sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

NUIT DE NOËL (Sobre Paul Gauguin, 1902)







Onde a casa tosca se escondia e o feno
Estava sempre quente, não foi aí que Gauguin
Viu o natal. A cena da natividade dos antigos
Mestres conhecia, todos pintavam a manjedoura
Como uma cena celeste, ele revelou
Os animais com a reverência alegre no olhar
Pastoras com olhos polinésios e a neve
Como a lã a cobrir o inverno da Bretanha
Maria e José à porta do abrigo
Com a linguagem extasiada do silêncio
Mostravam o Menino, numa boa-nova tropical.


22/12/2017

© João Tomaz Parreira 

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Para os Que Virão, poema de Thiago de Mello


Para os que Virão

Como sei pouco, e sou pouco,
faço o pouco que me cabe
me dando inteiro.
Sabendo que não vou ver
o homem que quero ser.

Já sofri o suficiente
para não enganar a ninguém:
principalmente aos que sofrem
na própria vida, a garra
da opressão, e nem sabem.

Não tenho o sol escondido
no meu bolso de palavras.
Sou simplesmente um homem
para quem já a primeira
e desolada pessoa
do singular - foi deixando,
devagar, sofridamente
de ser, para transformar-se
muito mais sofridamente - 

na primeira e profunda pessoa
do plural.

Não importa que doa: é tempo
de avançar de mão dada
com quem vai no mesmo rumo,
mesmo que longe ainda esteja
de aprender a conjugar
o verbo amar.

É tempo sobretudo
de deixar de ser apenas
a solitária vanguarda
de nós mesmos.
Se trata de ir ao encontro.
(Dura no peito, arde a límpida
verdade dos nossos erros.)
Se trata de abrir o rumo.

Os que virão, serão povo,
e saber serão, lutando.

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

O Canário Preso, poema de Zenas de Resende Vieira


O CANÁRIO PRESO

Às aves Deus dá o céu, a imensidade,
As verdes florestas, os campos sem fim,
 Os espaços, onde voam à vontade,
As relvas virentes do imenso jardim.
Mas, vil homem mau, egoísta, perverso,
Vendo a liberdade do pobre cantor,
Reduz à gaiola o seu grande universo
E dele se toma veraz opressor.

Assim é, canário, que preso caíste
Na infame gaiola, em que hás de viver!
Ficou solitária a parceira e mui triste,
Cantando outro canto de tédio e gemer.
Não pode esquecer-te, mas canta baixinho,
Lembrando os bons tempos que livres nos ares,
Ao sopro das brisas, contentes no ninho,
Vivíeis juntinhos, sem dor, nem pesares.

Agora cativo, qual vil degradado,
Sem mais esperança de libertação,
Tu arcas sofrido, co'a dor do teu fado,
Sem mais distrações pelo vasto sertão.
Teu vil prendedor, sim, ficou mui contente,
Com o teu murmúrio, ao longo das horas,
Cantando e chorando o teu hino dolente,
As mágoas do peito no canto que choras!

 Zenas de Resende Vieira

Do livro Grão de areia nas praias do mar (Edições Cristãs Editora).

KADDISH POR MEU FILHO ABSALÃO


«Quem me dera que eu morrera / Por ti, Absalão.»
Rei David

Na alta abóbada de uma árvore
o teu cabelo chamou a morte
A tua efémera beleza
emaranhada no lugar dos ramos
como frágil presa
Um corpo sonâmbulo colhido como um fruto
como um pássaro nocturno
onde a morte depositou os dardos
Meu filho, Absalão, meu filho
ai o teu coração sozinho, permeável
ao vento sob a árvore.

