domingo, 28 de dezembro de 2014

[NÓS QUE ESTAMOS ACIMA DOS NOSSOS MORTOS]

      


“Ó, vós que estais acima dos mortos”
Hart Crane



Nós que estamos acima dos nossos mortos
queridos, devíamos passar com os pés celebrantes
do silêncio,  como se fossemos pelo chão
como uma sarça ardente
como se os seus rostos nos olhassem do fundo
à contraluz,  eles estão vivos, sem ruído
para não perturbar o sono, nem agitar
a terra que guarda a semente do nada
para se erguer depois no dia
que há-de vir em que a Morte acaba.


28-12-2014

© J.T.Parreira  

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Pierre Emmanuel - Dia de Cólera


Dia de Cólera

Ó meus irmãos nas prisões vós estais livres
livres de olhos queimados de corpos acorrentados
de rosto esfacelado de lábios mutilados
sois aquelas árvores fortes e torturadas
que crescem com mais força depois que as podaram
e sobre todo o território do humano destino
o vosso olhar de homens verdadeiros é ilimitado
o vosso silêncio é a terrível paz do éter.

Mais alto que os tiranos enrouquecidos de mutismo
está a nave silenciosa das vossas mãos
mais alto que a ordem irrisória dos tiranos
está a ordem das nuvens e a vastidão dos céus
está a respiração dos montes tão azuis
estão os livres horizontes da oração
estão as vastas frontes que não vergam
estão as árvores na liberdade da sua essência
estão as messes infindáveis do devir
e nos tiranos está uma angústia fatal

que é a tremenda liberdade de Deus.


terça-feira, 23 de dezembro de 2014

NATAL

não é quando um homem quiser
o Natal, nem quando qualquer outro homem fizer
quantas estrelas inquietas
seriam necessárias para reconduzir
magos e poetas ao mistério do Conselheiro
na dimensão de pequenas mãos
quantos concertos de anjos
e acordes de flautas de pastores
para acompanharem
os vagidos frágeis de Deus na faringe
de um Menino, Natal

foi quando Deus quis e sonhou
que o Príncipe da Paz fosse menor
do que um rei
foi quando Deus quis que passou
pelo sonho de profetas
um Menino
o Maravilhoso coberto de panos
de linho de rejeição

que um Menino, num sopro único, nasceu
como todos os meninos, que são
o despojo da dor das suas mães

foi quando Deus encheu o tempo
foi então que a palpitação das galáxias
descansou à espreita desse momento
que é o princípio de tudo em flor

Rui Miguel Duarte
23/12/2014

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

A CIÊNCIA DOS COMEÇOS

“He was interested in roots and beginnings”
de JRR Tolkien, The Lord of the rings – The Fellowship of the Ring, Livro 1, cap. 2

interessavam-lhe os começos

conhecer que sons
foram tocados no início
que raízes
foram lançadas nos fundos
dos canais, o lugar onde pudesse
despontar o espírito, onde a terra
abra portas para a sua insinuação

escavar aonde vai o seu sonho
escavar fundo onde
até os montes nascem

esta é a ciência que cultiva:
a indagação do crepúsculo
da árvore no húmus
de toda a beleza

Rui Miguel Duarte

17/12/14

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Esboço do trabalho em preparo, poemário sobre alguns reis e história de Israel.


Esboço do trabalho em preparo, poemário sobre alguns reis e história de Israel.


(III)

É preciso falar baixo no sítio da primavera
Herberto Helder

É preciso tirar os sapatos, baixar os olhos
falar baixo, junto à terra 
o fogo que se consome e renasce 
a si próprio na sarça, aí um Nome
é dado acompanhando a exaltação do lume
a curvatura de Moisés, pastor humilde
perante o inominável revelado 
Deus 
a cruzar a voz no silêncio da montanha.


12/2014
© J.T.Parreira

domingo, 7 de dezembro de 2014

DÁ-ME O TEU CORAÇÃO

"Je puis faire les rois, je puis les déposer:
Cependant de mon coeur je ne puis disposer."
Imperador Tito, em "Berenice", de Racine.

Porque me pedes o que não posso dar
nem eu posso do coração dispor
como posso dispor da ave
se mesmo o vento domino e aprisionei
só para alcançar as asas que batem?

posso fazer e desfazer reis
enlaçar e soltar os cavalos
pelos freios dos rios, das flores
extraí algoritmos, dos mastros
moldei oceanos, e ao olhar mais longe,
para o universo não hesitei em fragmentá-lo
de que mais preciso? eu sou o imperador
que clareia as noites e obscurece os meios-dias

mas ao meu coração não ponho a mão,
como posso chegar-lhe?
se a mão bate no peito, no metal
emite algum som, alguma música
este céu da ave que nem de vento carece?

não é meu, já to dei ou já o tomaste de mim
e o que tenho é só teu

Rui Miguel Duarte
05/12/14

sábado, 6 de dezembro de 2014

A ESTRELA DE DAVID






E fez uma estrela de David
Bordou-a como se fosse uma flor
Ou uma palavra no casaco
Disse agora vê-se que pertences
Ao Seu povo escolhido

Para quê? Foi o que disseram
A palidez e a infância dos seus olhos.


2014
© João Tomaz Parreira 


Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...