segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Dom Miguel de Unamuno, reitor de Salamanca - Poema de Carlos Nejar



Dom Miguel de Unamuno,
reitor de Salamanca
A Espanha era eu.
Tinha meu rosto
cicatrizado. Era
Miguel e os algozes
sem nome, cúmplices
do Estado. E nem isso.
Foi-me tirada a reitoria
de Salamanca e não
pude apertar de uma pistola
o dia, seu gatilho, o cão
da arma contra os cães.
E fui no exílio Espanha.
Combati e não perdi
a lâmina da alma. E eu
era todos os meus mortos
e os calados, postos
sob o aceso pelotão.
Eu era Espanha
na mudez e no ferrão
da pena, este punhal
de chamas. Minha
Espanha gemendo,
tropeçada na discórdia
civil, entre soldados tão
encarniçados, que nenhum
grão de pólvora deixou
de ser meu rosto, entre
os escombros. Com os
feridos feridos olhos,
os ruídos de todo
o meu povo atravessado.
E as botas fumosas,
as botas de escárnio
de escárnio e chuva,
negras balas. Não, a história
sou eu, não eles.
Eu, que resisti,
que branco permaneço,
inda com as negras balas.
O que da névoa viu passar,
sem Sancho, D. Quixote
negro no galope.


Se fui reitor, era
em Paris Espanha.
Era de Espanha,
o mundo. De Espanha
a Espanha: alma.


Quando voltei
não era mais
Miguel de Unamuno,
professor de quimeras
e de versos.


Era Miguel, o que não
sabia o que fazer com
a infância e nem teve
merendas no colégio.


Era Miguel, com o rio
Tajo nas costas
E a inteligência intacta.


Miguel, o que fazia
força de ser pássaro
e era um forasteiro
de silêncios.


Miguel, o que entortava
suas lágrimas e não obedeceu
ordem alguma da noite miliciana.


Miguel, que não sabia nada.
Nem viver ou morrer.
Analfabeto de manhãs.
Porque era Espanha.


In Revista Brasileira #36 (Academia Brasileira de Letras). Leia Aqui.

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