© João Tomaz Parreira

domingo, 5 de novembro de 2017

Sahhir, o Perscrutador, encontra-se com Deus


Sahhir, o Perscrutador, encontra-se com Deus

      Mercadejando metais e breves víveres nas plagas da Mesopotâmia, umbigo-que-não-cicatriza do mundo, gastava-se o árabe criado por judeus, órfão agregado a rebeldes, Sahhir.
      Ironicamente referido como O Devorador de Papiros ou O Perscrutador pelo rude populacho dos mercados a quem servia, em certa e ditosa feita, enveredando sozinho entre o deserto de Syn e a gloriosa Madinat as-Salam, dita Bagdá (Bag, "deus", e dād, "dado"; "dado-por-Deus", no persa médio, sexta das línguas de Sahhir), encontrou-se o curioso mercante com o Anjo do Senhor.
      Prostrando-se em terra, clamou por seu pecados.
      - Que desejas, pequeno barro, semelhança do Altíssimo?
      Sahhir, locupletado de luz e horror, não confabulou curas ou joias, palácios ou patentes:
      - Sou pó e do pó lhe adoro, Deus de meus benfeitores, e sei que morrerei por lhe contemplar. Sabes bem, ó Onisciente, que desejo, com humildade, saber e apenas saber. Conte-me, rogo, como e para quê fizeste o Universo.
      - Tais questões fogem à capacidade que lhe dei, ó enxertado, como o voar está distante de Beemoth-a-baleia. No entanto, naquilo para o que a engendrei, vês como é deveras insuperável e poderosa?

      - Sei bem que não poderei entender, Senhor; a mim me basta o ser maravilhado. 

Sammis Reachers

sábado, 28 de outubro de 2017

Amor Celestial, poema de Ralph Waldo Emerson


Amor Celestial

Bem longe, lá no alto, 
Acima de tudo e de todos
Firmado no mais puro dos reinos, 
Acima do sol e das estrelas, 

Está a montanha do amor -
Corações que amam são fiéis,
Gostam do que é justo, por isso são tão caros , 
Ficam desgostosos com os falsos amores 
                                                              
Que preferem a si mesmos conferir louvores ;
Mas os que para amar foram desenhados,
E os  que para abençoar foram separados,  
Não podem cessar de estender a mão.


E não podem mais se esconder do irmão,
Pois é no ajudar que está a sua beleza,
E em ser humilde é que está a sua nobreza;
Pois esta é a riqueza do amor,


Não em repartir o ouro e o pão,
Nem em se vestir como um rico artesão,
Mas, em  fazer da simplicidade uma ciência,
E falar sempre o discurso da inocência,

E no calor do verão ou no frio do inverno                                                         
Levar sempre adiante o conselho do Eterno.     
...Porque Deus vem alimentar os homens todos os dias                   
Mas somente alguns estão com as mãos abertas para receber.


terça-feira, 10 de outubro de 2017

Febre de Mar, poema de John Masefield


Febre de mar 

Eu devo ir para o mar novamente, para o mar e o céu solitário,
E tudo que peço é um pequeno navio e uma estrela para me guiar por ela,
E o golpe do volante e música do vento e a vela branca a tremer,
E uma névoa cinza sobre o mar e uma onda cinza quebrando.

Eu devo ir para o mar novamente, para encontrar a maré correndo cheia de vida
É um convite selvagem e um apelo claro que não pode ser negado;
E tudo que eu peço é um dia de vento, com nuvens brancas voando,
E um fluxo de espuma se espalhando, e os gritos das gaivotas.

Eu devo ir para o mar novamente, para a cigana vida errante,
Para o caminho da gaivota e da baleia, onde o vento é como um corte de faca aguçada;
E tudo que peço é um riso alegre e a risada de um companheiro vagabundo,
E o sono tranquilo e o doce sonho, quando o caminho for muito longo.

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

O QUE NÃO QUERO



Não quero uma coroa
que me esmague a cabeça, nem louros
que deem a impressão de ter impérios
Camões teve-a
em troca do seu olho e morreu de fome
Não quero coroas de rosas, que são para
as virgens que envelhecem sem destino
Nem muito menos
quero uma  coroa de espinhos
onde o  sangue floresça, só uma
cabeça a pôde ter e o sangue correu
pelo arco-íris dos seus olhos
Não quero nada, nem esse vinho
em taças de alabastro da poesia.   

