terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

A Disciplina do Amor, um conto de Lygia Fagundes Telles



 Foi na França, durante a segunda grande guerra. Um jovem tinha um cachorro que todos os dias, pontualmente, ia esperá-lo voltar do trabalho. Postava-se na esquina, um pouco antes das seis da tarde. Assim que via o dono, ia correndo ao seu encontro e, na maior alegria, acompanhava-o com seu passinho saltitante de volta a casa. 

 A vila inteira já conhecia o cachorro e as pessoas que passavam faziam-lhe festinhas e ele correspondia, chegava a correr todo animado atrás dos mais íntimos para logo voltar atento ao seu posto e ali ficar sentado até o momento em que seu dono apontava lá longe. 

 Mas eu avisei que o tempo era de guerra, o jovem foi convocado. Pensa que o cachorro deixou de esperá-lo? Continuou a ir diariamente até a esquina, fixo o olhar ansioso naquele único ponto, a orelha em pé, atenta ao menor ruído que pudesse indicar a presença do dono bem-amado. Assim que anoitecia, ele voltava para casa e levava a sua vida normal de cachorro até chegar o dia seguinte. Então, disciplinadamente, como se tivesse um relógio preso à pata, voltava ao seu posto de espera. 

 O jovem morreu num bombardeio, mas no pequeno coração do cachorro não morreu a esperança. Quiseram prendê-lo, distraí-lo. Tudo em vão. Quando ia chegando aquela hora ele disparava para o compromisso assumido, todos os dias. Todos os dias. 

 Com o passar dos anos (a memória dos homens!) as pessoas foram se esquecendo do jovem soldado que não voltou. Casou-se a noiva com um primo. Os familiares voltaram-se para outros familiares. Os amigos, para outros amigos. Só o cachorro já velhíssimo (era jovem quando o jovem partiu) continuou a esperá-lo na sua esquina. As pessoas estranhavam, mas quem esse cachorro está esperando?... Uma tarde (era inverno) ele lá ficou, o focinho sempre voltado para “aquela” direção. 

in A disciplina do amor (1980, Nova Fronteira)


sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

Os Lírios de Kierkegaard, poema de Sammis Reachers



 Os Lírios de Kierkegaard


Tu, ex-refém da urgência competitiva

cujas células agora se esparramam sem controle

deserda os leitos e jardins cuidados e restritos

vai às flores do campo,

abandonadas na rusticidade,

virgens de mãos de jardineiro

 

Funda teu acampamento e observa-as,

a sol e chuva, a suportarem o tempo em cumplicidade

vá, citadino, até que a luz

tenha parto e teus olhos tenham cura,

e possas entender – a tempo, isso

que a todo tempo finda –

que elas têm um Jardineiro

feito de sempres e de serenidades

 

Entrega, enfim, teus dias em Suas mãos,

e furta irmandade às flores 

                                             e à eternidade


segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Retrospectiva Editorial 2023 - Tudo o que publicamos, e onde fomos publicados


Como fazemos anualmente desde, hum, 2012?, resumimos aqui todas as nossas publicações (livros, recursos etc.) e iniciativas do ano. É uma oportunidade para o leitor rememorar e/ou conhecer materiais e iniciativas que lhe podem ser úteis - afinal, a maioria dos recursos são gratuitos. Vamos, assim, à retrospectiva editorial 2023!



Em janeiro publiquei o livro Citações Missionárias. Fruto de ampla pesquisa, o livro, único no gênero em nossa língua, reúne mais de 2000 citações sobre 40 temas relacionados à missão cristã, acomodadas em mais de 270 páginas.

A tiragem inicial do livro já está esgotada. Mas espero em algum momento fazer não nova tiragem, mas uma nova edição, ampliada. Você pode ver mais sobre o livro AQUI.



Em maio lancei o Volume 2 do e-book Saindo da Zona de Conforto em 200 Frases. O volume 1 é, de meus pequenos e-books, o mais vendido na Amazon, e já era tempo de um segundo volume. Confira AQUI.



No mesmo maio, fiz minha estreia na plataforma de livros impressos Uiclap. E aproveitei para unir os dois volumes do Saindo da Zona de Conforto... num único livro. Você pode ver, e adquirir o seu (eu recomendo como presente) AQUI.



Em julho finalmente publiquei meu primeiro romance, A Ordem Luterana da Cruz Combatente. Finalmente pois a história nasceu em 2015, e desde então suportando esporádicos acréscimos, acertos e muita, muita gaveta, até finalmente vir à luz. 

