segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

ESCALAR AS FERIDAS DO SINAI


Inédito de J.T.Parreira


Escalar as feridas do Sinai 
enquanto o fogo descansa na montanha
escalar Athos com os pés molhados no Egeu
desafiar as pedras
como se fossem duros deuses terreais
fazer pelos Himalaias o caminho
até que o mundo seja apenas
o azul, luzindo
nas águas do sol propenso à alegria
escalar os Alpes
os penhascos em risco e os gelos mortais
até desviar da noite a Estrela d'Alva.

26/2/2012

domingo, 26 de fevereiro de 2012

LIBERDADE PARA OS PÁSSAROS: 10 poemas contra o comércio e o encarceramento de pássaros


Reunindo 10 poemas de Antonio Costta, com edição e arte de Sammis Reachers, este breve opúsculo é uma pequena iniciativa para, através da poesia, estimular a reflexão, denunciando e combatendo o encarceramento de aves e também seu comércio ilegal. 


O encarceramento de aves é um dos poucos absurdos ainda de alguma maneira ‘aceitos’ por nossa sociedade. Culturalmente acostumados, ou melhor, anestesiados, muitos deixam de perceber que isto é algo terrivelmente cruel e sistematicamente desrespeitoso para com os direitos dos animais. É já a hora de proclamarmos um grande basta!

Aprisionar asas: poderia haver um crime maior?

Os poemas e as imagens, bem como esta seleta inteira, se com fins não-comerciais, podem ser livremente republicados e divulgados, sem a necessidade de prévia autorização dos autores.

Compartilhe, imprima, disponibilize a partir de seu blog ou site, presenteie crianças e adultos, utilize em sua escola, distribua para sua lista de e-mails...

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Abaixo, dois poemas da obra:


PASSARINHO TRISTE

Pássaro triste, tardo no trinado,
Sequer sem repetir seu repertório,

Por que o teu silêncio de velório,
Nessa gaiola tua, em tom dourado?

Estarás triste ou hás de estar cansado
De tanto canto por ninguém ouvido?
Ou, por tentar o vôo, estás ferido

Das grades onde estás aprisionado?

Quem das aves calou a voz mais bela?
A saudade? Só pode ser por ela,
Que vem do ninho por detrás da serra...

Mas em teus olhos a esperança é certa:

Quando esquecerem a gaiola aberta,
Hás de voar de volta à tua terra!




O HOMEM E O PÁSSARO NA MESMA GAIOLA

Coitado do homem da grande cidade,
Trancado em casa, entre a grade e o portão;
Tal qual passarinho, sem liberdade,
Quase vivendo em igual condição!

Os dois na prisão, cantando saudade,
O homem trancado na sua mansão;
Um por causa da humana crueldade,
E o outro com medo do astuto ladrão!

Coitado do homem, não se dá por conta,
Que a liberdade ele mesmo afronta,
Ao manter o pássaro na prisão...

Na realidade ele está mais preso
Do que o passarinho que vive a esmo,
Sem nunca saber o motivo, a razão!



sábado, 25 de fevereiro de 2012

Carlos Montemayor: 3 Poemas





Tradução de Izacyl 
Guimarães  Ferreira




Arte poética I


Para Fernando Ferreira de Loanda


Quando meu filho come fruta ou bebe água ou se banha num rio,
só diz que come uma fruta
ou bebe água ou se banha no rio.
Por isso ri quando leio meus poemas.
Não entende ainda tantas palavras,
não entende ainda que as palavras não são as coisas,
que num poema quero dizer o que nos supera a cada passo:
o amor entre os renasceres dos corpos e as recordações das tardes;
a ira entre quinzenas e casas emprestadas e roupas que envelhecem
as esperanças entre dívidas e ruas compartilhadas com dias monótonos
e com manhãs cuja única doçura é a da água que nos banha;
a honra entre empregos temporários e amigos desonrados;
a rapina entre os jornais e as repartições públicas;
a vida que nos abre os braços para levar
de um lado as noites chuvosas
e do outro os dias desditados.
Mas certa vez, comendo uma nectarina agreste de minha aldeia,
disse, sem dar-se conta,
que tinha gosto meio de pêssego ou de ameixa.
Porque desconhecia a fruta,
não disse o que era, senão como era.
Não entende ainda que é assim que eu falo,
que trato de entender o que desconheço,
e que tento dizê-lo, apesar de tudo.
Como se ignorar fosse também uma forma de entender.
Como se recordasse sempre
que a vida não é uma frase nem um nome
nem um verso que todos compreendem.
É, de meu jeito, como dizer
que bebo água ou como uma fruta
ou que me banho num rio.





Memória do verão


Era úmida a terra,
o cavalo que pastava,
o som do vento quando a tarde era uma vida só,
a solidão que era a presença real das colinas e da erva.


Era o verão. O azul se estendia como terra de promissão.


O som do vento nas colinas
era uma reunião de festa, de mulheres cantando,
de crianças descendo dos muros das igrejas carregados de risos.