04/10/2017

©  João Tomaz Parreira

domingo, 1 de outubro de 2017

Juventude, poema de Mário Faustino



. . .Juventude —
a jusante a maré entrega tudo —

maravilha do vento soprando sobre a maravilha
de estar vivo e capaz de sentir
maravilhas no vento —
amar a ilha, amar o vento, amar o sopro,
                                                [ o rasto —
maravilha de estar ensimesmado
(a maravilha: vivo!),
tragado pelo vento, assinalado
nos pélagos do vento, recomposto
nos pósteros do tempo, assassinado
na pletora do vento —
maravilha de ser capaz,
maravilha de estar a posto,
maravilha de em paz sentir
maravilhas no vento,
encapelado vento —
mar à vista da ilha,
eternidade à vista
do tempo —

o tempo: sempre o sopro
etéreo sobre os pagos, sobre as régias do vento,
do montuoso vento —
e a terna idade amarga — juventude —
êxtase ao vivo, ergue-se o vento lívido,
vento salgado, paz de sentinela
maravilhada à vista
de si mesma nas algas
do tumultuoso vento,
de seus restos na mágoa
do tumulário tempo,
de seu pranto nas águas do mar justo —
maravilha de estar assimilado
pelo vento repleto
e pelo mar completo — juventude —

a montante a maré apaga tudo 



em "O homem e sua hora e outros poemas". (Organização Maria Eugenia da Gama Alves Boaventura Dias). 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2002.