O livro pode ser adquirido em formato e-book na Amazon, AQUI; e o impresso pode ser adquirido no site da editora UICLAP, AQUI, ou diretamente comigo (bem mais em conta).



Em agosto lançamos um e-book gratuito: As Mais Belas Citações Sobre a Gratidão. O e-book reúne 250 citações selecionadas sobre este tema poderoso para curar e ressignificar nossas vidas. Você pode baixar gratuitamente pelo Google Drive, clicando AQUI.

Há uma versão equivalente na Amazon (onde não é possível disponibilizar livros de graça, salvo por curtíssimo espaço de tempo). Você pode adquiri-lo, ou ler gratuitamente caso tenha a assinatura Kindle Unlimited, AQUI.



Em setembro foi a vez de O Livro e o Prazer da Leitura em 600 Citações, livro impresso e publicado na editora UICLAP. O livro é uma edição ampliada de O Livro e o Prazer da Leitura em 400 Citações, e-book que publicamos pela Amazon em 20xx. O livro, de 112 páginas, pode ser adquirido AQUI.



Em outubro veio a lume mais uma edição das Separatas a Esmo. Desta vez, uma pequena antologia de poemas sobre o livro e a leitura, no rastro da antologia acima, O Livro e o Prazer da Leitura... trazendo poemas presentes na obra, e outros mais. Você pode baixar o seu exemplar gratuitamente AQUI.



No mesmo outubro foi a vez da antologia de frases do filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard. O livro saiu em duas versões: Como e-book gratuito, reunindo (pouco mais de) 150 citações, e como e-book na Amazon, com 250 citações. Para baixar gratuitamente o primeiro, clique AQUI. Para adquirir a versão da Amazon, clique AQUI.



Em novembro, uma antiga antologia ganhou nova edição, ampliada e mais, versão impressa. Trata-se do livro/e-book 1000 Citações sobre Amor, Esperança e Fé.

Você pode baixar gratuitamente o seu exemplar AQUI.

E, caso queira adquirir a versão impressa do livro, está à venda no site da UICLAP, AQUI.



PUBLICAÇÃO AUTORAL (CONTOS, POEMAS, ARTIGOS ETC.)

Abaixo, a nossa produção autoral, na forma de poemas, contos, artigos e crônicas publicadas em revistas e antologias, a maioria premiada em concursos literários.



Em abril a Revista Sepé publicou cinco de meus poemas, AQUI.



Ainda em abril, meu conto Onório do Bairro Antonina foi selecionado no concurso Contos Fantásticos Niteroienses, da Vira-Tempo Editora. O concurso resultou na publicação de um livro em formato impresso e também digital.



Em junho, foi publicada a antologia decorrente do 1º Concurso Tilden Santiago de Ecologia e Política (ocorrido em 2022), no qual fui honrado com o segundo lugar na categoria Poesia.



Em agosto, o irregularissimamente temporodisposto fanzine Samizdat chegou a seu sexto número. O humílimo reúne alguns contos, poemas e até frases de minha autoria. Você pode baixar gratuitamente o seu exemplar AQUI.

Aproveitei para lançar um compilado com as seis edições do fanzine num único volume. Baixe AQUI.



Em outubro, esse vasto mês, marcamos presença na edição #15 da badalada revista Mystério Retrô, capitaneada por Tito Prates. O texto foi o conto Estranho Horror na Senzala da Fazenda Colubandê. Você pode adquirir a revista impressa AQUI.



Ainda em outubro, no dia 30 obtivemos o terceiro lugar na categoria crônica (nacional), no concurso Varal Literário, promovido pela Câmara de Vereadores de Divinópolis - MG. O texto premiado foi a crônica "Dia de Eleição" (você pode ler o texto AQUI).



Em novembro, o texto Cantiga das Crianças Fruteiras foi selecionado para integrar a Coletânea de Contos e Poemas Infantojuvenis da Editora Philia.



Já está acabando! Em dezembro foi lançada, pelo incansável e impagável Mané do Café, a tradicional & multifocal Folhinha Poética, edição 2024. Comparecemos nesta festa da literatura que é a Folhinha, com o poema Paz para praticar meu perenal ofício. Você pode baixar a sua AQUI.