O vento soava alarmado sobre as pedras e as árvores e
os corvos voavam.
As colinas douradas, ardentes, qual peitos de mulheres
despojando-se de suas blusas,
se elevavam como a respiração de uma amiga.
Detive-me sob uma árvore.
Deteve-se o dia, a mente, o ruído da terra convertida em vereda,
as pedras, os sinos de uma aldeia próxima.
Segui somente ouvindo o vento,
como se se elevasse da terra de meus avós, de meus pais,
as recordações de minha infância nessas mesmas colinas,
as horas impassíveis do verão.
O vento arrastou pensamentos, ruído, terra,
e mais além, na colina, vi como pousaram
sobre o pó do silêncio,
no dourado leito do verão que não preciso recordar,
porque esperam, porque lá, na colina que não vejo, esperam.






Memória da prata


Meu pai costumava fumar à noite
sentado fora de casa.
O calor do verão inundava o mundo.
Todas as estrelas se reuniam sobre nós
para que nenhuma se perdesse.
Olhava o serro da mina
e ao longe se escutava o som dos moinhos,
o rumor subterrâneo de metais, homens e água enferrujada.
Pensava que a prata era branca, brilhante como a chuva de noite
ou como os reflexos do rio ou da água estancada junto às penhas;
pensava até que iluminava a mina como enorme cascata.
Ignorava que era negra,
que era um verão sufocante
como a espuma da asfixia ou a morte,
e que os homens caíam como novas noites
num túnel sem estrelas, sem vento,
sem um pai fumando ao lado deles.


In Revista Brasileira #51 (Academia Brasileira de Letras). Leia aqui.

PAROXISMO





μείζω γε μέντοι τῆς ἐμῆς σωτηρίας
εἴληφας ἢ δέδωκας
“mais recebeste para minha salvação 
do que deste…”

Eurípides, Medeia v. 534-535


mais recebeste do que deste
o próprio nome te pus
na fronte o nome pelo qual foste retirada
dentre as bestas selvagens pois não sabes
mas os dentes que exibem são teus inimigos
e tu insistes, Medeia, e mordes nas crianças?
como desejei mudar o teu hálito de canibal,
ó mulher traidora da tua própria terra,
mulher de cabelos de vapor,
tu tão pouco me deste
e eu que tanto te dei, o nome de Hélade apenas
e com ele te dei tudo

23/02/12

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

OS BÁRBAROS

OS BÁRBAROS

Γιατί οι βάρβαροι θα φθάσουν σήμερα
“Os bárbaros chegam hoje”

Konstantinos Kavafis

chegam hoje, vêm para ficar
com barbas pintadas de sol
chegam ao amanhecer
quando os risos esperam o galope
dos seus cavalos de pompa

os bárbaros de barba que impõe silêncio
aos medos que no gume ferem o grito
da injustiça chegam hoje

eles sabem quem somos que temos poetas
dissimulados na facunda beleza dos frisos
e trazem uma nova alma nas barbas
finas como fios de sangue
a nova alma de que carecemos
a nova liberdade, liberdade das palavras
que são enganos

vêm, estão para chegar, arranquemos
de nós todas as dúvidas que nas espadas
das barbas trazem a solução, pois
mais não precisamos que da claridade
do ferro nos nossos rostos

22/02/12

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Ouvir a Grécia



 “Um grego só entre os deuses se há-de achar”
Konstantinos Kaváfis


No meio dos bárbaros da Europa, a voz do teu senado
espera, em silêncio de pedra, a tua voz dos mármores
ouve-se mas é impenetrável
és um texto que teus poetas guardam
sobre a força esbelta das colunas
susténs ainda
nos frisos a sageza dos rostos das mulheres
e a provocação caindo sobre um peito
a alça de um vestido
Tu és Antígona que desautoriza o rei.

21/2/2012

 J.T.Parreira

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Dom Miguel de Unamuno, reitor de Salamanca - Poema de Carlos Nejar



Dom Miguel de Unamuno,
reitor de Salamanca
A Espanha era eu.
Tinha meu rosto
cicatrizado. Era
Miguel e os algozes
sem nome, cúmplices
do Estado. E nem isso.
Foi-me tirada a reitoria
de Salamanca e não
pude apertar de uma pistola
o dia, seu gatilho, o cão
da arma contra os cães.
E fui no exílio Espanha.
Combati e não perdi
a lâmina da alma. E eu
era todos os meus mortos
e os calados, postos
sob o aceso pelotão.
Eu era Espanha
na mudez e no ferrão
da pena, este punhal
de chamas. Minha
Espanha gemendo,
tropeçada na discórdia
civil, entre soldados tão
encarniçados, que nenhum
grão de pólvora deixou
de ser meu rosto, entre
os escombros. Com os
feridos feridos olhos,
os ruídos de todo
o meu povo atravessado.
E as botas fumosas,
as botas de escárnio
de escárnio e chuva,
negras balas. Não, a história
sou eu, não eles.
Eu, que resisti,
que branco permaneço,
inda com as negras balas.
O que da névoa viu passar,
sem Sancho, D. Quixote
negro no galope.


Se fui reitor, era
em Paris Espanha.
Era de Espanha,
o mundo. De Espanha
a Espanha: alma.


