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quarta-feira, 23 de julho de 2025

Ser homem é considerar a maciez de toda carne humana, mas isso não se confessa - Sammis Reachers

 


Foi numa sexta-feira carregada.

Do outro lado da porta giratória girei e estaquei,

Fuças langues no vidro temperado, dando uma boa manjada

No guarda daquele banco que me negou o consignado.

Bati um pouco de boca lá com o gerente, tudo bem,

Cliente há doze anos!, O guarda me pegou

E conduziu para fora, embalado nos trapos da truculência.

Balouçando sob uma mangueira imaginária (praça de meus dias ruins),

De sólido abismo abaixo, olhei aquele meu próximo

Com os olhos de Caim, e pequei. Pequei

Ao aventar uma minha antiga imaginação ou tirocínio,

Fetiche com que diminuo os homens até o ponto de equilíbrio.

 

Aquele guarda sangra. Quase tão bem quanto o gerente, ou dá empate. São homens, afinal. E no início também. Não que eu vá fazer nada, que quando o medo não me impede a fé me manieta. E minha mãe me pariu pra civil, e educou com esmero de matuta mineira.

Mas eles têm toda a cara, aquela cara bolachuda, de que sangram.

 

Os oito marginais que tomaram teu bairro

(Tudo bem, sempre foi deles, estavam por aí,

Potências negativas na bolsa escrotal de seus pais, moradores de bem)

Trastes que vão do miliciano ao traficante

Passando pelo sociólogo e o ladrão de bicicletas

Todos sangram.

 

Donald Trump, os ninjas, o carteiro e o Papa Francisco, coitado, prestes a morrer

Sangram sangram sangram e sangram, dançarinos vermelhos,

Carnes doces feito a minha e a tua, essas esponjas-de-furar.

 

O grande professor de jiu-jitsu de teu filho (o herói dele não é você?)

O policial marrudo teu vizinho de carros alemães na garagem armas austríacas no armário

As gordas faladoras ou anoxéricas botoxicômanas que armam

Barraco no ônibus Caxias-Central ou no voo da Emirates

Elas e os demais eleitores que confiam na sorte, no gênero, na dura e etérea (mas exangue) lei

Sangram, santas, safadas, safades

Rubras como o cara mais valente na pancadaria

Que já vi, num baile funk em 1997 onde entrei de penetra,

Passarinho aloprado por morcegos:

Ele abriu uma clareira no meio de oito, e lhes ensinou

Lá uma boa lição. Oito. Mas ele sangrava, e ele sangrou.

 

Saio pelas ruas contentado-emporcalhado nesta sombria certeza, olhando dissimulado nos olhos do ditador, do ministro, do ladrão, do fiscal de posturas e até, quando ele não está olhando de volta, do miliciano e suposto assassino serial que é segurança lá na padaria do Jofre, e que passa os dias sentado, bebericando café e encarando os homens com um baita de um olhar mortiço:

Todos sangram, e sem cura. Todos têm uma carne macia

Da tessitura exata da minha.

Sei que sou uma besta palraz, mas esse tipo de pensamento

Tem dias meio que me desembesta, me alavanca.

Também me causa aos domingos engulhos, vergonha desse meu pecado grosseiro,

Ou um enjoo adocicado, déjà vu do que nunca vi

(Podridão que meus genes regurgitam?),

Quando adentro o açougue do Mauro

Eu precisava contar isso no papel, e me livrar de alguns quilos de sua cangalha, jogá-la um pouco em outras costas feito a tua, meu virtuoso leitor. Compartilhar miséria é terapia, e eu só tenho dinheiro pra papel. E no fundo no fundo, abaixo do tapete das ações e reações e das cláusulas do contrato social, todos sabemos de nossa blandícia.

 

Viva em paz, mas saiba que toda guerra

É feita por gente macia.

Gente macia

É a única gente que existe.

*   *   *   *

Do livro Primeiressências (2025). 

Disponível para download gratuito, AQUI.


domingo, 15 de junho de 2025

Eles nunca subiram em árvores (crônica) - Sammis Reachers

 

Eles não sobem em árvores. Bom, nem nós. Mas neles é pior, o baú da memória está nu: eles nunca subiram. Não há essa função em seus smartphones, ou app dedicado no play store. Nem game de escalada em árvores temos, embora haja até game que simule fábrica de cupcakes.

Cresci numa área periférica, miscigenada entre o puramente rural e o deficitariamente urbano. A árvore era uma amiga e uma certeza de qualquer ponto da paisagem.