sábado, 30 de setembro de 2017

A VIAGEM, de C.S.LEWIS - Em jeito de recensão literária



© João Tomaz Parreira

 O Narrador entrou numa fila extravagante para apanhar um autocarro, uma pequena multidão heteróclita esperava já o mesmo transporte. Essa paragem parecia ser o único lugar com vida de uma cidade deserta e sem beleza.
É o início do livro de C.S.Lewis cujo título original é “The Great Divorce” e na tradução em língua portuguesa “A Viagem”.
A passagem para o português, por Richard King e Lurdes Oliveira, usa  vocabulário e sintaxe cuidados, dialogia e harmonia entre as  frases, concordâncias irrepreensíveis, respeitando a semântica do autor, e como complemento útil, excelentes notas referenciais do Editor. Reconheço desconhecer o original, mas a leitura desta tradução é, sem dúvida, uma reescrita.
Sem meios, de momento, para fazer comparatismo com a tradução brasileira (O Grande Abismo, da Editora Vida), o que posso aduzir é que a versão A Viagem fazia falta na nossa língua comum.
O editor, meu amigo de há muitos anos,  João Pedro Martins, do Desafio Miqueias,  e o ilustrador da capa, também meu amigo Natanael Gama, fizeram um trabalho excelente.
O grafismo da capa, estruturado numa “linguagem gráfica” de BD(banda desenhada), reflecte essa viagem, que metaforicamente parece ser nocturna,  isto é, com suficiente mistério e encantamento, como quando o dia nos dá os seus primeiros sinais envolto em neblinas.
Esta obra de Lewis é um contraponto, para não dizer confronto a uma outra, centenária, do poeta William Blake em que este faz um casamento entre o Céu e o Inferno. Assim, estando o leitor no domínio do que está para além de si e no diáfano espaço do celestial, dir-se-ia que a leitura de “A Viagem” se fará sempre com a predominância da sétima função da linguagem, para usar a expressão de Roman Jackobson, a linguagem mágica e encantatória.
De resto, como sabemos, desde As Crónicas de Nardia, C.S.Lewis sempre a utilizou nas suas alegorias.
O livro que comecei a ler não foge a esta “regra”, que em Lewis é um estilo irrefragável. É uma metáfora, é uma grande fábula,  e se quisermos dizer de outra maneira, mais “bíblica”, é tipológico. Dir-se-ia que parece, no âmbito das intertextualidades, o Huis Clos ( À Porta Fechada ) de Jean-Paul Sartre,  mas com uma multidão de protagonistas.
Do ponto de vista literário, que deve ser sempre aquele pelo qual abordamos a obra de Lewis, temos pela frente literatura do fantástico, que antecipou, de certa maneira com conteúdo teológico-cristão,  a literatura sul-americana de Gabriel Garcia Marquez a Julio Cortázar. E séculos antes do autor de “Crónicas de Nardia”, John Bunyan com “O Peregrino”.
Em “A Viagem”, Lewis reflecte sobre a temática que é da bagagem do Cristão: a concepção do Céu e do Inferno. A vida – vivências, circunstâncias, conflitos, concordâncias - para além da morte.
Ambos os lugares não se interpenetram, tão-pouco se equivalem, não devem equivaler-se porque são equidistantes na vida do Cristão.  Num “Study Guide” da obra, assinada pelo próprio autor, ao que suponho, lemos no início desse Guia de leitura que “não há um céu com um pouco de inferno”, nem o contrário.
O que existe entre ambos, é um abismo.
Percorrendo as páginas e tendo encontros com as personagens, temos a sensação de que nos deparamos com um texto, que é mais do que ficcional, é uma mitopeia, uma “mythopoeic fairy”, (conto de fadas ou mitopoema, para usar um neologismo traduzido do inglês).
É a imaginação a funcionar, tal como no clássico do século XVII de Bunyan, numa metalinguagem que se percebe ser (nas págs. 28 e 30) do âmbito do sobrenatural, melhor dito, do maravilhoso ou do domínio do extra-subjectivo. Como os filósofos, C.S.Lewis interpreta aqui a vida para além da morte de modo variado e, por vezes, iconograficamente, para transformar isso nas relações do quotidiano. Um dos referentes, a Morte, tem um código próprio, tal como o céu e o inferno na linguagem lewisiana para nos falar de A Viagem.
“- Prefiro morrer”- diz uma personagem (o Fantasma, que é uma mulher)
- Mas já morreste! Não adianta ignorar isso”- disse o interlocutor ( o Espírito)
É uma obra estruturada no onírico – no final (pág.150), percebe-se isso -, como O Peregrino baseado num sonho, com as personagens dramáticas inominadas, sejam o Inteligente, o Poeta Desgrenhado, o Grandalhão e o Baixinho, o Luminoso, o Fantasma Esquálido e o Fantasma Episcopal, o Espírito, como no romance de Bunyan são, por exemplo, o Cristão, o Obstinado e o Adaptável, etc.
Não é uma obra com citações bíblicas a propósito e a despropósito, como encontramos hoje em alguns livros “evangélicos” que usam as Sagradas Escrituras como pretexto para escrever um “best-seller” de auto-ajuda por detrás do texto sagrado.
É uma obra de induções, isto é, induz-nos ao pensamento bíblico e conduz-nos à teologia, repondo desde a época em que foi escrito, 1945, até hoje, a concepção perdida da existência do Inferno e do Céu e da viagem do Crente e do Ateu para esses lugares.
Não é uma obra apocalíptica, no sentido da escatologia.  O que é, de facto, é apenas um romance cujo locus é o após-a-morte, mas com diálogos como se fossem uma conversa entre as personagens em vida, e, no entanto, elas são dramatis personae que morreram e vivem já no plano da vida eterna.
No que concerne a aspectos teológicos sem mais, que são detectáveis,  Deus e Jesus Cristo, o Cristianismo e a Verdade perpassam neste livro na forma de diálogo ou nas chamadas discussões de sociedade teológica.
 Há, porém, uma metáfora que, neste livro de CSL, é indubitavelmente da teologia por muito que o homem queira esquecer-se, o Inferno. Mesmo quando o narrador adoça o termo com uma realidade, impressionante, chamando-lhe “cidade sombria”, “cidade cinzenta”, com “a sua contínua esperança de alvorecer.”
A linguista búlgara Julia Kristeva escreveu que “a presença da linguagem é sensível nas páginas da Bíblia”, uso esta frase a propósito de A Viagem para dizer o contrário, que a presença da Bíblia confere sensibilidade à linguagem desta e das demais obras de C.S.Lewis. __________   





