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segunda-feira, 10 de agosto de 2015

O Brasil na Segunda Guerra: Três poemas de Nelson de Godoy Costa


EXPEDICIONÁRIO

Eu tenho de você, pracinha brasileiro,
Tamanho orgulho que não cabe no meu peito,
Por isto se extravasa nestes versos.

Preciso confessar-lhe uma fraqueza.
Essa fraqueza é minha imensa glória.
Eu tive inveja de você!

Eu que nunca invejei coisa alguma no mundo;
Que desprezei a fama, a glória literária,
Que nunca dei sequer a menor importância
Às riquezas do mundo e às vaidades da vida,
Eu tive inveja de você!

De você que eu não sei como se chama!

Nem me importa saber seu nome de família,
Se eu leio com os olhos marejados
De orgulho e de emoção em sua braçadeira
O seu nome: - Brasil
Eu quis partir como você partiu!

E a mágoa de ficar, apenas foi curada
Pela consciência do dever que estou cumprindo.

Eu, também, legionário brasileiro,
No sacerdócio santo a que entreguei a vida
Sou soldado de um exército invencível!

Minha existência a todo o instante é oferecida
Em holocausto ao grande ideal. E eu sinto
A glória de lutar, de viver, de morrer
Cada dia em favor da grande causa.

Eu também sou soldado brasileiro,
Como você, expedicionário, vitorioso!
E tenho me empenhado a fundo na batalha
Para vencida a guerra alicerçar a paz.

Glória a você, meu grande irmão! Meu bravo!
Meu grande herói! Extraordinário herói!
Soldado brasileiro!



SOLDADO CAMPINEIRO

Este poema, homenagem do autor, então pastor em Campinas, ao expedicionário campineiro foi lido pelos locutores de rádio várias vezes e muito declamado por jovens campineiras nos salões em festa.

Quando você partiu entre lágrimas quentes
De saudade, de orgulho e de emoção,
Eu bem sei que através da névoa de seus olhos
Brilhou, encantadora, a esplêndida visão
Da volta triunfal
À cidade natal.

Você partiu levando no seu peito
O grande ideal do moço brasileiro.
E sob o céu distante de outras terras
Mostrou ao mundo inteiro
Que o Brasil não é ninho de cobardes,
Mas é pátria de heróis.

Que toda a sua História
Bem se pode narrar numa palavra apenas,
E essa palavra é Glória!

Por isso é que você regressou triunfante!

E se custou chegar o dia da partida
Para os campos da luta, onde, valente,
Você deu tudo quanto tinha pela pátria,
E para onde teve pressa de partir,
Com que custo, depois do Dia da Vitória
Alvoreceu o instante do regresso,
Da volta triunfal
À cidade natal!

Gigantescos transportes sobre o oceano
Conduziram-no à pátria vitoriosa,
À pátria que você glorificou.

Rio de Janeiro! Paulicéia engalanada
Multidões em delírio ovacionando
O filho herói que volta à grande pátria.
E através de seus olhos marejados
Você teve a visão esplendorosa
Da cidade natal,
De onde partiu soldado,
Para voltar glorificado
Extraordinário herói em volta triunfal.

Os mesmos braços que o abraçaram na partida
Hão de abraçá-lo ardentes na chegada.
Os mesmos olhos que choraram de tristeza
Hão de chorar agora de alegria.
E o mesmo coração o coração de sempre,
O coração que não cessou de amar
Continuará pulsando venturoso.
E há de estreitá-lo carinhosamente,
Soldado campineiro,
Quando você chegar
À terra campineira,
Ao seu querido lar.


O SOLDADO BRASILEIRO QUE FICOU

(Para que a Pátria viva, ele morreu)

Num cemitério silencioso de Pistóia
Você ficou sonhando eternamente
Seu grande sonho de imortalidade.
É cemitério de uma pátria irmã,
Por isto, embora nossa dor seja tamanha,
Não o deixamos numa terra estranha.

No supremo esplendor de sua mocidade,
Quando a Vida acenava as mais lindas promessas,
E você era todo intensa vibração
De espírito, de cérebro, de músculos,
Você imolou-se em prol da Pátria grande e livre!

Por isto mesmo a Pátria-mãe jamais o esquece!
Ajoelha-se e soluça compungida,
- Olhos em pranto, coração em prece, -
Porque você não era apenas uma vida,
Mas expressava na existência esplendorosa,
A vida eterna de milhões de brasileiros!