Quando voltei
não era mais
Miguel de Unamuno,
professor de quimeras
e de versos.


Era Miguel, o que não
sabia o que fazer com
a infância e nem teve
merendas no colégio.


Era Miguel, com o rio
Tajo nas costas
E a inteligência intacta.


Miguel, o que fazia
força de ser pássaro
e era um forasteiro
de silêncios.


Miguel, o que entortava
suas lágrimas e não obedeceu
ordem alguma da noite miliciana.


Miguel, que não sabia nada.
Nem viver ou morrer.
Analfabeto de manhãs.
Porque era Espanha.


In Revista Brasileira #36 (Academia Brasileira de Letras). Leia Aqui.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

QUEM OS DEUSES AMAM


Ὃν οἱ θεοὶ φιλοῦσιν ἀποθνῄσκει νέος
Quem os deuses amam morre novo

Menandro

os deuses amam
as tuas gargalhadas
e riem-se
encontram nos teus olhos
pérolas incandescentes
que anelam possuir
e para isso retorcem
os dedos

os deuses na tua boca
a voz amam
clamam pelo que tens
e eles não conhecem
e por isso no teu corpo jovem
acordam o sonho
e na mesma pressa de amar
to reclamam

quem os deuses amam?
que deuses amam?

18/02/12

Hino à Liberdade, de Dionisio Solomós


Hino à Liberdade (fragmento)


Eu conheço tua espada,
sua lâmina que aterra.
Eu conheço-te a mirada:
de um só golpe mede a terra.
De ossos gregos és nascida,
santos ossos, na verdade;
como outrora, destemida,
salve, salve, Liberdade!
Dentro deles habitavas,
Com vergonha, de alma opressa;
uma boca ali esperavas
que dissesse a ti: "Regressa!"
Esse dia demorou;
era tudo quietação,
pois nas sombras do temor
oprimia a escravidão
Trad. José Paulo Paes

Solomós, Dionisio. Poesia moderna da Grécia. [Por: José Paulo Paes]. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986, pp 33-34.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

A Neve

Crianças finlandesas mortas por milícias soviéticas em Seitajärvi1942

A Neve

Para Simo Häyhä, um sobrevivente

[Sou] um partisan da resistência finlandesa
um aos porcos-soviéticos-não-prostituído
não-prostituído
pela alemã escória
integrado à resistência
da França Combatente de De Gaulle

Amalgamado ao meu rifle Mosin-Nagant
(minha-mãe-minha-segunda-alma)
Na aurora da Operação Overlord

[sou um homem sem nome e]
morto

deixa[n]do para trás

o frio de um vazio casebre,
um cão enterrado na neve,

                                                                       7.776
                                                                               ausências.

Sammis Reachers

Joanyr de Oliveira: Dois Poemas Para Benjamin Moloise




DOIS POEMAS PARA BENJAMIN

O governo sul-africano é
tão cruel, tão cruel, tão cruel!
(Mamike Maloise, mãe do poeta executado).

I
Um poeta na face da Terra
não é apenas blandícias
no rosto dos montes;
não é apenas silêncio
nas frontes matutinas.

Um poeta na face da Terra
não é apenas metáforas
na boca de anjos;
não é apenas folguedos
na voz dos meninos.

Um poeta na face da Terra
não é apenas cabelos
e folhas na aragem;
não é apenas canções
na alma dos homens.

II
Mãos brancas enrubesceram:
Hoje é dia 18 de outubro.
A pena do poeta tombou
alvejada pelos gumes da ira.
Alô, mártir, adeus, irmãozinho
da multidão soluçante.
Irmãozinho Benjamin, escuta:
pássaros e nuvens comemoram
a chegada, nas asas do vento,
do filho maduro de um povo.
A corda em tuas cordas vocais
não sufocou os poemas.
O sangue do poeta: chamas
no coração de um mar
pretíssimo, mais que a noite.
O relógio da História palpita,
vai detonar-se a si mesmo!
Adeus, adeus, Benjamin Moloise.
Mas lembra-te de voltar, poeta,
quando a liberdade florescer
na pele negra de um povo.

In Tempo de Ceifar

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Roupa Estendida, de Fernando Pessoa

A roupa estendida ao vento
Parece gente a viver
Move-se em gestos sem tento
Perante o meu pensamento
Que não sabe senão ver.

Mas o que fazem no mundo
Os homens nos gestos seus
Nada é mais firme ou profundo
Que este ar nas roupas ao fundo
Dos grandes quintais de Deus.

E eu no meu solene estudo
De como as cousas não são,
No qual compreendo tudo,
Vejo o branco agitar mudo
Da roupa sem coração.

E lembro, por diferença,
A semelhança que há
Entre a agitação intensa
Da roupa livre e suspensa
E aquela em que o homem está.

Ao sol e ao vento da vida
Livre e preso sob os céus
Oscila, coisa movida,
Mas é só roupa estendida
Nos grandes quintais de Deus.

PESSOA, Fernando. Poesia 1931-1935. São Paulo: Cia das Letras, 2009. p.133.

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