Por fim, em dezembro participamos também da antologia de textos natalinos Natal, Nascimento de Jesus: E o Verbo Era Deus, organizada por um conterrâneo gonçalense, Carlos Henrique Barcellos Chuveirinho. Nossa inserção se deu através de um trecho de meu poema/projeto O Poema Sem Fim.


Tivemos também algumas lives durante o ano.

Em julho participei de uma live no programa Do Livro Não Me Livro, de Monique Machado. Falei sobre literatura e meus livros em geral, com destaque para o romance A Ordem Luterana da Cruz Combatente. Confira:



Em outubro participei da live dedicada aos autores presentes na Revista Mystério Retrô 15, de Tito Prates. Mas não sei se ou onde ela ficou gravada .



E no dia 01 de dezembro participei do programa Conversa de Missões, com Sylvia Maia, falando sobre a escrita como ferramenta de evangelização e mobilização missionária. Confira:



Ao longo do ano, publiquei alguns contos de variada temática como A Adaga de Kali (Segunda Guerra Mundial em Burma); The Arcade Fire, um conto em homenagem à era de ouro dos fliperamas com jogos de luta; Nonato, o Sociopata Ressocializador (conto de humor mordaz em forma de crônica).



Também publiquei diversas resenhas de jogos de videogame antigos em meu blog Azul Caudal, atividade - despretensiosa e agradável - que tomo como uma alegre higiene mental. Algumas dessas crônicas/resenhas foram também publicadas no site e/ou revista Muito Além dos Videogames, onde sou um dos redatores. Confira uma listagem dessas resenhas AQUI.


---  *  *  *  ---

Como sempre, encerramos nossa retrospectiva rogando por suas orações. Se você tem sido abençoado, edificado, instruído; se você tem se divertido e crescido através de nossos textos, livros e trabalho, lhe convido a orar por nós, para que o Senhor nos dê sabedoria, ânimo, inspiração do alto e paz para seguirmos servindo.

Para 2024, se o Senhor assim desejar, a igreja será honrada com novas antologias para sua edificação, e a mobilização missionária, em espacial, poderá contar com uma valiosa compilação de recursos.

Na produção autoral, não tenho previsões, mas caso o tempo colabore, devo publicar um novo volume de contos (o primeiro saiu no já distante 2015). E quem sabe um novo volume de poemas. Mas, se não vierem à luz, bem está, pois meu foco primordial é servir a igreja através das antologias, onde a voz de muitos pode ser condensada em benefício coletivo.

A Deus seja dada toda a glória!


domingo, 14 de janeiro de 2024

No que sou, o que sou? Um metapoema

 


No que sou, o que sou?

 

Escrevo éclogas,

disparates feitos

do mijo dos anjos

 

Pássaro, devoro morcegos

sempre à noite,

quando são mais fortes

 

Crio palavras, exempli gratia:

Adjistâncias:

distâncias adjuntas, circumciclovalentes

 

Selado fui fora do cofre:

Outros homens existem,

eu prolifero

 

Narrador que desnarra,

Cacos de chão e céu estou

No que sou;

                     e o que sou?


Sammis Reachers


quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

True colors, poema de Sammis Reachers

 


True colors

 

Dizia seus dias por demais azuliguais:

Ela queria coisas verdesplêndidas,

rosardentes, vermelhorgíacas!

 

Dia veio em que beijou

Os três guris, cada qual da cor dum pai

E amarelescapou-se:

Laranjandou até o fim do arco-íris.

 

Deu-se aos doendes, musa aquarelada

Mas seu pote d’ouro era desdita:

Ferida foi duma brancopatia

– A cocaína e seu carrossel furta-cor –

E sozinha finou na cinzestagnação do pó,

Corconsumação que audaz buscava.


sábado, 16 de dezembro de 2023

O céu, o inferno e a amizade - Um texto de sabedoria

 


Um homem, seu cavalo e seu cão, caminhavam por uma estrada. Depois de muito caminhar, esse homem se deu conta de que ele, seu cavalo e seu cão haviam morrido num acidente.   

Às vezes os mortos levam tempo para se dar conta de sua nova condição. A caminhada era muito longa, morro acima, o sol era forte e eles ficaram suados e com muita sede. Precisavam desesperadamente de água.

 

Numa curva do caminho, avistaram um portão todo magnífico, todo de mármore, que conduzia a uma praça calçada com blocos de ouro, no centro da qual havia uma fonte de onde jorrava água cristalina.

