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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Um gato num apartamento vazio

WISLAWA SZYMBORSKA




Morrer - isso não se faz a um gato.
Porque o que pode fazer um gato
num apartamento vazio.
Escalar paredes.
Afagar-se contra os móveis.
Parece que aqui nada mudou
contudo, as coisas estão diferentes
Que nada se moveu,
mas está tudo misturado.
E aquela lâmpada durante a noite já não arde.


Ouvem-se passos na escada,
todavia não são esses.
A mão que coloca o peixe no prato
não é já a mesma mão.


Há aqui alguma coisa que não começa
à hora do costume.
Há algo que não acontece
como deveria.
Alguém esteve aqui e esteve
e de repente desapareceu
e agora é um ausente obstinado.


Foram revistos todos os armários
e todas as prateleiras percorridas.
Não resultou deslizar sob o tapete.
Mesmo a regra de não espalhar papéis foi violada.


Que mais se pode fazer?
Dormir e esperar.


Deixá-lo regressar,
ou pelo menos que se mostre.


Vai aprender
que não se pode tratar assim um gato.
Irá em direcção a ele fingindo relutância,
devagar,
sobre as patas ofendidas.
Sem saltar nem ronronar à primeira.


Tradução do inglês por J.T.Parreira

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Exemplo, poema de Wislawa Szymborska





A ventania
despiu todas as folhas das árvores na última noite
excepto uma folha
deixada
para brincar na solidão de um ramo nu

Com este exemplo
a Violência demonstra
que sim, senhor
tem sentido de humor de vez em quando.


Tradução do inglês de J.T.Parreira

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Morre a polonesa Wislawa Szymborska, prêmio Nobel de Literatura - Leia cinco poemas de uma das maiores poetisas de nosso tempo




Notícia do falecimento AQUI.


VIETNÃ


Mulher, como te chamas? - Não sei.
Quando nasceste, tua origem? - Não sei.
Por que cavaste um buraco na terra? - Não sei.
Há quanto tempo estás aqui escondida? - Não sei.
Por que mordeste o meu anular? - Não sei.
Sabes, não te faremos mal nenhum. - Não sei.
De que lado estás? - Não sei.
É tempo de guerra, tens de escolher. - Não sei.
Existe ainda a tua aldeia? - Não sei.
E estas criancas, são tuas? - Sim.


Tradução do inglês: Nelson Ascher




Retornos


Voltou. Não disse nada.
Parecia muito perturbado.
Deitou sem tirar a roupa.
Escondeu se debaixo do cobertor,
as pernas dobradas.
Tem quarenta anos, mas não neste momento.
Está vivo - mas como no ventre materno
atrás de sete peles, na escuridão que o defende.
Amanha dá palestra sobre homeostasis
na cosmonáutica metagalática.
Por enquanto se encolhe, adormece.




Os filhos da época


Somos os filhos da época,
e a época é política.
Todas as coisas - minhas, tuas, nossas,
coisas de cada dia, de cada noite
são coisas políticas.
Queiras ou não queiras,
teus genes têm um passado político,
tua pele, um matiz político,
teus olhos, um brilho político.
O que dizes tem ressonância,
o que calas tem peso
de uma forma ou outra - político.
Mesmo caminhando contra o vento
dos passos políticos
sobre solo político.
Poemas apolíticos também são políticos,
e lá em cima a lua já nao dá luar.
Ser ou não ser: eis a questão.
Oh, querida que questão mal parida.
A questão política.
Não precisas nem ser gente
para teres importância política.
Basta ser petróleo, ração,
qualquer derivado, ou até
uma mesa de conferência cuja forma
vem sendo discutida meses a fio.
Enquanto isso, os homens se matam,
os animais são massacrados,
as casas queimadas,
os campos se tornam agrestes
como nas épocas passadas
e menos políticas.


Tradução: Ana Cristina Cesar




Museu


Há pratos, mas falta apetite
Há alianças, mas falta reciprocidade
pelo menos desde há 300 anos.
Há o leque - onde os rubores?
Há espadas - onde há ira?
E o alaúde nem tange à hora gris.
Por falta de eternidade juntaram
Dez mil coisas velhas.
Um guarda musgoso cochila docemente,
com os bigodes caindo sobre a vitrine.
Metais, barro, plumas de ave
Triunfam silenciosamente no tempo.
Apenas um alfinete da galhofeira do Egito ri zombeteiro.
A coroa deixou passar a cabeça.
A mão perdeu a luva.
A bota direita prevaleceu sobre a perna.
Quanto a mim, vivo, acreditem por favor.
Minha corrida com o vestido continua
E que resistência tem ele!
E como ele gostaria de sobreviver!
(em: "Quatro poetas poloneses", organização e tradução - Henrik Siewierski e José Santiago - edição da Secretaria de Cultura do Paraná, 1995)




AS TRÊS PALAVRAS MAIS ESTRANHAS


Quando pronuncio a palavra Futuro
a primeira sílaba já pertence ao passado.


Quando pronuncio a palavra Silêncio,
destruo-o.


Quando pronuncio a palavra Nada,
crio algo que não cabe em nenhum não-ser.


Tradução de Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves
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