quarta-feira, 22 de junho de 2016

DESCRITIVO DO AMOR NO CÂNTICO DOS CÂNTICOS


A sombra do meu amado faz arder os meus olhos.
As suas mãos perfumadas no meu rosto
São a água matinal, nos meus cabelos
O paladar dos cachos de uvas o tornam ébrio.
A chama do seu amor faz arder
As sombras. As maçãs na sua boca
São minhas, são meu alimento. A minha beleza
De jovem Sulamita o constrange, não sabe
Onde pôr a sua mão direita.
Enquanto a sua mão esquerda é um fogo
Debaixo da minha cabeça. Todos os meus ossos
Tremem com o açúcar da sua voz.

20-06-2016
© João Tomaz Parreira

https://ovelhaperdida.wordpress.com/2016/06/21/descritivo-do-amor-no-cantico-dos-canticos-inedito-de-joao-tomaz-parreira/ 

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Fratria, poema de Jorge Wanderley

Bruegel, The Land of Cockayne

Fratria

Ontem na rua, eu os vi, amontoados,
e casuais, nos trapos, na fuligem
que invadia suas peles e nas úlceras
e curativos e nos lábios rotos
por socos e escorbuto; amontoados
e naturais, passando ora a garrafa
ora um pão seco e eram homens
e eram mulheres, que falavam,
que se entendiam,
e um deles mais que os outros
pontificava, e maximoso dava o tom
de uma filosofia já perdida
e mágica e infalível
a julgar pela voz com que falava.

Conversavam, os cinco ou seis, talvez,
indistinguíveis, todos, forma igual,
e iguais murmúrios e grunhidos.

Mas um deles
ergueu a cabeça e me encarou.

"Fui reconhecido", pensei comigo,
enquanto me afastava na direção da
multidão.

Ele me encarou como se perguntasse
"Que faz você aí, no meio dos limpos?
No meio dos brancos? No meio dos outros?"
E concluísse: "Você sabe que seu lugar é aqui."

Do livro O Agente Infiltrado (1999, Bertrand Brasil).

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