O cemitério silencioso de Pistóia
Em cada sepultura encerra um monumento!
Cada túmulo fala! E, à eloquência suprema
Os próprios céus se curvam para ouvir
Da grandeza, do ideal, do amor e da bravura,
Com que você, soldado brasileiro
Mostrou ao mundo inteiro
A sua envergadura
E o valor sem igual da terra onde nasceu!

Se é certo que você não veio juntamente
Não marchou lado a lado
Com seus irmãos heróis, mas ficou sepultado
Sob outros céus, sobre outras terras de além mar,
Seu sepulcro sagrado é o maior desafio
Às gargantas da morte e às potências do mal!
E mais do que soldado hoje você é herói!
Mais que herói, é imortal!


Do livro Vida (São Paulo: Imprensa Metodista, 1952).

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Pierre Emmanuel - Dia de Cólera


Dia de Cólera

Ó meus irmãos nas prisões vós estais livres
livres de olhos queimados de corpos acorrentados
de rosto esfacelado de lábios mutilados
sois aquelas árvores fortes e torturadas
que crescem com mais força depois que as podaram
e sobre todo o território do humano destino
o vosso olhar de homens verdadeiros é ilimitado
o vosso silêncio é a terrível paz do éter.

Mais alto que os tiranos enrouquecidos de mutismo
está a nave silenciosa das vossas mãos
mais alto que a ordem irrisória dos tiranos
está a ordem das nuvens e a vastidão dos céus
está a respiração dos montes tão azuis
estão os livres horizontes da oração
estão as vastas frontes que não vergam
estão as árvores na liberdade da sua essência
estão as messes infindáveis do devir
e nos tiranos está uma angústia fatal

que é a tremenda liberdade de Deus.


sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Trem de Tropas, poema de Karl Shapiro


Trem de Tropas

Tradução de Sammis Reachers e Jorge Pinheiro

À nossa passagem a cidade se detém. Os trabalhadores
Levantam seus braços untados e nos saúdam e sorriem.
As crianças gritam como no circo. Os homens de negócios
Observam-nos esperançosos e prosseguem seu caminho medido.
E há mulheres de pé na porta estupefata de suas casas
Que se movem mais suavemente e parecem pedir nosso regresso,
como se uma lágrima que cegara o curso da guerra
Pudesse dissolver de uma vez nosso aço em seu doce desejo.

Fruto do mundo, ai, todos agrupados
pendurados como de uma cornucópia
em total camaradagem, com as caras amontoadas
Para pulverizar a cidade com assobios e olhares lascivos.
Uma garrafa se rompe nos postes
e uns olhos se fixam na rosa sorridente de uma dama,
Esticados como um elástico e estalam e beliscam
a boca desejosa do sabor de um beijo.

E através de horríveis continentes e dias,
nos arrastamos decididos, sujos e ligeiramente bêbados,
os bons maus rapazes de circunstância e azar,
cujos capacetes como cubos golpeiam a parede nua
de onde se retorcem os cadáveres de nossas mochilas
ao lado dos fuzis que só se parecem consigo mesmos.
E a distância se encolhe como um cinto apertado aperta o ombro e o mantém firme.

Eis um baralho de cartas; você que reparte,
dá-me sorte, um par de touros,
a sorte do novato, o valete zarolho
Ouros e copas são vermelhos, mas as espadas são negras e espadas são espadas e paus são trevos-negros
Mas saque-me trunfos, recordações de paz. Isso exige razão e aritmética,
a sorte também viaja e nem todos regressam

Os trens levam aos barcos e os barcos à morte ou aos trens, e os trens à morte ou aos caminhões, e os caminhões à morte, ou os caminhões conduzem à marcha, a marcha à morte ou a sobrevivência que é nossa única esperança;
e a morte nos devolve aos caminhões e aos trens e aos barcos, porém a vida leva à marcha, oh bandeira!, finalmente
o lugar da vida encontrado depois dos trens e da morte -

Brilhante anoitecer das nações depois da guerra.

Do livro SEGUNDA GUERRA MUNDIAL: Uma Antologia Poética (Organização e edição de Sammis Reachers, 2014).