Subir em árvores era manobra natural, filha primogênita da peraltice que fere toda criança. Claro, havia o subir por puro lazer, esportivo, e havia o utilitário: a coleta de frutas, ou desemaranhar uma pipa agarrada. Mangueiras, goiabeiras, jaqueiras, jambeiros e cajazeiros, e o que mais Deus propusesse de frutas nativas ou exóticas (exótica é a que veio de fora de nossa pátria, e Deus, ah, é um imenso proponente). Havia hierarquia arbórea: Dividíamos as árvores em fáceis, médias, difíceis e impossíveis de subir. Mas, as impossíveis tinham lá seus Quixotes: os moleques especializados em escalada arborescente. Aqui tínhamos quem subisse até em coqueiros e palmeiras, como a macaúba, cujo coquinho-catarro era iguaria bem disseminada e apreciada na região. No mais, o instinto gregário e de divisão laboral prevalecia: Eu, mau escalador, quantas vezes ficava no solo, só aparando as frutas que os hábeis lançavam lá de riba? Duma vez que quase morri aparando tentando aparar jacas (!) dá uma crônica daquelas hilárias. Outra hora.

Há pouco mais de uma década, fazendo uma caminhada com meus sobrinhos de então uns 13 e 10 anos, respectivamente, indaguei sobre o tema. Embora criados na mesma região que eu, o peso geracional carregou a mão sobre os moleques, e eles nunca haviam subido em sequer uma árvore na vida. Havia um pequeno pé de jamelão no caminho (caminhávamos d Tribobó a Maria Paula), e, ao incentivá-los, percebi a verdade do relatado, na imperícia desconcertante dos moleques.

Outro dia vi um texto desses que circulam em grupos de Zap ou páginas de coroas do Facebook, que despejava uma verdade no leitor: Você não vê mais crianças com gesso. How, espere aí: Isso é bom, isso é ótimo. Certo? E isso é bastante ruim. Gesso remedia fraturas, fraturas demandam tombos, tombos demandam movimento, risco. Vivência fora da(s) ilha(s) de conforto e eletrotecnia.

Posso subir sobre uma de minhas árvores diletas, sempre ele, o pé de jamelão, e apregoar sobre a necessidade urgente de reconectar nossas crianças com a natureza crua (leia-se: não mediada), mas isso é chover no molhado.

E como subir numa árvore que não existe? A suburbana cultura da árvore no quintal deixou de existir, substituída por funcional concreto, palmeiras e coqueiros interditados à escalada, a piscina ou a área de churrasqueira – vendida pelas empreiteiras de forma padronizada, pouco importa se o cliente aprecie – ou vá fazer uso – da tal churrasqueira. As empreiteiras vendem suas casas conjugadas/geminadas dentro do padrão de máxima utilitariedade e mínima espacialidade. Tal cultura não-arborizada meio que se espalhou pela mentalidade geral, nos subúrbios de algumas de nossas principais cidades e metrópoles. Você pode andar por lugares como o distrito maricasense de Itaipuaçu, com casas instaladas em terrenos de tamanho regular, numa configuração ideal para suportar de um ipê a uma mangueira, passando por toda a inumerável família de árvores e arbustos menores. Mas é possível caminhar por quarteirões sem ver quase copa alguma. Somente telhados coloniais e concreto. Quintais perfeitamente mortos – e funcionais. A Terra paga o preço, e o homem. E as crianças.

Há toda essa coisa das gerações e suas peculiaridades. Baby Boomers, Z, X, Alpha etc. Por sinal, neste 2025 nasce justamente uma nova: a geração Beta. Sim, delimitações úteis – mas até certo ponto: isso tem muito de simples presepada (ah, você já imaginava, hum?), muita coisa conceituada a nível “beta” (provisório/experimental). Assim como – fruto, reflexo? – as incansáveis delimitações e segmentações de problemas mentais que pululam e fazem explodir de páginas os manuais de psiquiatria, e de grana os editores, psicólogos e expedidores-de-laudos em geral. Saiu uma nova atualização há pouco, também.

Voltemos ao tema, vamos de uma polêmica por vez. Precisamos de árvores e de trepadores.

A internet trouxe luz, com perfis de amantes de árvores e frutas, nativas ou exóticas, que trocam informações e vendem mudas, via SEDEX, para todo o Brasil. Sim, quase toda fruta que você (não) conhece pode ser adquirida em muda, chegando embalada no seu portão. Outro dia vi um colecionador brasileiro de frutas (bem, para brincar disso você precisa ter um sítio ou fazenda) que foi à Indonésia em busca de conhecer novas espécies (sul e o sudeste asiático são um dos hotspots fruteiros da Terra). Há empresas como a Safari Garden (@safarigardenplantas) e a Colecionando Frutas (https://www.colecionandofrutas.com.br/), que vendem fruteiras sortidas pelo correio. E há perfis como o do botânico e paisagista Ricardo Cardim (@ricardo_cardim), atualmente badalado, e que ensina, em curtos vídeos no Instagram ou Tik Tok, noções de arborização, paisagismo e botânica aplicada aos temas citados.

