A APA (Área de Proteção Ambiental) dos Morros Garapenses, situada no Maranhão, surgiu a partir de luta. De dias e noites de luta e mobilização de um grupo de cidadãos, ambientalistas e entusiastas do município de Duque Bacelar. A mobilização popular em proteção às matas de cocais e cerrado maranhenses, e ainda a um dos maiores sítios paleobotânicos do Brasil, logrou sucesso contra as forças do latifúndio e do agronégócio.
Abrangendo - no todo ou em partes - os municípios de Duque Bacelar, Coelho Neto, Buriti e Afonso Cunha, desde seu surgimento em 2008 a APA logo tornou-se exemplo de mobilização e conquista para outros ativistas no estado e fora dele.
Meu amigo Francisco Carlos Machado foi um dos ativistas de primeira hora, que doaram seu esforço ao sonho, até vê-lo materializado. Literato e pesquisador, a proposta - holística pela própria natureza - de vida e missão de Francisco, acabaram levando-o à realização de uma antologia poética reunindo a produção de autores dos municípios da APA. Mas, vejamos como isso se deu.
Em eventos culturais regionais, nos quais autografava alguns de seus livros, Francisco Carlos foi tomando contato com poetas locais, poetas cuja produção tinha poucos ou mesmo nenhuns espaços de veiculação; a ideia de congregá-los então surgiu e logo maturou. Vislumbrada a meta, o poeta lançou-se em pesquisa, vasculhando bibliografias e indo diretamente ao encontro dos autores ou seus descendentes, em visitas que renderam - além de informações e textos - horas profícuas e aprazíveis de conversas, regadas a café, saudosismo e à fantástica hospitalidade tão comum nos interiores do Norte e Nordeste.
Reunindo poemas de nada menos de 28 autores, enriquecida com fotos e biografia, a obra recebeu fina edição pela EDUFMA (Editora da universidade Federal do Maranhão).
Abaixo, alguns poemas do livro.
BURITI
Lili Lago
Recordo-me de ti, ó minha
terra,
das gostosas tiquiras que
aí tem.
Das festas do sertão, da
linda serra
e dos buritizais belos
também.
Recordo-me de ti, ó minha
terra,
o que o carro-de-boi
cantando vem,
a beleza que o rio do
Morro encerra
e das caboclas que eu
tanto quis bem.
Saudades tenho da pinga de
cana,
do Bumba-Boi, das noites
de São João
e da pomposa festa de
Sant'Ana.
Recordo o arroz gostoso
com piqui,
e não posso esquecer no
coração
o teu nome, querido
Buriti.
e diviso também os
juçarais
cobertos de beleza e de
poesia.
Com estridente canto
matutino,
a cigarra desperta a
soledade.
Um sabiá entoa bonito hino
com notas de tristeza e
saudade.
Do lado do nascente, bem
ao longe,
ouve-se o soluçar da
juriti.
Um sino pelas mãos de
velho monge
plange lá na Matriz de
Buriti.
Mal-de-vina
Bill de Jesus
É de manhã...
Um grito de menino soa
pelas tantas,
que despertando o caminho
pirento,
vive uma sinfonia
dolorosa.
O sol espalha-se
encontrando o homem da casa
que já está muito cedo na
boca do igapé,
arrastando a rede,
e de lá retirando o
sustento do pão do meio-dia.
Lá na esquina, a música de
Bartor Galeno
estraçalha corações de
mariposa
que não foram felizes na
calada da noite
e amanheceram no
desespero.
- Chorei! Ah, como eu
chorei, Maria!
Por culpa da vontade louca
pelo orgasmo,
enganada na expressão,
- Até quando Deus quiser!
Carregando na barriga mais
um do povo.
Na cozinha! (já quase meio
dia),
O cachorro pirento vive
uma sinfonia dolorosa
(desta vez, lenta e
triste);
Nas pedras, uma panela
repousa
calejada pelo tempo,
na espera seca como as
palhas das paredes,
a peixada magra na água e
sal.
E a cara do verminoso!
Como panos surrados no
varal. Poídos?
Todos. Da lavagem do
Mearim quase morto,
que sabe só e guarda com
tanto segredo
as mágoas dessa gente.
E você!
Parado aí, nessa almofada
mofada de peidos,
com a garganta presa na
gravata
que te impõe e delega
podres poderes
nesta cidade apagada de
“Das graças”.
E que te impede de ser
gente?
Nada! Apenas o
conformismo.
Baião do Moacir
Moacir Viana
Já fui lavrador, fui soldado.
balconista e fui vaqueiro.
Agora vereador, ganhando
pouco dinheiro.
Meu mundo é diferente
não faço parte de nada.
E vou levando pra frente
tudo
aquilo que me agrada.