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Antologia de poemas da Segunda Guerra Mundial em livro gratuito


Sofro da estranha mania de organizar antologias.  Já são mais de dez. Some-se a esse furor antologista meu fascínio pela Segunda Guerra Mundial, fixação de infância, sendo mesmo anterior ao meu interesse pela literatura, e que ao longo dos anos nunca arrefeceu.
     Eis esboçado então o cenário para que eu volte à carga em minha maltrapilha sina de tapa-buracos das mal a(r)madas estantes de poesia: a esta altura do ano da graça de 2014, decorridos 69 anos do fim do maior conflito bélico e da maior exibição de atrocidades que a humanidade já vivenciou, não lhe parece, amigo leitor, de espantar que não exista uma antologia de poetas ou poemas da Segunda Guerra em nossa bibliografia lusófona, neste caso mais culposa e especificamente na brasileira (pois afinal Portugal manteve-se ‘neutro’ no conflito)? Tal lacuna sempre me pareceu digna de nota. Nos EUA tais antologias de guerra são comuns – você poderá contar com umas duas dezenas delas, de variados alcances e focalizações editoriais.
     Busquei coligir para esta seleta apenas poemas de autores contemporâneos ao conflito, e de países diretamente envolvidos na guerra. Sejam war poets “clássicos” (soldados-poetas que participaram em algum momento da guerra, engajados em exércitos regulares), sejam vítimas (população de países subjugados, judeus e minorias étnicas, críticos e inimigos ideológicos do regime), sejam partisans e combatentes das resistências que pululavam nas mais diversas frentes do conflito. E também o que se poderia chamar de poetas expectadores, que, embora nativos de países envolvidos na guerra, apenas a acompanharam pelos canais noticiosos, caso de alguns poetas dos EUA e de outros países americanos, como o chileno Pablo Neruda e brasileiros como Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes e outros.
Esta é uma antologia breve – são apenas 134 páginas, mas que oferecem um significativo panorama de grande valor literário e histórico da riquíssima poesia produzida no período da SGM, ao abarcar em suas páginas grandes poetas de 17 diferentes nacionalidades.

Autores antologiados:
Bertolt Brecht (ALE) - Abgar Renault (BRA) - Carlos Drummond de Andrade (BRA) - Cecília Meireles (BRA) - Murilo Mendes (BRA) - Vinícius de Moraes (BRA) - Pablo Neruda (CHI) - Ivan Goran Kovacic (CRO) - Vladimir Nazor (CRO) - Archibald MacLeish (EUA) - Dudley Randall (EUA) - John Ciardi (EUA) - Karl Shapiro (EUA) - Randall Jarell (EUA) - Stanley Kunitz (EUA) - T. S. Eliot (EUA/ING) - Louis Aragon (FRA) - Paul Eluárd (FRA) - Pierre Emmanuel (FRA) - René Char (FRA) - Giorgos Seferis (GRE) - Odisséas Elýtis (GRE) - Tasos Leivaditis (GRE) - Gerrit Kouwenaar (HOL) - Jan Campert (HOL) - Gyula Illyés (HUN) - István Vas (HUN) - János Pilinszky (HUN) - Miklós Radnóti (HUN) - Dylan Thomas (ING) - Edith Sitwell (ING) - Keith Douglas (ING) - W.H. Auden (ING/EUA) - Giuseppe Ungareti (ITA) - Primo Levi (ITA) - Salvatore Quasímodo (ITA) - Sadako Kurihara (JAP) - Tamiki Hara (JAP) - Hirsh Glick (LIT) - Czeslaw Milosz (POL) - Zbigniew Herbert (POL) - Paul Celan (ROM) – Jaroslav Seifert (TCH) - Margarita Aliguer (URSS) - Marina Tzvietáieva (URSS) - Mikhaíl Dúdine (URSS) - Olga Fiódorovna Bierggólts (URSS) - Pável Antokólski (URSS) - Siemión Gudzenko (URSS)

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Buscando manter-me fiel ao meu princípio de produzir e disponibilizar bons livros, sempre gratuitamente, galgo mais um degrau em minha quixotesca empresa, mas ciente das dificuldades de divulgação que um trabalho de outsider assim encontra, principalmente através dos canais estabelecidos. Por isso, conto com cada um de vocês, leitores desta obra, para divulgá-la, republicá-la e passá-la adiante. A cultura é uma ação: precisa de agentes. Colabore!

sexta-feira, 14 de março de 2014

Segunda Guerra Mundial: Carta do pracinha Dirceu para a jovem Marília


XXXX, Itália, janeiro de 44

A noite, como a morte, é uma carta de trás para a frente, Marília, uma carta que não se entende até que amanheça.

Marília, hoje avançamos sobre o monte xxxx. Não adianta eu escrever nomes e datas, a censura suprimirá essas informações, que de mais a mais pouco importam a uma menina de 17 anos numa cidade tão bonita como Niterói.

