O erudito inglês Isaac D'Israeli costumava dizer que a
sabedoria dos sábios e a experiência dos séculos pode ser conservada em
citações. No que era chancelado pelo controverso Nietzsche, que dizia: “O aforismo,
a sentença, são formas de eternidade. Minha ambição é dizer em dez frases o que
outro qualquer não diz num livro”. Arrogância? Bem, essa era uma de suas
maestrias. O luso Alcantara de Meneses parece acorrer em socorro do alemão,
quando diz: “Quem diz tudo o que sente num livro é um sábio; quem diz tudo o
que sente numa máxima é um gênio.”
Como antologista e editor, embora já tenha trabalhado com
gêneros que vão do teatro ao poema, tenho me “especializado” há algum tempo em
coletâneas de citações. Contam já coisa dumas trinta, entre e-books
gratuitos e outros comercializados na Amazon.
Tento suprir a sanha de todos os paladares: A Educação em 365 Frases; Amor, Esperança e Fé em 750 Citações; Poesia em 500 Citações; As mais belas citações sobre o Perdão, só para citar alguns dos livros
gratuitos (clique sobre os títulos e baixe os seus).
Meu fascínio por frases e citações vem de longe, de alguns
livros da pequenina biblioteca de meu pai, mas principalmente de um certo
livro, e sua história em especial. O livro é o Coquetel Literário (uma
antologia de citações), calhamaço fascinante de quase 500 páginas, de autoria
de Dário Derenzi, eminente e falecido dentista afeito às lides
literárias.
Certa feita, eu ainda moleque de meus quatorze anos, li em
certo periódico sobre o lançamento de tal livro, uma edição do autor, não
comercializada. Dava endereço para solicitação de informações. Eu,
humildemente, enviei minha cartinha, rogando informações sobre como adquirir o
livro. Naqueles idos eu enviava cartas para tudo enquanto é lado, e devo
ter sido da última geração a usufruir do saudoso universo epistolar, antes do
e-mail suplantar (nada contra o progresso!) aquele universo de selos e
caligrafia.
Mas voltando ao livro do Derenzi: Um belo dia eu estava com
meu pai do lado de fora de nossa casa, cortando alguns galhos de uma árvore, no
não tão pacato Jardim Nazaré. De repente para um carro de luxo, presença
estranha no bairro naquela época. Um homem saiu do carro, em trajes sociais,
viu o número da casa pintado no muro, conferiu em um papel, e em seguida
indagou ao meu pai: "O senhor é o senhor... hum... Sammis...
Reachers?" "Não, o 'senhor' Sammis Reachers é esse aqui", disse
meu pai, espantado, me apontando. O homem me observou, também algo espantado,
talvez pela minha pouca idade, e em seguida me estendeu um pacote. "Este
livro é para você. O Dr. Dário me pediu para lhe entregar".
O cidadão se deslocara da Tijuca até São Gonçalo (!!!!) para
dar um livro a um desconhecido, a mando ou pedido de um terceiro.
Aprendi muitas coisas naquele dia. Aprendi sobre
liberalidade. Sobre o apreço pela literatura, seu alto valor, não redutível a
cifrões, e a fraternidade que ela promove entre os homens. E ampliei meu até
ali imberbe apreço pelas máximas.
Sempre que me calha na telha elucubrar uma nova antologia de
máximas, vou ao setor de minha estante dedicado ao tema. E ao observar aquele
livro negro e volumoso, me lembro com carinho da generosidade do velho Dário,
de quem nunca tive o prazer de apertar a mão, senão em pensamento. Ele,
aquele colecionador de frases, nuca teve a chance de saber que eu fui um seu
continuador.
Parafraseando Isaac Newton, se aprendi a fazer livros e a
disponibilizá-los de graça, foi amparado nos ombros de gigantes!
Sammis Reachers