quarta-feira, 27 de setembro de 2017

O NEGRO





“O negro foi inventado”
James Baldwin



O negro foi inventado, não foi a Bíblia,
Nem o livro do Génesis quem o inventou
Quem viu a palma das mãos de Cam?
Eu não inventei o negro, e todavia
Sou negro, por contrapartida com o branco
O negro foi inventado, e não foi Deus
Quem o inventou, Ele não se sentou
No pó do Éden para criar negros
E brancos, mas para criar o Homem
Algumas religiões inventaram o negro
Era preciso alguma coisa para ter medo.

27/09/2017

© João Tomaz Parreira 

domingo, 24 de setembro de 2017

Propiciação à Topofilia - Sammis Reachers

Jurujuba, Niterói, 2011. Sammis Reachers

Propiciação à Topofilia

“... espaços proibidos a forças adversas, espaços amados.”
Bachelard

espaços abertos
desertos
verdes semi-verdes
pelo vento municiados:

paraísos do possível

Éden desfeito ressonando fragmentário
ruído de fundo à espera no espaço
de quem lhe vibre à frequência:
um herdeiro para lugarizá-lo 

sábado, 16 de setembro de 2017

O AMOR NO ÉDEN

(William Blake, 1808)



Depois do primeiro olhar
Para a mulher, continuou
Adão a tocar-lhe, agora com a flor
Dos dedos, carne da sua carne
Ossos dos seus ossos
Adão e Eva debruçados
Nos olhos um do outro.


16/09/2017

© João Tomaz Parreira 

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

A ORAÇÃO NO GETSEMANE





Seria bonito desaparecer no ar, voltar a casa
Com o odor no corpo das flores
Que Tu criaste, passar entre as folhas
Das oliveiras como o beijo do vento
Seria fácil mesmo com os joelhos feridos
Do chão de onde a minha prece se elevou
Se assim fosse o que seria dos homens?
Morreriam para sempre na minha dúvida
Se é possível que o cálice passe, seria fácil
Não o tragar, não olhar para trás, evanescer no ar.

13/09/2017
© João Tomaz Parreira 


terça-feira, 12 de setembro de 2017

A Educação em 365 frases - Livro gratuito


A EDUCAÇÃO em 365 frases - Algumas das melhores definições 
e reflexões sobre a Educação de todos os tempos. 

Desde muito antes de Comenius e Herbart, “pais fundadores” das modernas didática e pedagogia, retrocedendo aos gregos e indo além, a educação ocupa importante papel na preocupação humana. Nascidos os mais impotentes e dependentes dos mamíferos, não é senão através de abnegado cuidado e instrução que aprendemos a ser e estar em nossa condição de seres sociais.
Vivemos num mundo onde o conhecimento, e logo a educação, assume definitivamente a posição preeminente no escopo dos anseios e objetivos humanos, adquirindo sua talvez maior valorização e democratização ao longo de toda a nossa história. No Brasil, mais e mais pessoas têm acesso ao ensino superior, e o principal: consciência de sua importância, e consciência de que é possível, independentemente de sua classe econômica e faixa etária, ter acesso e ter sucesso.
Este breve livro reúne uma seleção de definições e reflexões sobre a Educação, conforme o entendimento de autores e pensadores os mais diversificados; afinal já dizia Salomão em seus Provérbios: “Na multidão de conselhos há sabedoria”. Sim, damos voz a gregos e troianos: se a unanimidade não é burra, como dizia Nelson Rodrigues, ao menos é uma companhia que merece suspeita. E uma antologia de frases é assim, tece sua colcha de um mostruário de opiniões díspares, uma coleção de alteridades que a enriquecem.
Ao mesclarmos reflexões sobre a educação, o ato de educar(-se), o educador, a escola, nosso objetivo é prover conteúdo para a reflexão de educadores de todas as vertentes, e também para estudantes, pais, filhos e a qualquer interessado neste tema capital.
Como professor, minha esperança é, aqui neste livrinho e em tudo o mais, inspirar a quem aprende e inspirar a quem ensina, para que todos cheguem juntos à certeza de que ambos são na verdade um só, avançando numa mesma e única estrada.
Que este seja um porto propício e benfazejo para onde você sempre possa retornar, em busca de inspiração e renovo: este é nosso maior anseio e nossa recompensa, amigo(a) leitor(a).
No mais, este é um recurso gratuito; compartilhe-o livremente com seus contatos – seus alunos, professores, companheiros de vida e caminhada.
                                     