Não sei se lhe escreverei mais cartas, se há um amanhã com meu nome na lista ao final da fila de ração. Então, perdoe-me pela estranheza e extensão destas linhas aqui transcritas. Foram escritas em dias espaçados, sob influências diversas – mas todas apenas dimensões, fragmentações de você.

E então eu agora abertamente digo que te amo, amiga. Amo-te mais que tudo em minha vida, os poemas, os sambas, o Bangu, meus cães e a filosofia. Amo-te desde o primeiro dia que lhe vi ao lado de Michaela, e eu que pensava amá-la, mas depois percebi que não, que nada, que tudo em minha vida e na história de meu coração era aio e ensaio até você. Pois o coração de toda a beleza que pulula no Universo-aqui, no espasmo-agora, é você, Marília.
Sei da galanteria que o Marco lhe faz; sei que seu pai, não tão secretamente quanto ele pensa, faz gosto de tê-lo como genro. E sei também que você se agrada. Agora ele está aí ao teu lado, pois pode ver-te todos os dias, e eu estou aqui na Velha Bota, na cega neve, na arruinada madona que o Duce deflagrou. Nesta disputa, se disputa havia, já perdi; se eu morrer e eu vou morrer, morrerei para que você possa ser feliz. Morrerei para não suportar, além do próprio peso da vida, a impossibilidade de você.
Tinha sonhos contigo, sonhos de casamento e roça, três crianças de quem eu, em secreto, adivinhava já os traços das faces. Terminaria o curso de Filosofia e iria dar aulas em alguma cidade pacata do interior do estado. Madalena ou Campos dos Goytacazes, talvez. Hoje queimo estes sonhos no altar da Guerra.
Tenho um pedido apenas: se em algum dia de tua vida de luz, sentiste algum afeto por mim, para além de nossa firme amizade, lhe rogo que nomeie teu primeiro filho com o meu nome; deixa-me estar próximo à tua lembrança enquanto você viver, pois sei que de mim a Guerra tudo requisita, como uma noiva voraz que quer o seu prometido e todo o dote, e ela nada poupará em seu holocausto.
Sei que falo coisas tristes e confusas demais e adultas demais para teu coraçãozinho principesco, mas preciso comunicar a alguém esta minha calma angústia, e é a você que comunico, pois você é mais que a pessoa que amo, é o próprio Universo onde habito, minha deusa lar, particular.

Na última carta você referiu lembrar-se de minha expressão antes da Declaração de Guerra, da forma como eu, durante as lições que lhe dava em sua casa, segurava o mapa da Europa nas mãos e quedava absorto por minutos silenciosos, ‘como se eu soubesse’. Marília, a História é um pano roto onde uma bruxa de candomblé lança búzios, búzios que dão sempre o mesmo resultado. Desde a invasão da Rússia, eu já sabia que o Brasil ingressaria na Guerra, eu sabia que haveria uma convocatória. Eu já treinava disparos, eu já sabia para onde fugir de ti, eu já sabia onde finalmente encontrá-la para sempre.

Escrevo este trecho de xxx. Mas todas as cidades por onde passei, Nápoles e Modena e Livorno, chamam-se você, todas as cidades da terra e do sol nomeiam-se secretamente Marília.

Aqui abraço a morte como se abraçasse você, menina. Nomeio a imperatriz-meretriz Morte com teu nome epifânico, e ela ganha ternura e sonho, cresce em intimidade sem perder a realeza. Vida ou Morte, Destino ou Acaso, como um grande Brahman dos hindus, escolhi ter você em tudo e como tudo, e que tudo a seja, foi a forma que encontrei para não perdê-la.

Nesta neve de menos 2 graus, lembro-me de nosso passeio na praia de Icaraí, sob o poder do carro de Hórus, o Sol que existe apenas para lhe dar um pedestal, Marília... Minha amiga, minha irmã, naquele dia, quando paramos em frente à Pedra do Índio e imprudentemente segurei a tua mão, não foi senão por amor!, amor que requereu-me um resgate, resgate cujo objeto é esta guerra e talvez a minha vida. Seja; amei-te e amo-te, e o Fuhrer ou a ciumenta Morte não hão de abalar isto, macular este mármore; ainda que implodam todos os mármores e monumentos da Itália, ainda que despedacem o céu em meu encalço e desçam comigo ao Sheol.

