Desde que o primeiro booktuber pisou no planeta, não
aconteceu nada que merecesse muito registro. Apesar disso, o fenômeno prolifera
e começa aqui e ali a ser estudado. Em revistas acadêmicas, o assunto aparece
em vários artigos. Não sei se já foram escritas teses a respeito, afinal, como
disse há poucos dias aqui, encontrar informações quanto a teses no Brasil é um
caminho destinado à desventura e ao desengano.
Talvez o mais adequado fosse que o assunto fosse abordado
pelos estudos em Comunicação, Mídias, Estudos Culturais, etc., como um fenômeno
de massas, mas é no universo das Letras que a presença destas pessoas tem mais
impactado. Dada a disseminação massiva do uso da internet não deixa de ser
previsível, embora, na minha opinião, o impacto dessa exposição continuada me
pareça bastante superestimado.
Assim que, futuramente, será corriqueiro encontrar na
história da crítica literária os nomes de Wilson Martins, Otto Maria Carpeaux,
Franklin de Oliveira, Lucia Miguel Pereira, Ligia Chiappini e tantos mais ao
lado dos de Bel Rodrigues, Melina Souza, Tatiana Feltrin e etc. Será? Não temos
distância, porém, considerando as aparências comunicativas, tudo indica que sim.
Talvez, em profundidade e com a passagem do tempo, tudo acabe revelando-se como
vapor digital. Seja como for, nada melhor que a internet na promoção do
contágio entre campos e especialidades. Quem vivê-la verá.
Mas os números impressionam. Um alienígena que aqui chegasse
imaginaria que não se trata de um país cujo número de leitores se mantêm em
declínio constante, isso de acordo com a pesquisa Retratos da Leitura no
Brasil, a única com uma série consistente. O número de seguidores de perfis e
canais literários extrapola a casa dos milhões. Em contrapartida, o principal
jornal literário brasileiro, o Rascunho, não conta com 40.000 seguidores no
Instagram. As demais revistas, sites e blogues engatinham com números infantis
numa internet povoada por influencers que postam (e supostamente leem) na
velocidade dos guepardos.
É a facilidade do clique e a tentação da selfie, dirá aquele
escritor pouco entusiasmado pelo "engajamento" digital. É tudo
pseudo-literatura, asseverará aquele poeta amargurado. Seja quais forem os
diagnósticos, a realidade (visível, mas intangível) é acachapante.
Não importa que na Flip um famoso da hora não venda 200
exemplares, a sensação visual do mundo instagrâmico é de apenas flamantes
sucessos. Os eventos flopados não são instagramáveis, os livros lançados há
dois anos nos balaios também não. As evidências de que são os livros
evangélicos os grandes best-sellers desta época nem pensar. Este é um mundo
estritamente positivo que devora a novidade, mas sabe-se lá que memória ele deixará
num futuro que ainda precisa se fazer possível de existir.
* * *
Lucio Carvalho é escritor e editor. Lançou recentemente o romance Down House, 1858 (AQUI). Edita a revista literária Sepé (AQUI).
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