Sammis Reachers, organizador

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terça-feira, 5 de setembro de 2017

Como furtar a História dos outros - Jaime Pinsky


Jaime Pinsky

Se o Ocidente tivesse levado Jack Goody a sério, teria entendido melhor o desenvolvimento supostamente inexplicável da China, assim como o surgimento dos tigres asiáticos e do próprio milagre japonês. O mundo não se resume à Europa e aos países de colonização europeia. Óbvio? Agora, sim. É fácil ser profeta do passado. Mas, se as pessoas ouvissem um pouco mais os historiadores e cientistas sociais e levassem um pouco menos a sério os analistas de conjuntura, sejam eles quem forem, a história não nos pegaria tão desprevenidos. Mas vamos a Goody.
Considerado um dos maiores antropólogos da civilização vivos, reconhecido no mundo inteiro, ainda é pouco conhecido no Brasil, embora seja tido como uma espécie de Hobsbawn da Antropologia, tanto pela profundidade e coragem de suas análises quanto pela iconoclastia de suas posições, ou, ainda, pelo fato de se assumir como intelectual público.
Pesquisador cuidadoso, dono de erudição extraordinária, acumulada em quase 90 anos de vida, Goody tem uma obra variada e muito respeitada. Transita por temas tão distintos como a família, o feminismo, a cozinha, a cultura das flores, o contraste entre cultura ocidental e oriental, até o impacto da escrita em diferentes sociedades. Seu livro O roubo da História é uma espécie de síntese e revisão de suas pesquisas e pensamento. Em suas páginas, ele faz uma crítica contundente a tudo aquilo que considera viés ocidentalizado e etnocêntrico, difundido pela historiografia ocidental e o consequente roubo, perpetrado pelo Ocidente, das conquistas das outras culturas. Goody não discute apenas invenções como pólvora, bússola, papel ou macarrão, mas também valores como democracia, capitalismo, individualismo e até amor. Para ele, nós, ocidentais, nos apropriamos de tudo, sem nenhum pudor. Sem dar o devido crédito.
Não reconhecer as qualidades do outro é o melhor caminho para não se dar conta do potencial dele. Até no esporte apregoa-se que não se deve subestimar o adversário. E Goody percebe certo desprezo pelo Oriente, que já custou e pode e ainda custar mais caro ao mundo ocidental. Assim, ele acusa teóricos fundamentais, como Marx, Weber, Norbert Elias e questiona enfaticamente Braudel, Finley e Perry Anderson por esconderem conquistas do Oriente e mesmo de se apropriarem delas em seus escritos. Arrasa os medievalistas que querem transformar um período violento, repressivo, dogmático e sem muita criatividade (a Idade Média) em algo simpático e palatável, só por ser, supostamente, a época da criação da Europa (e, portanto, do conceito de Ocidente). E mostra que, ao menos, em termos de capitalismo mercantil, o Oriente tem sido, ao longo da história, bem mais desenvolvido do que o Ocidente. O que contraria interpretações que desconsideram o Oriente e se debruçam apenas sobre as transformações nas relações de produção do mundo ocidental para explicar sociedade, política e cultura.
De fato, esquemas economicistas, alguns deles apropriados e vulgarizados por um marxismo elementar ainda praticado por supostos analistas politizados, mostram um mundo europeu criando o mercantilismo e as embarcações (inventaram até uma inexistente Escola de Sagres), a bússola e o papel. Alguns professores ainda ensinam uma oposição entre a democracia (criação grega, portanto ocidental) e o totalitarismo (coisa natural entre orientais como chineses e russos). Contra esse tipo de História é que Goody se insurge.