Aqui combatemos com fuzis M1 Garand americanos. Paralisados em nosso avanço, numa missão que a censura não permite nomear, peguei minha faca e com sua lâmina virgem risquei na coronha de meu fuzil o seu nome. E passaram a ter mais paixão e alcance os meus disparos. E se algum dia este fuzil passar a outras mãos, aquele que o empunhar saberá que há uma Marília no mundo, e há ou houve alguém que a amou – e isso é um rascunho de eternidade. Mesmo que eu morra um fuzil chamado Marília combaterá para livrar o país de Marília, a cidade de Marília e o coração de Marília.

Enfurnado no fundo de uma trincheira não há muito em que pensar. Amanhã, quando for matar tedescos (na carta de dezembro já lhe expliquei que aqui, por influência dos italianos, nós chamamos os alemães de tedescos), penso se matarei algum descendente de Schopenhauer, Hegel ou Kant. E será estanho assassiná-los, como ainda me espanta ter que combatê-los. E penso em meus livros de filosofia alemã em francês, que fim terão se eu morrer. Mamãe os queimará ou deitará fora? Diga-lhe para vendê-los no alfarrábio do senhor turco.
Se você lesse em francês ou tivesse intenção de aprender a língua, por certo deixaria tudo para ti. Mas não lhe apraz o aprendizado de línguas estrangeiras, e bem faz: elas é que devem estropiar-se para compreendê-la, ó pequena luz de tudo.
Você é o meu portentoso deus, o objeto de eleição de minha fé, raio e circunferência da religião que criei; aquilo que arbitrariamente sacralizo, meu lancinante talho na aorta da Realidade – platônicanarquica faca tomando o lugar do cosmocorpo que ela mata; mas o estranho deus dos judeus, do qual você tanto fala na última carta, talvez seja o único que realmente exista.

Nunca voltarei. Seja feliz com o Marco.

Meu último poema. Se eu pudesse, enfeixá-lo-ia para compor um livro, com todos os demais poemas dos quais você é a musa. Mas você os tem: livro dentro de um livro. Pois ao fim e ao cabo, todo deus é uma biblioteca. Mas não quero confundi-la.
Como sempre, nada como seus amados Bilac e Oliveira, mas mais para os franceses de que lhe falei. 
Adeus.


Batalha para alcançar Marília (poema 32)

Tuas palavras caíam no chão ribombantes
como granadas de sândalo:
eu avançava nu como quem sonha

Teus olhos congelavam o entorno, deusa:
moscas, sonhos, oxigênio
tudo era teu
ó mínimo-coração-do-mundo

A metralha tedesca cantarolava
mas seus atiradores e balas eram sombras
apresadas e impotentes na caverna platônica

Pois tu(a) é a Guerra, Minerva:
Tua boca era a bandeira a capturar, Marília, Valkíria,
como a piscina de hidromel sita no coração de Valhala
samadhi nirvana aniquilação íris de cada um
dos mil olhos de Brahman


Sammis Reachers

Do livro Poemas da Guerra de Inverno, segunda edição 

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

POEMAS DA GUERRA DE INVERNO: Segunda edição impressa, revista e acrescida com novos poemas



Publicado em formato de livro eletrônico em meados de 2012, a primeira edição deste livro já surgiu com duas ausências, um poema (Thor Odinson) que havia ficado perdido e inacabado na pasta de rascunhos de meu celular, e o pequeno Batalha de Guadalcanal (publicado posteriormente em meu livro DEUS AMANHECER).
Somados a outros poemas escritos no período imediatamente posterior à primeira edição, poemas de fundo marcial, viciados pelo mesmo élan existencialista dos demais, me pareceu oportuno publicar esta segunda edição revista e acrescida, acatando sugestão que primeiramente partiu de meu amigo poeta, Francisco Carlos Machado. E agora, na forma de livro impresso.
Os novos poemas enxertados no corpus desta dor: Thor Odinson, Batalha de Guadalcanal, Enterrem meu coração na curva do rio, A Morte do Berserker; três poemas de um pequeno ciclo ulisseano, Odisseu: Aproximações, Hino Combatente e Bloomsday Confraria (todos já publicados em blogs e redes sociais); E ainda os textos inéditos: Grande Guerra Patriótica – Poslúdio: A Morte do Camarada Arkhady, Legio Patria Nostra e Carta do Pracinha Dirceu para a jovem Marília.
O poema Sobre a Fênix Assassinada, que faz uso de cores em sua expressão, originalmente fechava a seção Omnia Funera, mas aqui precisou ser realocado para a contracapa do livro, pois seria impraticável publicá-lo em cores, no miolo do volume.
Falei do livro DEUS AMANHECER. Agora ocorreu-me algo: se aquele é um livro sobre a Vida, este seria um livro sobre a Morte? Faltar-me-ia então o mais difícil, um livro sobre a Interseção. Mas talvez a interseção entre Vida e Morte inexista...
No mais, que posso acrescentar? Eis a Guerra, fêmea sem vulva, eis a hecatombe humana e eis a angústia primal & matricial.

