GRÉCIA À ESPERA
Hoje chegam os Persas
por isso a Grécia se vestiu de gala hoje de púrpura real
nos himácios de esmeraldas que são o instrumento
com que assinarão a rendição diante dos Persas essa miríade
de povos de cheiros distintos
Hoje chegam os Persas
trá-los pela mão uma rainha mas não a doce Ester
tem o coração soberbo que o próprio mar castiga
o coração de Xerxes, dizem que a Grécia gastou
todo o dinheiro que lhes mandaram e o lançou ao mar
mas se já à Grécia drenaram o mar cortaram a corda espessa
que lhes prendia o coração e o mudaram num fio fino
que tem na outra ponta um mestre
de marionetas, o verbo de um ventríloquo
Hoje chegam os Persas
vêm de trás das falésias, traiçoeiros com os cavalos pelo rabo
já tomaram o próprio Olimpo já compraram com todo o seu dinheiro
a terra da Ática e da Beócia — dizem, até os Lacedemónios estão extáticos
e os esperam com fanfarra como quem espera o párodo
do liberal Liseu Evoé Evoé que vêm os Persas
e com eles os Macedónios
os salvadores eternais da Grécia
esperá-los-á solenemente a Grécia em Salamina
Rui Miguel Duarte
24/01/15
sábado, 24 de janeiro de 2015
segunda-feira, 19 de janeiro de 2015
A VIRGEM DE LEONARDO
Tem um par de olhos quase obscenos e um sorriso
Enigmático, onde tocam
Os pássaros desocupam os ramos, despem
Os nossos ouvidos de ressentimentos
Sobre o dia que passa
Rasgam a carne, tiram o coração do sério
Do seu batimento
Absorvem
Todo o ar à nossa respiração
Sob a ausência do seu par de olhos e do sorriso
Quase obscenos
Quando se afastam morremos
Em silêncio, sem memórias.
21-11-2014
domingo, 18 de janeiro de 2015
PRIMEIRO
primum uiuere deinde philosophari
primeiro vivamos depois filosofemos
primeiro sejamos devedores do recobro
das árvores depois da mutação da tormenta
primeiro escondamos a vergonha
antes
de entrarmos nos salões de sermos mestres
que
cospem a esmola e a pisam
primeiramente
sentemo-nos no degrau que ocupa Lázaro
primeiro
aprendamos o tremor
que
há um calafrio que é volátil
e
tem rosto de Medusa que os seus cabelos
mordem
e o seu olhar cria em nós estátuas
primeiro
aprendamos que há uma espada
que
ceifa a raiz e o eco do medo
primeiro
bebamos o vinho
na
estação e fora da estação
conheçamos
que todas as cores têm
matizes
notas no âmago da candura
primeiro
agarremos o sonho
passeemos
nele todo por dentro
enquanto
o vento o traz e o leva
primeiro filosofemos depois poetemos
com a boca do abismo à beira dos olhos
é aí que descobrimos
que há asas à beira de nós
pés seguros nas mãos rijas dos anjos
contudo são a terra que nos dá
as flores para o nosso contentamento
primeiro amemos depois vivamos
Rui Miguel Duarte
18/01/2015
quarta-feira, 14 de janeiro de 2015
TRATADO DA PINTURA COMO SOCIOLOGIA
As
viciosas meninas de Avignon, os olhos
Desmesuradamente
ovais onde o mundo
Fica
constrangido, indiferentes à figura
Nua
em véu subtil, provocam
As
meninas de Velásquez, estas
São
observadas mais do que observam, estão
Como melancólicas e belas
Naturezas-mortas.
14-01-2015
© J.T.Parreira
segunda-feira, 12 de janeiro de 2015
Um não-lugar para o poeta marginal
Um não-lugar para o poeta marginal
Uma homenagem à geração de 80, final do mimeógrafo,
réstia marginal
Um lugar que fica num
outro lugar que
está dentro de um terceiro
lugar, este
sim, localizado em lugar
algum.
É ali que eu queria ficar.
Aramado es pa
rra
mar-
me
em meu aracnoestado,
meu parangolizado
brinquedo
quedar-me quedo,
anti-tredo, pisoteando
as fuças murchas
de meu bielo-medo
vestindo meu colete (âmbar-)gris,
camuflado em risca de (faca
&) giz
mascando drops de (alcaçuz
&) anis
um mimeografado chacal xaropado
de sossego
poetando meninotas em
minhas Pasárgadas de pêssego
Sammis Reachers
segunda-feira, 5 de janeiro de 2015
ALMOÇO CAMPESTRE
(Arte: Edouard Manet)
Tal
como Manet os fez, um mundo perfeito
sentados
sobre a relva, numa relação directa com
o
solo, um pouco menos mortais
do
que a flor que mal nasce morre
sob
a sombra das árvores, pousados como pássaros
distribuídos
do alto cume azul, enchem os olhos
da
fragrância de um corpo nu, eles
contudo
indiferentes, conversam como dois
discretos
cavalheiros que esperam o crepúsculo
cair
como o fresco véu da tarde.
01-01-2015
© J.T.Parreira
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