Claro que, entusiasmado pelas próprias descobertas, formula algumas conclusões bastante discutíveis. Mas atenção: esse livro não é um simples ensaio, um trabalho opinativo. Considerado um dos mais importantes cientistas sociais do mundo, Goody tem uma obra sólida, consistente, plena de informações e de comparações, reconhecida por colegas com quem estudou e trabalhou. No livro, recorre a pesquisas feitas na Ásia e na África (muitas realizadas por ele mesmo), para dar peso às suas teses. Assim, mesmo que se venha a discordar de alguns de seus pontos de vista ou conclusões, temos muito a aprender com ele, principalmente como entender o mundo globalizado — e não sob uma ótica puramente econômica. Mais que um grande intelectual, Jack Goody é um verdadeiro cidadão planetário. E, no livro, apaixonado e apaixonante, abre uma janela para aqueles que querem descortinar o mundo.

No livro Por que gostamos de História (São Paulo: Contexto, 2013).

domingo, 27 de agosto de 2017

A PROBABILIDADE DE SER POEMA



«Eν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος, καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν θεόν, καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος.»


Após séculos de discussão sobre o chamado problema da autoria do Quarto Evangelho, era moda na Alta Crítica dizer que o Jesus de João era o produto de um processo teológico oriundo da própria Igreja Primitiva, querendo negar assim a autenticidade histórica do autor João e do seu acompanhamento do Mestre, como um dos Doze. A era da crítica acadêmica foi aberta com os trabalhos de K.G. Bretschneider ( 1776-1848) no que concerne à autoria do Evangelho. 
Bretschneider questionou na sua obra sobre o Evangelho de João a probabilidade autoral 
( in “Probabilia”).

Um paradoxo para chamar a atenção da própria a autoria apóstólica desse Evangelho, argumentando, pelo menos, sobre a topografia do autor que ele não poderia ter vindo da Palestina. Seguindo Hegel, houve também quem no século XVIII considerasse o Quarto Evangelho como um trabalho de síntese, isto é, do género de tese e antítese. O Evangelho de João foi chamado de “Evangelho Espiritual”, mas nunca um evangelho filosófico, ainda que iniciando-se de um modo que agradaria aos gregos.

Tais discussões sobre a autenticidade autoral estão agora mais serenas. Ainda bem porque podem abrir outros caminhos mais interessantes, deslocando-se para o que parece ser um poema inicial o Prólogo joanino.

É dado como historicamente certo que o Prólogo tenha sido uma necessidade para dar resposta às grandes questões do espírito no que concerne ao Cristianismo versus 
Filosofias gnósticas do Século I.

Estruturalmente, ele surge como um prefácio, mas as raízes de um certo lirismo, senão na forma pelo menos na fonética e no ritmo, estão lá.
No início do comentário ao Evangelho Segundo João, o tradutor de “Biblia - Novo Testamento” e dos “Quatro Evangelhos”, Frederico Lourenço afirma que “o texto grego (o Prólogo) não é um poema”.

De facto, a poesia em língua grega do Século I era, entre outros requisitos da poética, reconhecida pelas unidades rítmicas, o que não é o caso do 1º verso, mas o nosso ouvido – também afirma FL- reconhece uma certa musicalidade, um certo ritmo pela combinação de algumas palavras. Lido o versículo em causa, quer na língua grega, quer na nossa própria língua, há um ritmo inegável.

No que diz respeito ao texto grego, aprecie-se o primeiro grupo (Ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος) que é combinatório com a última expressão (καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος) Esta última linha completa a primeira, à qual regressa.