Iniciativas fundamentais para resgatarmos a cultura da árvore, e isso, os manuais não vão lhe ensinar, passa pelo moleque e pela moleca, pela construção, neles, da familiaridade que demanda experiências. Leve-os ao parque da cidade, àquele sítio que cobra por diária. Uma trilha, uma caminhada na mata. A árvore na pracinha.

No mais, é restituir o que o progresso dinamitou, a árvore ou arbusto em seu quintal, na calçada, no terreno baldio em frente. Compre. Plante. Eles entregam embalado, em seu portão. Muitas prefeituras distribuem mudas gratuitamente.

Como escrevi num poema, as árvores são “playgrounds patamarizados”. Mas eles, os alfas e betas, precisam descobrir, transitar entre os patamares, arriscar o tombo. E ela, a árvore, precisa ser re-introduzida na sociedade, em seus solos e convívios, feito um parente que passou tempo demais no exílio. Fazer as pazes conosco e ser apresentada a nossos rebentos.

Estou pensando em inaugurar uma “oficina de escalada de árvores”. A cada quinzena, numa APA ou Horto Botânico. Para horror de algumas mães e avós, médicos e autoridades. Bem, é preciso empreender e isso acontece – e prospera – no solo do risco.

Falando em risco, este sim protuberante, o geoterror climático, assevera: É urgente nos reconciliarmos com as árvores, e salvar o(s) que pudermos.

 

Sammis Reachers


sábado, 24 de maio de 2025

PRIMEIRESSÊNCIAS, novo livro de poemas de Sammis Reachers (download gratuito)

 

O verso força e aplaina seu caminho, escolhe seu momento, gerencia seu parto. Se nunca disseram, vai aqui: um poema não precisa de ninguém, malgrado a vaidade passional de seus fantoches. Bem, pelo menos desta espécie são os versos que formam este Primeiressências.

Meu livro anterior, Cartas e Retornos, nasceu num momento convulso, em pandemia, mas seguindo um projeto editorial de certa forma linear, fincado a eixos temáticos que lhe direcionaram ou estabilizaram o voo, sem limitá-lo, facultando até um maior alcance.

Primeiressências é como uma feira de domingo, com bananas e morangos, grãos e temperos, miúdos de porco e roupas de crochê.

Dividi a obra em certas seções: O Ofício e a Meta, com metapoemas e versos sobre a condição de estar poeta ou escriba, essa miséria luminosa; Primeiressências, a feirinha de totens e sintagmas; Menino, com versos de maior nostalgia ou biografados; A Missão, com poemas iluminados pela alegria de Cristo; Do Amor, com textos espontâneos sobre ele, seguindo uma linha iniciada em meu livro Poemas de Amor em Trânsito. Por fim, Experiessências, com alguns poemas visuais e pseudo-concretos.

No mais, este é só mais um livro de poemas, que podem cuidar de si mesmos.

O livro está disponível em formato eletrônico (e-book em pdf, gratuito) e impresso.


PARA BAIXAR GRATUITAMENTE O E-BOOK PELO GOOGLE DRIVE, CLIQUE AQUI.


O livro impresso (formato 14 x 21cm, 142 páginas) está disponível diretamente comigo, ao preço de 30 reais, já com o valor do frete incluído. Escreva para meu e-mail ( sreachers@gmail.com) , ou entre em contato pelas redes sociais.







domingo, 18 de maio de 2025

Poemas cristãos missionários: Sammis Reachers lança antologia pessoal

 

Este pequenino volume reúne aqueles de meus poemas imbuídos de uma mensagem especial (ou essencial?), uma celebração do espírito missionário/missional, que julgo ser o ânimo (alma) a mover o corpo dito Igreja. Foram publicados ao longo de quase vinte anos, em alguns de meus livros e e-books.

Agregadas aqui estão também algumas frases imbuídas do mesmo espírito, publicadas no livro Sabenças e Sentenças da Missão, ou inéditas em livro.

Que a provocatividade destes versos e frases possa servir de inspiração devocional e missional para sua vida. Eles expressam, de forma inocente ou arguta, lírica ou quase rude, que não há causa maior nem urgência mais premente do que cumprirmos a Grande Comissão.

