domingo, 30 de maio de 2021

NEM SÁBIO, NEM SABIÁ: Poemas de Marcos Flávio

 


BRASIL


O menino só queria 

brincar

com seu carrinho

de rolimã.


Mas uma bala,

que chamam de perdida,

achou

mais uma vida


que não verá

o amanhã.



ILUSÃO DE CRACK


Ele construiu

um castelo

e morreu queimado

junto com

as próprias pedras.



MINORITÁRIO


Enquanto eu rimo

o cerol passa fino.

Resumindo:

Garoto do gueto

não tem tempo

para fazer soneto...



PERGUNTA

De onde você tira isso

RESPOSTA

De onde isso me tira



FRÁGIL


Cuidado

ao pular

amar

é linha.



BATE-CEGA


A janela aberta

À visão

Do Rei Davi

O banho de

Bate-Seba...



RODA DOS ENJEITADOS


Com frio e com fome

Sem vestes e sem sonhos

Deixaram-me ali...

Mas eu sobrevivi

Hoje faço malabares

Com as lembranças que não tenho

Tudo que preciso é de um sinal.



FOTOGRAFIA


Quem tirou você 

De mim,

E não revelou?

Deixando na parede

Da memória 

Apenas esse vulto

Abandonando a casa.



POESIA


Fazer poesia

É admirar a maçã.

E comer a serpente

Em sã consciência.



ATITUDE


Desde quando

Eu me conheço

Por bicho...

O Brasil 

É dividido

Entre luxo

E lixo

Por uma cerca elétrica.


E ninguém tem coragem

De desligar o disjuntor.


Poemas do livro Nem Sábio, Nem Sabiá (Rio Branco, 2018).

Acesse a página do autor, no Facebook: https://www.facebook.com/Marcos-poetizando-477474545754486/


quarta-feira, 26 de maio de 2021

Para aqueles que desejam continuar (ou passar) a receber as atualizações do blog em seu e-mail

 


Amigos do blog Mar Ocidental,

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Assim, providenciamos outra ferramenta, similar, que permitirá àqueles que recebem (ou que desejam receber) nossas atualizações em suas caixas de e-mail, a continuar com o recebimento. Agora utilizaremos o Follow.it.

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quinta-feira, 20 de maio de 2021

DESEJO DE TERRA: Poemas de Luís Perdiz

 


Sensação de savana.

Sigo seus cabelos

tingidos de mato.

Carícias ágeis

e lábios de lança.



Poesia: linguagem animal.

Revolução do corpo.

Cálice carnívoro

de vitalidades desconhecidas.

Travessia nas cinzas do vinho.



A teus pés

sou bumerangue

arrepio, penugem.

Lobo-guará no

mel da intuição.



Nuvens vermelhas

de relâmpagos

predestinados

e gaviões repentinos.

Afirmação da vida.



Carrego a culpa

de não ser máquina.

Instantes súbitos

se desmancham na

navalha das revelações.



Supercílio do sol.

Luz arcaica que invade

as varandas da via láctea.

Surto soterrado.

Karma em alta tensão.



Apanhar num sopro

a orquídea da intuição.

Nutrir o milagre

dos girassóis silenciosos

à queima-roupa.



Oferenda vesperal.

Carrossel indomável

que doura o tempo..

Morada amarga da fruta

lampejo doce da saúva.


Luís Perdiz nasceu em Campinas/SP. Poeta, compositor e editor, coordena a revista eletrônica Poesia Primata, especializada em literatura brasileira contemporânea.

Desejo de terra, seu livro mais recente (do qual publicamos aqui alguns poemas), foi contemplado com a bolsa de Criação e Publicação Literária ProACSP. Com prefácios de Jorge Mautner e Claudio Willer, a obra retoma suas principais influências: o modernismo brasileiro, a tropicália, o surrealismo e a geração beat.

Acesse o site do autor: https://www.luisperdiz.com.br/


terça-feira, 11 de maio de 2021

MATERNIDADE, conto de Leandro Bertoldo Silva

 


Maternidade era uma das palavras esquecidas no seu dicionário. Era fácil demais para algumas pessoas pensarem nisso, não para ela, de corpo perfeito e vida em liberdade. Por isso, seu ventre crescido estava na contramão de todos e recordava sua rejeição. Daquele invólucro perfeito, ficariam cicatrizes, marcas que sobreporiam ao efemeramente físico e atingiriam sonhos interrompidos.

Dejanira era mulher do mundo. Esse era o resguardo que nunca pensou em abandonar, nem sequer substituí-lo por um momento que fosse. Sentia-se sem vida, apesar da vida que crescia dentro de si. E, agora, mesmo sendo duas, teimava em sua solidão. O tempo passava, mas não levava a angústia que aumentava a cada dia que a circunscrição de seu estado apontava. Já dividia seu alimento, mesmo sem sua permissão, como seria dividir o resto? Era o que pensava desolada e inquieta. Só havia um jeito: acabar logo com aquilo. Porém, o feto crescido já era uma criança e, antes mesmo de pensar em qualquer outra coisa, de seu corpo redondo começou a emergir um líquido que, ao rebentar da bolsa, jorrou junto com uma sensação indefinível que a urgência do momento não permitiu reflexões. Elas só vieram quando, já com a criança liberta deitada em seu peito em meio aos médicos, começou a cantarolar uma cantiga de ninar no mesmo momento em que seus seios saciavam o filho que calava a ouvir.

Seus olhos recém-maternos se iluminaram, e o coração, que antes rejeitava, agora acalentava e se punha a descobrir uma desconhecida impressão felina e protetora.

A mulher do mundo sem fronteiras não sabia se o choro convulso que irrompia naquele instante era amor ou remorso, talvez fossem os dois. Aquele momento eternizado na música que embalava sua criança fazia pensar: afinal, é a mãe quem dá à luz um filho ou é o filho que faz nascer a mãe?

Leandro Bertoldo Silva

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