“No princípio era o Lógos / (…) / E era Deus o Lógos”. Expressão nossa para não fugir à melopeia e à quase poética pelo ritmo. Existe aqui uma unidade rítmica e melódica, uma linha de poema. No fundo o verso (versu, vertere), na sua concepção milenar, acaba por ser uma tautologia, algo que começa e retorna ao ponto inicial, porque verso designa um movimento de regresso.

Contudo, quer este verso inicial quer todo o conjunto do Prólogo joanino não é, como se chegou a pensar, um poema para agradar ao Gnosticismo. Nem visto apenas à superfície do texto, nem atomisticamente.

Uma quantidade imensa de material riquíssimo é o que encontramos nos primeiros 18 versículos do Prólogo de João.


A “Encyclopedia Americana resume, no que concerne ao Prólogo, várias páginas de douta e vasta bibliografia sobre o tema, e afirma a influência grega que o Evangelista teve, tornando-se evidente que “os primeiros versos são obviamente um poema à maneira dos Estóicos”. É, contudo, uma conclusão que, do ponto de vista da Poética seja ela de Aristóteles ou, posteriormente, de Horácio, não resiste a uma análise, como vimos, dos constituintes do poema. Mais certo será afirmar que o Prólogo se apresenta sob a forma de “um hino cantado na comunidade joanina (em Éfeso?), antes de ter sido colocado como início do Evangelho”. A beleza e a estética dos primeiros cinco versos (1-5 inclusivé), estão lá, porque abrem as portas da Eternidade para dar passagem ao Verbo ou Lógos que vem até ao Homem, até a pungência do Tempo. 

© J.T.Parreira

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

POEMA DE MARIA MADALENA JUNTO AO SEPULCRO



Onde puseram o meu Senhor ? Mesmo morto
O seu corpo receberia o perfume dos meus olhos
Onde o puseram Ele não é um morto
Como os outros para que o Seu corpo se consuma
O meu choro é o que sobra do meu coração
Tanto amor, sem retorno físico, preso
Na indiferença da morte
Dizei-me anjos, vós que não trouxestes
Do céu os crepes com que se amortalham os mortos
Não sei onde o puseram, e a Sua ausência
Mais enobrece o meu amor, sou uma mulher simples
Que rompeu as cadeias dos olhares dos homens
Para vir derramar-se junto ao seu sepulcro.

06/08/2017

© João Tomaz Parreira


segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Dois poemas de Rabindranath Tagore


Entrevista

Fui sozinho à minha entrevista,
Quem é esse que me segue
na escuridão calada?

Afasto-me para ele passar,
mas não passa.

Seu andar soberbo
levanta poeira,
sua voz forte
duplica a minha palavra.

Senhor,
é o meu pobre eu!
Ele não se importa com nada.
Mas como sinto vergonha
por ter de vir com ele à tua porta!


A prisão do orgulho


Choro, metido na masmorra
do meu nome.
Dia após dia, levanto, sem descanso,
este muro à minha volta;
e à medida que se ergue no céu,
esconde-se em negra sombra
o meu ser verdadeiro.

Este belo muro é o meu orgulho,
que eu retoco com cal e areia
para evitar a mais leve fenda.

E com este cuidado todo,
perco de vista 
o meu ser verdadeiro. 


segunda-feira, 31 de julho de 2017

A MULHER DE LOT





Presa a alguns vestidos, os únicos

Que a pressa arrancou de casa, sonâmbula

Na fuga da destruição, e indecisa

Entre um lugar e outro, um olhar e outro

Para trás onde a casa começa a derruir

Um rio de lava a morrer nos olhos

E a estrada em frente

O que pesa nos seus olhos

Que a levou ao fundo, um olhar para trás

E tornar-se um marco no caminho?

Um corpo salgado aonde as aves vão

Debicar o sal e deixar rastos de plumas

No corpo da mulher de Lot nenhuma vida

Agora se repete, é uma língua morta.


30/07/2017


©  João Tomaz Parreira
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