Para baixar o e-book (formato PDF) pelo Google Drive, CLIQUE AQUI.


domingo, 20 de abril de 2025

Da borda, um poema de Sammis Reachers

 


Da borda

 

O sol nasce e seus corcéis.

 

Os dias explodem, fragatas sem pavio

sou sucessivamente sammis, ossos de crochê

muralhas sem borda,

quilha que desnorteia

a nau dum norte súbito

 

um capotado um flaneur um aluado falso autista

recarregando as energias negativas

para um meltdown

contra toda a positividade tóxica

ou um shutdown que gere

ao menos um bom poema

 

O que me esgota não tem nome

mas é o que nega flores à primavera

 

Comi um livro novo, indigeri seus albores

de açúcares engenhados

evadi-me inescapável por intra Mongólias

equatotiais, Aconcáguas de chão

fustiguei a chibata dos séculos, e a espada

amendoou-se até granada:

não poderia meu estupor (leitwort, leitmotiv) malhar-se até canção?

 

Olho nos olhos ruivos, rolhos uivos, uilhos lhovos

olhos ruivos crucificados no intróito,

na soleira da causa

 

Meu coração interdiz a meu cérebro:

acalma, mulato

e agradeça a Deus a luz não ser pedras,

chocando-se contra tudo.

 

 Sammis Reachers


sábado, 15 de março de 2025

FLIPERAMIGOS - Resenhas e Crônicas Retrogamers de Sammis Reachers reunidas em e-book GRATUITO


Um passeio pitoresco e bem humorado pelo universo dos fliperamas e videogames das décadas de oitenta e noventa.

 

Nascido em 1978, minha infância e adolescência transcorreram nas décadas de 80 e 90. Na adolescência eu tinha duas grandes paixões, ou mais que isso, mas essas duas eram as mais regulares e onerosas: quadrinhos e jogos eletrônicos.  Passei pela clássica segunda geração dos consoles caseiros, mas vivi realmente as terceira, quarta, quinta e sexta gerações dos videogames. Além de ter experienciado toda a vibe dos fliperamas, verdadeiros "templos" onde eu depositava meu tempo e suadas fichas.

A partir de 2020, com a eclosão da pandemia de Covid e seu lockdown, o tempo “ocioso” de quase todos, para o bem e para o mal, foi catapultado para muito adiante. Assim, pude dedicar um tempo maior à jogatina nos emuladores, o que fazia, até ali, apenas muito esporadicamente. Comecei então um movimento natural de escrever  resenhas e análises de jogos por pura diversão e higiene mental, uma fuga ou descanso das atividades editoriais e literárias mais "sisudas" a que geralmente me dedico. A inspiração veio de meu amigo Luiz Miguel Gianeli e seu projeto Muito Além dos Videogames que, além dos livros editados, hoje mantém uma revista (onde colaboro).

O resultado desta literatura (retro)gamer está aqui, neste amplo compilado de textos – algumas crônicas e muitas resenhas, abarcando mais de 120 jogos – escritos de 2019 a 2025. E o livro ainda carrega poemas e um conto dentro da temática dos fliperamas.

É de graça. Leia e compartilhe!


PARA BAIXAR O E-BOOK PELO SITE GOOGLE DRIVE, CLIQUE AQUI.


domingo, 16 de fevereiro de 2025

Sammis Reachers: Deambulações urbanas num domingo carioca

 


São dezessete horas de um domingo de primavera. Cumprindo uma missão agora há pouco na UERJ do Maracanã, aquele monstro de concreto, ao sair me deparei com os vazios e desertos de uma cidade grande aos domingos de tarde. Foi instantâneo: me recordei de quando era rodoviário e solteiro e, ao trabalhar nos domingos, por vezes ao largar daquele trampo feito de sacolejar e de pessoas, saía sozinho pelos vazios urbanos de Niterói ou Rio, desarvorada, desavisada e destemidamente. Sem destino ou maiores objetivos. Que solidão especial, trotando lotada de melancolia e levando na carroça sua refém apaixonada-pois-adoentada da Síndrome de Estocolmo, a poesia... Sim, muitos poemas nasceram nessas andanças. Não, nunca fui assaltado ou indagado. Deus e minha cara de cana (e minha decana bolsa atravessada nas costas) talvez tenham me guardado.

Outro detalhe que me traz reflexão é que a melancolia de andar numa mata, campo ou descampado deserto é diferente da de andar num deserto urbano. Cada qual tem sua docilidade, mas o campo fala de sentimentos atávicos, instintivos ou transcendentes do que é puramente humano; já a urbe possui uma "linha de ansiedade" (é o melhor termo que pude) toda própria, o humano se celebra e exaure em seus próprios maquinários concretos e simbólicos, num jogo de topofilia/topofobia que nos faz querer continuar o jogo do ver e do rever, do estar e do deixar de estar, enquanto somos acolhidos/moídos pelo espaço que incessantemente nos ressignifica enquanto o ressignificamos. Jogo por sinal tão caro à corrente da Geografia que me apraz, a Geografia Humanista ou Fenomenológica.

