quarta-feira, 13 de novembro de 2024

O Segredo dos Presentes, conto natalino de Paul Flucke

 


A história de que Gaspar, Melquior e Baltazar levaram presentes ao rei recém-nascido tem sido contada ao longo dos séculos. Ah, você vai dizer, todos conhecem essa história. Eles levaram ouro, incenso e mirra. É assim que a história é contada. Mas ela está incompleta. Ouça o restante. Você vai conhecer o segredo dos presentes.

Os que estavam mais próximos, viram o primeiro dos três visitantes parar na porta: era Gaspar, um homem rico trajando uma bela capa de veludo enfeitada com peles de excelente qualidade. Antes de Gaspar parar ali, eles não podiam ver que era o anjo Gabriel quem guardava o lugar santo.

— Todos os que entrarem devem ter um presente para oferecer — disse Gabriel a Gaspar.

Levantando com esforço a linda caixa pesada, Gaspar disse:

— Eu trouxe barras do mais fino ouro.

— Seu presente — disse Gabriel — precisa ser algo que faça parte de você, algo que seja precioso à sua alma.

— Foi exatamente o que eu trouxe — disse Gaspar.

Porém, quando se ajoelhou para depositar o ouro diante do bebê, ele parou e endireitou o corpo. Em sua mão não havia ouro, mas sim um martelo. A cabeça grosseira e preta do martelo era maior que a mão de um homem; seu cabo, de madeira robusta, tinha o comprimento do antebraço de um homem. Gaspar começou a gaguejar, completamente aturdido.

O anjo disse suavemente:

— O que você tem nas mãos é o martelo de sua ganância, usado para destruir a riqueza daqueles que trabalham arduamente para você poder levar uma vida de ostentação e construir uma mansão para morar, enquanto seus servos moram em choupanas.

Envergonhado, Gaspar abaixou a cabeça e fez menção de partir. Mas Gabriel impediu-lhe a passagem:

— Não, você não ofereceu seu presente.

— Um presente como este? — disse Gaspar, horrorizado. — Ele não é digno de um rei!

— Foi por isso que você veio — disse Gabriel. — Não pode levar o presente de volta. É pesado demais. Deixe-o aqui para que você não seja destruído por ele.

— Mas como? Essa criança não tem condições de levantá-lo do chão — protestou Gaspar.

— Ele é o único que pode — replicou o anjo.

Perto da porta, estava Melquior, o sábio que tinha barba comprida e rugas na testa para evidenciar sua sabedoria. Ele também parou diante da porta.

— O que você trouxe? — perguntou Gabriel.

— Incenso, a fragrância das terras secretas e dos tempos passados — respondeu Melquior.

— Seu presente — advertiu Gabriel — precisa ser algo que seja precioso à sua alma.

Melquior ajoelhou-se reverentemente e pegou um frasco de prata de dentro de seu manto. Mas o frasco em sua mão já não era de prata. Era tosco e manchado, feito de argila comum. Atônito, ele tirou a tampa do frasco e cheirou o conteúdo.

— É vinagre! — resmungou Melquior.

— É disso que você é feito — disse Gabriel. — Amargura. O vinho azedo de uma vida que se deteriorou por causa da inveja e do ódio que você carrega dentro de si, lembranças de mágoas antigas, ressentimentos acumulados e raiva latente. Você buscou sabedoria, mas encheu sua vida de veneno.

Melquior curvou os ombros, desviou o olhar e tentou esconder o frasco de argila. Gabriel tocou o braço de Melquior:

— Espere. você precisa deixar seu presente aqui.

Melquior deu um longo suspiro de sofrimento.

— Mas este é um presente desprezível — ele protestou. — E se a criança levá-lo à boca?

— Você deve deixar essa preocupação a cargo do céu — replicou Gabriel. — Lá, até o vinagre é útil.  

O terceiro visitante apresentou-se: Baltazar, líder de muitas legiões e flagelo de cidades muradas. Ele segurava uma caixa de metal.

— Eu trouxe mirra — ele disse —, a recompensa mais preciosa de minha conquista mais arrojada. Muitos lutaram e morreram por causa disso, a essência da mais rara erva.

— E ela é a essência de sua vida? — perguntou Gabriel.

O soldado inclinou-se para a frente, curvou a cabeça até quase tocá-la no chão e apresentou seu presente. Mas o que ele depositou aos pés do bebê era a sua lança.

— Não pode ser! — ele murmurou com voz rouca. — Algum inimigo deve ter feito um feitiço.

— Isso é mais verdadeiro do que você pensa — disse Gabriel. — Mil inimigos fizeram feitiços contra você e transformaram sua alma em uma lança. Vivendo apenas para vencer, você foi vencido. Cada batalha que você ganha leva a outra, e assim por diante.

Baltazar pegou a lança e virou-se para sair.

— Não posso deixar isso aqui.

— Tem certeza? — perguntou Gabriel.  

— Claro — murmurou o guerreiro. — Ele é um bebê. A lança pode espetar sua carne.

— Você deve deixar esse medo a cargo do céu — replicou Gabriel.

Existe outra história que conta que eles foram vistos mais uma vez, anos depois, em uma colina solitária nos arredores de Jerusalém. Mas não se preocupe. Esse é um fardo que o céu toma conta como só o céu pode fazer.

 

Histórias para o Coração. Org. de Alice Gray. United Press, 2001.


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