 

O caminhante dirigiu-se ao homem que numa guarita, guardava a entrada.

 

- Bom dia, ele disse.

 

- Bom dia, respondeu o homem.

 

- Que lugar é este, tão lindo?, ele perguntou.

 

- Isto aqui é o céu, foi a resposta.

 

- Que bom que nós chegamos ao céu, estamos com muita sede, disse o homem.

 

- O senhor pode entrar e beber água à vontade, disse o guarda, indicando-lhe a fonte.

 

- Meu cavalo e meu cachorro também estão com sede.

 

- Lamento muito, disse o guarda. Aqui não se permite a entrada de animais.

 

O homem ficou muito desapontado porque sua sede era grande. Mas ele não beberia, deixando seus amigos com sede. Assim, prosseguiu seu caminho.

 

Depois de muito caminharem morro acima, com sede e cansaço multiplicados, ele chegou a um sítio, cuja entrada era marcada por uma porteira velha semi-aberta.

 

A porteira se abria para um caminho de terra, com árvores dos dois lados que lhe faziam sombra. À sombra de uma das árvores, um homem estava deitado, cabeça coberta com um chapéu, parecia que estava dormindo:

 

- Bom dia, disse o caminhante.

 

- Bom dia, disse o homem.

 

- Estamos com muita sede, eu, meu cavalo e meu cachorro.

 

- Há uma fonte naquelas pedras, disse o homem e indicando o lugar. Podem beber a vontade.

 

O homem, o cavalo e o cachorro foram até a fonte e mataram a sede.

 

- Muito obrigado, ele disse ao sair.

 

- Voltem quando quiserem, respondeu o homem.

 

- A propósito, disse o caminhante, qual é o nome deste lugar?

 

- Céu, respondeu o homem.

 

- Céu? Mas o homem na guarita ao lado do portão de mármore disse que lá era o céu!

 

- Aquilo não é o céu, aquilo é o inferno.

 

O caminhante ficou perplexo.

 

- Mas então, disse ele, essa informação falsa deve causar grandes confusões.

 

- De forma alguma, respondeu o homem. Na verdade, eles nos fazem um grande favor. Porque lá ficam aqueles que são capazes de abandonar até seus melhores amigos.


Autor desconhecido



sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

ALMAS PERFUMADAS, um texto de Ana Jácomo

 


Tem gente que tem cheiro de passarinho quando canta. De sol quando acorda. De flor quando ri. Ao lado delas, a gente se sente no balanço de uma rede que dança gostoso numa tarde grande, sem relógio e sem agenda. Ao lado delas, a gente se sente comendo pipoca na praça. Lambuzando o queixo de sorvete. Melando os dedos com algodão-doce da cor mais doce que tem pra escolher. O tempo é outro. E a vida fica com a cara que ela tem de verdade, mas que a gente desaprende de ver.

Tem gente que tem cheiro de colo de Deus. De banho de mar quando a água é quente e o céu é azul. Ao lado delas, a gente sabe que os anjos existem e que alguns são invisíveis. Ao lado delas, a gente se sente chegando em casa e trocando o salto pelo chinelo. Sonhando a maior tolice do mundo com o gozo de quem não liga pra isso. Ao lado delas, pode ser abril, mas parece manhã de Natal do tempo em que a gente acordava e encontrava o presente do Papai Noel.

Tem gente que tem cheiro das estrelas que Deus acendeu no céu e daquelas que conseguimos acender na Terra. Ao lado delas, a gente não acha que o amor é possível, a gente tem certeza. Ao lado delas, a gente se sente visitando um lugar feito de alegria. Recebendo um buquê de carinhos. Abraçando um filhote de urso panda. Tocando com os olhos os olhos da paz. Ao lado delas, saboreamos a delícia do toque suave que sua presença sopra no nosso coração.

Tem gente que tem cheiro de cafuné sem pressa. Do brinquedo que a gente não largava. Do acalanto que o silêncio canta. De passeio no jardim. Ao lado delas, a gente percebe que a sensualidade é um perfume que vem de dentro e que a atração que realmente nos move não passa só pelo corpo. Corre em outras veias. Pulsa em outro lugar. Ao lado delas, a gente lembra que no instante em que rimos Deus está dançando conosco de rostinho colado. E a gente ri grande que nem menino arteiro.

Ana Cláudia Saldanha Jácomo

http://anajacomo.blogspot.com


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