Divagações livres, mas as deambulações (deambular é justamente andar à toa) hoje interditadas a um homem casado.

Bem, melhor assim.

Sammis Reachers

24/11/24


domingo, 26 de janeiro de 2025

A Marcha do C@nsaço ou O Movimento dos Macetados (2028)

 


Ao defrontar o amontoado de gentes naquela Copacabana espavorida, a atenção era roubada de chofre pela faixa que encabeçava a passeata, faixa segurada pelo DJ Grillozzilla e pela multisexuada instatriz, DandaXXXara: “Dize a tua palavra e segue o teu caminho. E deixa que a roam até o osso”, creditada na faixa ao filósofo espanhol Ortega y Gasset. Na verdade, a frase é de Unamuno, o Miguel, outro filósofo espanhol. Equívoco que, sem infundir demérito, meio que chancelava e vestia os revoltosos.

Chamaram seu movimento simplesmente de A Marcha do C@nsaço ou, termo adotado pelos opressores midiáticos, O Movimento dos Macetados (“?”), e ele assim há de entrar para a história. O motim, que contou com ampla anunciação midiática (que outra?), encaçapou todo tipo de guapo, duma barafunda de díspares pensares, digno deste fim de Pós-modernidade e início de Idade Índigo.

A ideia central, o eixo da grande hélice que uniu pessoas, roedores e contestadores de várias gerações, é o cansaço em relação à torrente de informação disponível por cada vez mais meios, gadgets e cibertranqueiras.

A um filósofo marroquino, Farkour Bibi, anjo decolonial que escreve em perfeito francês, coube o papel de teórico involuntário do novo movimento, ao propor, em seu filosófico Imanifesto Logofrênico, cujo estilo de pacata ou delicada insubmissão lembra o de Thoureau, um alheamento proposital em relação à toda forma de informação mediada, seja essa mediação realizada por livros, internet etc. E da aceitação apenas do que “o outro”, o ao lado, o vizinho, a mãe, o companheiro proletário, o “usuário de uma mesma territorialidade”, pode ensinar, “olho-no-olho”, o autor avança para a celebração da ignorância, o “prazer de não saber”. A celebração anti-socrática radical, a ignorância como construto positivo.

A música-tema do grupo ou levante foi a inescapável Silício Silenciado (do último álbum de Caetano Veloso, Teimosa Poesia, de 2027). O bumba-que-bumba martelava os ares, marcando o ritmo do pisoteio.

Sim, voltemos aos fatos. Os marchadores, iniciando seu trotar pela Avenida Atlântica, estabeleceram uma inovação significativa: A marcha foi realizada com as pessoas andando para trás, ou de costas. Para evitar tombos entre os pouco afeitos a tal avanço inatural, foram cedidas bengalas de acrílico para apoiar os cansados do saber tão fácil.

Um grupo de festin’lésbicas, oriundas de uma pequena facção (das 82) PCdeBista celebrou outra manobra de catarse, efetuando o despir de suas roupas, uma peça a cada cem passos dados por cada uma de suas membras, membras empoderadas e desmembradas de seu movimento – e agora enxertadas, feito próteses, naquele contra-zeitgeist informacional.

Nas proximidades do Forte de Copacabana, limite entre a Av. Atlântica e a Rua Francisco Otaviano, a primeira culminância: fizeram aquilo o inevitável, qual seja, a QUEIMA DE LIVROS. E no entorno da grande fogueira logolibertária, grupos esparsos realizavam o já tradicional gadcrash: a quebra de gadgets, de smartphones a óculos de realidade aumentada, de Nintendos NeoSwitch a prosaicos Vibradores Poéticos, as maquininhas de consolar inconsoláveis que, além do usual ofício, recitam poemas em oitocentas línguas, ponta-de-lança das exportações cambojanas.

O avanço seguiu para o bairro lindeiro de Ipanema, em que a alegoria final seria encenada: a invasão do data center do Google situado na Rua Farme de Amoedo, e a destruição dos mainframes e servidores que, dali, garantiam o acesso ao virtual a quase todo o país. Na porta, novo pandemônio: um dos muitos movimentos que acompanhavam a marcha, o controverso coletivo Afrobrancos, composto de brancos que se reconhecem e se exigem como africanos d’alma, foi alvo de laranjadas e ovadas de alguns dos manifestantes, ojerizados pelas propostas e ideias do grupo, tido por desconstrucionista e diluidor das pautas de direito dos que têm seu lugar de fala.

