«Eν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος, καὶ ὁ λόγος
ἦν πρὸς τὸν θεόν, καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος.»
Após séculos de discussão
sobre o chamado problema da autoria do Quarto Evangelho, era moda na Alta
Crítica dizer que o Jesus de João era o produto de um processo teológico
oriundo da própria Igreja Primitiva, querendo negar assim a autenticidade
histórica do autor João e do seu acompanhamento do Mestre, como um dos Doze. A
era da crítica acadêmica foi aberta com os trabalhos de K.G. Bretschneider ( 1776-1848) no que concerne à autoria do Evangelho.
Bretschneider questionou na sua obra sobre o Evangelho de
João a probabilidade autoral
( in “Probabilia”).
Um paradoxo para chamar a
atenção da própria a autoria apóstólica desse Evangelho, argumentando, pelo
menos, sobre a topografia do autor que ele não poderia ter vindo da Palestina.
Seguindo Hegel, houve também quem no século XVIII considerasse o Quarto
Evangelho como um trabalho de síntese, isto é, do género de tese e antítese. O
Evangelho de João foi chamado de “Evangelho Espiritual”, mas nunca um evangelho
filosófico, ainda que iniciando-se de um modo que agradaria aos gregos.
Tais discussões sobre a
autenticidade autoral estão agora mais serenas. Ainda bem porque podem abrir
outros caminhos mais interessantes, deslocando-se para o que parece ser um
poema inicial o Prólogo joanino.
É dado como historicamente
certo que o Prólogo tenha sido uma necessidade para dar resposta às grandes
questões do espírito no que concerne ao Cristianismo versus
Filosofias
gnósticas do Século I.
Estruturalmente, ele surge
como um prefácio, mas as raízes de um certo lirismo, senão na forma pelo menos
na fonética e no ritmo, estão lá.
No início do comentário ao
Evangelho Segundo João, o tradutor de “Biblia - Novo Testamento” e dos “Quatro
Evangelhos”, Frederico Lourenço afirma que “o texto grego (o Prólogo) não é um
poema”.
De facto, a poesia em língua
grega do Século I era, entre outros requisitos da poética, reconhecida pelas
unidades rítmicas, o que não é o caso do 1º verso, mas o nosso ouvido – também
afirma FL- reconhece uma certa musicalidade, um certo ritmo pela combinação de
algumas palavras. Lido o versículo em causa, quer na língua grega, quer na
nossa própria língua, há um ritmo inegável.
No que diz respeito ao texto
grego, aprecie-se o primeiro grupo (Ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος) que é combinatório com
a última expressão (καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος) Esta última linha completa a primeira,
à qual regressa.
“No princípio era o Lógos /
(…) / E era Deus o Lógos”. Expressão nossa para não fugir à melopeia e à quase
poética pelo ritmo. Existe aqui uma unidade rítmica e melódica, uma linha de
poema. No fundo o verso (versu, vertere), na sua concepção milenar, acaba por
ser uma tautologia, algo que começa e retorna ao ponto inicial, porque verso
designa um movimento de regresso.
Contudo, quer este verso
inicial quer todo o conjunto do Prólogo joanino não é, como se chegou a pensar,
um poema para agradar ao Gnosticismo. Nem visto apenas à superfície do texto,
nem atomisticamente.
Uma quantidade imensa de
material riquíssimo é o que encontramos nos primeiros 18 versículos do Prólogo
de João.
A “Encyclopedia Americana
resume, no que concerne ao Prólogo, várias páginas de douta e vasta
bibliografia sobre o tema, e afirma a influência grega que o Evangelista teve,
tornando-se evidente que “os primeiros versos são obviamente um poema à maneira
dos Estóicos”. É, contudo, uma conclusão que, do ponto de vista da Poética seja
ela de Aristóteles ou, posteriormente, de Horácio, não resiste a uma análise,
como vimos, dos constituintes do poema. Mais certo será afirmar que o Prólogo
se apresenta sob a forma de “um hino cantado na comunidade joanina (em Éfeso?),
antes de ter sido colocado como início do Evangelho”. A beleza e a estética dos
primeiros cinco versos (1-5 inclusivé), estão lá, porque abrem as portas da
Eternidade para dar passagem ao Verbo ou Lógos que vem até ao Homem, até a
pungência do Tempo.
© J.T.Parreira