pois...
  
BIBILIOGRAFIA

MORRA, Gianfranco. Filosofia para todos. Trad. Mário Pagotto Marsola. São Paulo: Paulus, 2001.
REALE, Giovanni. O Saber dos antigos – terapia para os tempos atuais. Trad. Silvana Cobucci Leite. 2. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2002.

SANTANA, Edilson. Filosofar é preciso. São Paulo: DPL editora, 2007.

SCHOPENHAUER, Arthur. Dores do mundo. Ediouro – (Coleção Universidade)


[1] Publicado na edição nº 20 da revista impressa e no portal de Filosofia Conhecimento Prático.
[2] Graduado em filosofia. Advogado. Prof. de filosofia na rede pública de ensino do DF. Autor dos livros O Sofrimento dos Filósofos e Trevas Trovões Trovas: escritos de uma noite escura (este, não publicado). Para citar o autor, use a referência: PIRES JR. J. Fernandes. Migalhas filosóficas para libertação. Disponível em: (referência ao sitio...). Acesso em: (data do acesso).
[3]  SCHOPENHAUER, Arthur. Dores do mundo, p. 127
[4]  Apud. REALE, Giovanni. O Saber dos antigos – terapia para os tempos atuais, p. 12
[5]  Apud REALE, Giovanni. Ibidem, p. 7
[6]  Apud, Idem, Ibidem, p. 16
[7]  Idem, p. 9 
[8]  REALE, Giovanni, Op. cit. p. 163
[9]  Apud SANTANA, Edilson. Filosofar é preciso, (epígrafes)
[10]  Op. cit, p. 94 
[11] Apud REALE, Giovanni. Ibidem, p. 7
[12] Dores do mundo, p. 128
[13] Apud MORRA, Gianfranco. Filosofia para todos, p. 81

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

No Máximo, Seis Versos - Poemas Breves, Bíblicos & Outros, novo e-book de J.T.Parreira

De todas as chamadas nove artes, é na Poesia que mais justificadamente se pode asseverar que menos é mais. A concisão, a precisão do corte e do entalhe, só fazem amplificar o poder comunicante do texto, só podem elevá-lo.

       Nos versos aqui coligidos, versos irmanados pela brevidade, João Tomaz Parreira dá vazão ao seu caudal de metáforas condensadas, à tessitura precisa, que em seu rigor vezes lembra o Hermetismo italiano no que ele tinha de melhor, a explosão/maximização das cargas expressivas do poema ao nível microscópico. E em tal labor engendra a quase perfeição poética, como neste fulgurante A Tentação, onde o Cristo jejuante é tentado no deserto pelo Adversário, que lhe oferece as nações da terra:

Na ponta do precipício, no gume
do ar,  nos seus olhos Ele guardou
antes o azul do que os reinos
ao fundo do mundo.

       E assim sucedem-se, ao longo de todo este breve volume, as pequenas cápsulas de alumbramento, lances minimalistas de poesia não apenas cristã mas variada em sua temática, em suas cores, porém fulcralmente uma poesia imantada, que aponta de maneira indelével para o norte, para o Cordeiro.

       A boa poesia é como a alta culinária, onde a pequena porção concentra uma profusão de surpreendentes sabores, um buquê de amoráveis aromas que podem fascinar até no prato (e tema) mais prosaico. É assim a poesia de JTP: culinária d’alma, capaz de envolver, satisfazer e elevar os paladares mais exigentes e experimentados.

A todos os leitores, bon appetit!

Sammis Reachers, editor

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quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Nas docas, na cinza das horas, dentro da noite veloz


Nas docas, na cinza das horas, dentro da noite veloz

O trampo de hoje é aquele contrabando de armas israelenses,
o lance dos 100 mil, lembra?
Fuzis Galil e Tavor, pistolas-metralhadoras UZI,
pistolas Jericho
e um menorah de ouro puro para aquele pastor maluco
do Comando Vermelho. Tá rindo mas é sério, doido.
Tá aí no contêiner.
Depois penso que poderíamos ir à Lapa
ver umas meninas.
Quero retomar aquele assunto do Michel Onfray,
estou pensando em mudar o tema de minha tese.
Cara, ri pra cacete do que aquela professora te falou:
Jonas, você não é um homem, é uma licença poética.”
Gosto de pensar em você assim, meu amigo
um livre radical flutuando ou deambulando
no campo de paz das exceções. 
As exceções, essas insuficiências...

Mas vamos logo descarregar essas caixas. Tudo aqui fede a peixe podre. 
Ou vômito.Vômito de peixe, quem sabe.



Mathias Raws
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