No entrevero, uma malta inesperada assumiu a proa do debate sobre o tal estreito e mítico lugar de fala, e em defesa dos afrobrancos (alguns dos quais eram seus pais, afinal): um grupo de therians, os humanos que se afirmam pertencer a outra espécie, neste caso cachorros, marchando e debatendo de quatro, desferiu um motim-no-motim ao afirmar que as ruas eram prioritariamente o seu lugar de fala – e as urinadas nos postes o confirmariam – transe ou transporte de um conceito do metafórico para o concreto que desnorteou alguns teóricos que marchavam no evento – um deles, renomado reitor da PUC que, ainda fedendo a livro queimado, viu ali o nascimento em tema de seu mais novo livro.

Nesse pandemônio, prestes a arrombar as portas da infofortaleza globalista, os já cansados revoltosos tombaram sarrados & surrados por grossos jatos d’água gelada & apimentada, emanados de veículos automáticos. Eram drones blindados do conglomerado BYD-Tesla-Carbon a serviço do grande infocapital, providencialmente enviados pela governadora do Estado. Enxarcada e debelada, a multidão, senhora de algumas razões e diversos equívocos, dispersou-se, cada qual encapsulado de volta à sua micro, nanorevolta, tentando recordar o caminho de casa ou sua necessidade.

Sammis Reachers

Publicado originalmente na Revista Bulunga 37 (jan/2025).

 

segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Retrospectiva Editorial 2024 - Sammis Reachers

 

 Como já é tradicional, há mais de uma década realizamos nossa retrospectiva "editorial" do ano, listando e rememorando tudo o que publicamos, e também onde fomos, enquanto autor, publicados.


Este foi um ano de menos publicações, ao menos se comparado com anos anteriores. Isso decorre de muitos motivos, mas o maior deles foi a publicação de um livro que vale por cinco: A imensa antologia Almanaque do Mobilizador Missionário, obra em que já vinha trabalhando há mais de ano, e que, em suas 1.100 páginas, reúne poemas, peças teatrais, ilustrações, dinâmicas e esboços de sermão sobre temas afeitos à obra missionária. O livro foi publicado no mês de julho. Um trabalho desta magnitude, a maior antologia dentre as quase cinquenta que já publiquei, realmente consome tempo, mente e alma de um cabra, além de alguma bufunfa ($$$), rs. Mas não se preocupe, ela é GRATUITA, para você ler, usar e compartilhar (faça isso!).

Baixe gratuitamente o seu Almanaque CLICANDO AQUI.


Outro motivo da "pequena" produção foi certamente minha dedicação à reta final de minha graduação em Biblioteconomia. Sim, agora seu editor, além de professor de Geografia e História, é também um bibliotecário! Um sonho antigo, ou fetiche de adolescente, agora realizado, pela misericórdia do bom Deus. 


O primeiro e-book/antologia do ano (saiu em março) foi O Aborto em Frases, Poemas e Reflexões, onde coligimos textos diversos sobre este tema, motivados tanto pela sua urgência e gravidade, quanto por percebermos uma lacuna editorial. 

O livro pode ser baixado gratuitamente pelo Google Drive, CLICANDO AQUI.


Em junho voltou à vida a Revista AMPLITUDE - Revista Cristã de Literatura e Artes, nascida em 2015. Em hiato desde 2019, a revista chegou ao seu quarto número, com 50 páginas dedicadas à arte cristã. Agora com ISSN e, esperamos, periodicidade (semestral) regular! Baixe gratuitamente o quarto número da revista, CLICANDO AQUI.


Em novembro, finalmente publiquei meu segundo volume de contos, Fabulário Índigo ( o primeiro, O Pequeno Livro dos Mortos, data de 2015). Reunindo contos escritos desde então, geralmente publicados em sites e blogs, alguns premiados em concursos e acolhidos em revistas literárias. São 204 páginas que congregam 31 contos. O livro, impresso em pequena tiragem, pode ser adquirido na modalidade impressa diretamente comigo (escreva para meu e-mail, sreachers@gmail.com). A versão em e-book pode ser adquirida na Amazon, AQUI.


Em 2018 havia publicado o e-book Poesia em 500 Citações, uma obra única em nossa língua, reunindo definições e reflexões de dezenas de autores sobre quatro temas ou eixos: A Poesia, o Poema, o Poeta e o Fazer Poético. Pois agora ampliei a edição, acrescentando outras 500 frases. Esta nova edição ampliada está disponível em versão impressa e eletrônica.