O livro está à venda no site do Clube de Autores, AQUI.





terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Paul Celan: Fuga da Morte



FUGA DA MORTE
 Tradução de Modesto Carone
Leite negro da madrugada nós o bebemos de noite
nós o bebemos ao meio-dia e de manhã nós o bebemos de noite nós o bebemos bebemos
cavamos um túmulo nos ares lá não se jaz apertado
Um homem mora na casa bole com cobras escreve
escreve para a Alemanha quando escurece teu cabelo de ouro Margarete
escreve e se planta diante da casa e as estrelas faíscam ele assobia para os seus Mastins
assobia para os seus judeus manda cavar um túmulo na terra
ordena-nos agora toquem para dançar
Leite negro da madrugada nós te bebemos de noite
nós te bebemos de manhã e ao meio-dia nós te bebemos de noite nós bebemos bebemos
Um homem mora na casa e bole com cobras escreve
escreve para a Alemanha quando escurece teu cabelo de ouro Margarete
Teu cabelo de cinzas Sulamita cavamos um túmulo nos ares lá não se jaz apertado
Ele brada cravem mais fundo na terra vocês aí cantem e toquem
agarra a arma na cinta brande-a seus olhos são azuis
cravem mais fundo as pás vocês aí continuem tocando para dançar
Leite negro da madrugada nós te bebemos de noite
nós te bebemos ao meio-dia e de manhã nós te bebemos de noite nós bebemos bebemos
um homem mora na casa teu cabelo de ouro Margarete
teu cabelo de cinzas Sulamita ele bole com cobras
Ele brada toquem a morte mais doce a morte é um dos mestres da Alemanha
ele brada toquem mais fundo os violinos vocês aí sobem como fumaça no ar
aí vocês têm um túmulo nas nuvens lá não se jaz apertado
Leite negro da madrugada nós te bebemos de noite
nós te bebemos ao meio-dia a morte é um dos mestres da Alemanha
nós te bebemos de noite e de manhã nós bebemos bebemos
a morte é um dos mestres da Alemanha seu olho é azul
acerta-te com uma bala de chumbo acerta-te em cheio
um homem mora na casa teu cabelo de ouro Margarete
ele atiça seus mastins sobre nós e sonha a morte é um dos mestres da Alemanha
eu cabelo de ouro Margarete
teu cabelo de cinzas Sulamita

Do livro: "Quatro mil anos de poesia", J. Guinsburg e Zulmira Ribeiro Tavares, Ed. Perspectiva, 1969, SP 

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

O GUETO DE KOVNO


Vista da Rua Krisciukaicio no Gueto de Kovno

O Gueto

Gueto de Kovno, Lituânia, 1941

"Temo somente uma coisa:
Não ser digno de meu tormento."
Dostoievski


A ajuda saiu de lugar nenhum,
andou pela estrada do nada
e nunca chegou até aqui.

Mas
mas, sobretudo
sobretudo há
há uma glória negra
uma glória negra
em ser o último homem da terra,
em estar
no último lugar da terra,
Ilha do Esquecimento,
cercado de noite e morte
por todas as portas.

Há uma glória secreta e negra
em ter sido abandonado
por tudo o que existe.

Sammis Reachers, no livro Poemas da Guerra de Inverno  

*Como o famoso Gueto de Varsóvia, ao longo da guerra foram estabelecidos diversos guetos nos países conquistados pelas forças alemãs. O Gueto de Kovno foi um gueto estabelecido pela Alemanha Nazista para conter os judeus lituanos de Kaunas durante o Holocausto. Em seu auge o gueto deteve 40.000 pessoas, a maioria das quais foram posteriormente enviadas para campos de concentração e extermínio, ou fuziladas no IX Forte.  Os lituanos, aliados dos alemães por desejarem verem-se livres do domínio soviético, participaram ativamente na caça e execução dos judeus de seu próprio território.
(Com informações de Wikipédia e outras fontes.)
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