Meu Duque, minha terra
amada de bom clima
Deus que me deu de
presente
o mundo cheio de rima.
Este baião é um presente
presente de despedida.
Sei muito bem minha gente
que nunca fui nada na
vida.
Não tenho letra profunda
para entrar na academia
Meus versos ficam no mundo
sem nem uma valia
Se dona vida quiser
conversar com minha
alegria.
É só me dar a valer:
velhice,
amor e poesia.
ABC Político
José Machado
ABC...
O papel está na máquina.
A política, na rua, nos
bares,
Nos becos, nos lares.
No céu de quem merece,
No pé de que padece.
A política existe,
Mas a politicalha persiste
Não se sabe até quando.
O povo não canta
E nem sempre se espanta.
A esperança esmorece
E outra vez se padece.
Hoje é sábado; amanhã,
domingo;
Depois, segunda, terça,
quarta,
Quinta, sexta e novamente
Sábado.
Agora é janeiro.
E lá vem fevereiro, março,
abril,
Outubro, novembro,
dezembro...
E novamente março...
Mormaço. Maranhão. Cansaço
De tanta repetição
De tantos filhos pródigos,
De tantos filhos da puta.
Solidão Poética
Chico Murici
Queria encontrar
companheiros
Para não cantar sozinho.
Não encontrei nem o pobre,
nem o rico,
Nem homem culto, nem o
filho do vizinho.
Como não encontrei ninguém
Cantei com os passarinhos.
Ação de Graças
Maria de Lurdes
Bacelar Viana
A graça do Senhor em mim
plantada
- semente benfazeja e
generosa –
Se não me faz da vida um
mar de rosa
dá-me força e vigor na
caminhada.
Tu sempre me amparaste,
meu Jesus.
E eu sempre me apoiei no
teu regaço.
É contigo, ao calor do teu
abraço,
que venho carregando a
minha cruz.
Benção, favores, tantos e
abundantes,
que dão sentido novo à
minha vida,
Presentes sempre, em todos
os instantes,
mostram-me o rumo certo na
partida.
Mas de todos os dons que
Tu me emprestas,
das graças que recebo com
fervor,
aquele que mais me deixa a
alma em festas
é o dom de amar, Senhor.
Pode amar a tua Criação.
E através dela amar a
criatura.
Abrir de par em par o
coração
num extravasamento de
ternura.
Amar a vida, que é bela,
o céu, sol, o luar.
Amar até a procela
que encrespa as ondas do
mar.
Amar a flor, na beleza
da sua policromia.
Amar toda a natureza
em perfeita sintonia.
Também a ave canora,
a fonte que rumoreja,
- A vida, onde quer que
esteja
a Tua mão criadora.
Amar assim a toda a
Humanidade:
em cada ser humano ver o
irmão
- Meu próximo, a quem devo
caridade,
a quem devo acolher com
devoção.
Amar, servir a essa
Humanidade
de alma aberta e coração
contrito.
Num sentimento de
fraternidade:
- levar o meu amor ao
infinito.
E, dando cumprimento ao
teu preceito
firmado na divina lei do
Amor,
eu quero meu amor seja
perfeito:
- eu quero amar, Senhor.
Eis que me vejo ao fim
desta jornada,
sentimento que transpus a
encruzilhada
- E parto rumo a ti.
Se deparei tropeços no
caminho,
não me faltou jamais o teu
carinho.
- Então, sobrevivi.
Agora só te peço que me
faças
amar-te num total
desprendimento.
E deixa-me entoar neste
momento
meu canto de Ação de Graças.
Angústia
Vilmar Machado
Deus! É tão triste o meu
penar de crente.
Deus! Escuta a dor que
sempre me envolveu,
Eu creio em tua grandeza
cegamente,
Procuro obedecer aos
mandamentos teus.
Perdoa-me, Senhor, se ouso
confessar
um desejo de não mais crer
no teu amor.
Quantas vezes, Senhor, me
vistes soluçar
uma dúvida cruel que me
abraçou
e de mim se apoderou.
Tudo aconteceu quando
naquele dia
deixando doente mamãe, na
capela em oração.
Saúde pra mamãe chorando
eu te pedia.
Porém, ela já estava morta
quando eu voltei.
Chorei desiludida,
saudade, solidão.
Não entendi por que não me
ouvistes.
Eu acreditei quando mamãe
me disse
— “Ele sempre atende o
filho que está triste.”
Perdoa-me, Senhor, eu sou
uma pecadora.
Eu quero crer na salvação
que me deste.
Morrerei tranquila se
soubesse que em Ti
gozarei com ela do prazer
celeste.
Senhor, eu reconheço a
minha dor.
Sei também o quanto
padecestes.
Mas a dor de órfão não
sentistes nunca.
Pois foi nos braços de mãe
que Tu morrestes.