Caso você queira adquirir a versão impressa, a mesma está disponível no site da editora Uiclap, que imprime livros sob demanda. Veja AQUI.

E, se prefere o e-book, ele está na Amazon, AQUI.



Em dezembro saiu o doce As Mais Belas Frases de Natal, e-book gratuito reunindo (pouco mais de) 150 citações sobre esta data capital, e cujo sentido tem sido esvaziado ou deturpado à grande velocidade. Um e-book para ler e compartilhar.

Baixe o seu exemplar clicando AQUI.


Em abril o nosso fanzine, o depauperado Samizdat, ganhou uma nova edição, essa especial, dedicada à metapoesia. Você pode baixar o arquivo AQUI.


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Quanto à minha produção autoral, este ano foi humílima, se resumindo a um punhado de poemas, umas duas crônicas e dois contos (produção menor que em anos recentes).

Ainda assim, em agosto obtive o segundo lugar nacional no prestigioso Concurso Paulo Setúbal de Literatura, promovido pela Prefeitura de Tatuí/SP, com o poema O Poeta, esse figura da linguagem. Com direito a troféu, diploma e uma providencial quantia em dinheiro. 

O mesmo poema obteve menção honrosa no 47º Concurso Literário Felippe D’Oliveira, este iniciativa da Prefeitura de Santa Maria/RS. Confira AQUI.

Assista ao vídeo da premiação e dramatização do poema, no Concurso Paulo Setúbal: 


E em 20 de dezembro, obtive o 4º lugar no 3º Concurso Literário Emídio de Souza, promovido pela Biblioteca Municipal Paulo Bonfim / Prefeitura de Itanhaém/SP, com o poema Ode à Biblioteca.


REVISTAS


Em setembro, passei a integrar o corpo de colaboradores da Revista Bulunga, tendo algumas de minhas crônicas e contos publicados na revista que une humor, literatura e atualidades. Editada por Michel Salomão, Bulunga conta em seus quadros com o escritor e poeta Jorge F. Isah, amigo de anos deste que vos escreve. A periodicidade da revista é mensal. Acesse o site e leia gratuitamente as edições de Bulunga: https://bulunga.com/


E falando em revistas, em outubro tivemos o nascimento da ótima revista De Higgs, focada em ficção científica e fantasia cristãs, e editada por Eduardo Nishitani e João Moreira. Neste primeiro número, tive a honra de comparecer como autor convidado, com um poema e trecho de meu romance, além de uma entrevista. Baixe a sua AQUI.


Estive presente também na Revista Muito Além dos Videogames, que objetiva falar do universo dos jogos eletrônicos sob uma perspectiva cristã (sem necessariamente ser maçante ou proselitista), onde colaboro como articulista e revisor.

Contribuí com resenha/artigo nas edições normais da revista, a #11, falando sobre os jogos dos G. I. Joe para NES, e a #12, com uma análise do game Hook, para arcades.


Por sinal, no tocante justamente a este meu passatempo de resenhar jogos antigos (há quem goste de pescar, mas eu infelizmente não suporto), alguns textos vieram à luz neste ano. Confira uma retrospectiva dos textos retrogamers publicados em meu blog de desocupações, o Azul Caudal, CLICANDO AQUI.


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O que 2025 nos reserva? Se o Senhor assim permitir, decerto teremos, já em janeiro, um novo número da Revista Amplitude.

Também, logo em inícios do ano, pretendo publicar um novo volume de poemas. Meu último livro poético foi o Cartas e Retornos, lá em 2021.

No tocante a antologias, sejam de interesse cristão ou "geral", há algumas em projeto, mas nada de vulto. E isso é bastante salutar: Compreendo que muito do devido, conforme percebi as necessidades temáticas, já foi suprido, realizado, e está disponibilizado para quantos tiverem interesse (e basta muitas vezes apenas isso, interesse, pois quase todas as antologias que já organizamos são gratuitas). No entanto, não há limites para o fazer livros, e seguimos à disposição dos ventos do Espírito que, acreditamos, têm nos guiado nos trabalhos durante essa jornada de já duas décadas. Assim, o amanhã está nas mãos seguras de Deus.

Aos amigos e irmãos rogamos que orem por nosso ministério literário e missionário, por graça, ânimo, sabedoria e criatividade em relação aos três focos ou o tripé sobre o qual o trabalho se baseia - mobilização missionáriapromoção da literatura evangélica e elaboração de recursos evangelísticos. Ore por proteção, direção e bênção de Deus para mim e minha família, para que possamos seguir servindo a Cristo e aos que a Ele servem.

A Ele, hoje e sempre, seja dada a glória!


domingo, 5 de janeiro de 2025

Contra a melancolia, a olimpolia

 


Dia desses me ocorreu uma palavra inusitada. A língua tem disso, vai parindo palavras para abarcar o novo ou o antigo que precisava ser dito, ou dito melhor, ou dito em menos espaço. Pois o sonho de toda expressão é resumir-se em uma palavra, feito um alfabeto que “cresce” até virar ideograma. É de sua espécie, feito cobra trocando couro.

No caso que trazemos em questão, seria uma palavra para contrapor a melancolia. Afinal, que palavra contrapõe melancolia, a prostração melancólica, em nossa língua? Euforia? Não, deixe a euforia lá, descabelada e se divertindo com as amigas. A melancolia é mais profunda e resiliente, precisa de uma contraparte a seu molde. E eis olimpolia. Sim, de Olimpo, aquele monte grego, suposta morada de deuses ruins (humanos demais). Mas o sentido de solaridade que o termo Olimpo, olimpiano, e suas variantes derivativas como olímpico trazem, é incontornável. Assim, olimpolia seria aquele sentimento de positividade não-piegas, não tóxica (recentemente descobrimos: há toxidade na bobice demasiada, na bondade mimoseada em paramentos de vulnerabilidade). Olimpolia não é alegria, que é até mais pura, atávica, mas acabrunhada de fragilidades. É uma virtude a ser mantida conscientemente, sustentada, um ethos exercitável.

Sejamos cristalinos: Olimpolia é um otimismo despido das frescuras (opa, um termo quase proscrito por aí).

Um estoicismo que sorri. Sim, pois menos resignado, um ponto menos grave.

Uma euforia disfórica.

Nietzsche, louco ou antes de enlouquecer, falava de vontade de potência. Olimpolia seria exercício de potência, e sua contrita, mas firme celebração.

A skatista que perde o ouro, mas sorri feliz, exulta até (exulta: exatamente aqui está a olimpolia), com o acerto da adversária/colega. Jovem, mas senhora de si, do que é maior, plena das/nas coisas mais importantes. Derrotada, mas senhora de uma outra vitória, difundida na amplitude.

Como poeta, acreditei sempre que há palavras escondidas dentro da luz: Olimpolia é uma das que precisamos. Seja bem-vinda.

 

Sammis Reachers


sábado, 14 de dezembro de 2024

O poeta, esse “figura” da linguagem - Um poema para aprender figuras de linguagem

 



Poeta já nasce metáfora: nem é homem, é bruma

Detesta comparação: sua carne é tal como purpurina

Casa antíteses, juiz de paz de terra e céu

Dispara metonímias lendo Drummond e Gullar

Mata catacreses ao dar nome ao que não o tem:

Braço de sofá vira espuvelo, assim, na caraça

Celebra paradoxos, esses desconstrutores criativos:

Como encher de vazio um balão vazio?

Faz tudo dialogar em prosopopeias, a caneta chora, o chapéu gargalha

É bicho todo trabalhado na sinestesia: degusta a paisagem, ouve seus aromas

Radical, rima o rumo dos versos em aliteração

É um babaquara da assonância, um papa-vatapá

Desafios opera o poeta em hipérbatos

Faz rir nas onomatopeias, feito garnizé cocoricó

Desce pra baixo do mar molhado em seu submarino, o pleonasmo

É polissíndeto: É alegre e loquaz e terno e carmim

Mas tem lá seus momentos assíndetos: solitário, introvertido, fujão

Viaja em anáforas: se eu voasse, se eu pudesse, se eu sonhasse, se...

“Quero morrer de tanto versejar”, vocifera, hiperbólico

“Ou bater as botas de mui cantar”, solfeja em eufemismo e preciosismo

Dias há em que escreve com a delicadeza de uma mula (opa, contém ironia!)

Outros em que lança os versos pela janela com um lacônico “Que tédio!” em apóstrofe

Nesse jogo de encanta e cansa, o bardo executa sua dança

E nos diverte com sua graça, humano que é, esse figuraça...

 

Criei este poema para ajudar estudantes – do aluno do Fundamental ao concurseiro – a aprender se divertindo e, claro, para ajudar também a professores. Se você curtiu, compartilhe o poema para que ele possa divertir a mais necessitados!


Este poema obteve o segundo lugar nacional no Concurso Paulo Setúbal de Literatura 2024 (Tatuí - SP). Obteve ainda menção honrosa no 47º Concurso Literário Felippe D’Oliveira (Santa Maria - RS).

Assista ao vídeo da premiação e dramatização do poema, no Concurso Paulo Setúbal:




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