A PEDRA FILOSOFAL
A PEDRA FILOSOFAL
De quem a culpa?
Victor Hugo
A poesia, irmã mais velha feita de mãe das artes, foi desde sempre uma celebração da vida. Antes de a palavra ser escrita, ela foi sempre falada: Narrativas de sabedoria transmitiam de indivíduo a indivíduo o que de melhor a sua e outras culturas haviam gerado.
Fiel a uma tal linhagem, esta pequenina antologia reúne exatamente o que seu título expressa: poemas luminosos. Versos com capacidade de insuflar os mais valiosos sentimentos e valores. Mas, espere: Não temos aqui uma seleta de poesia piegas, uma coleção de “poemas de autoajuda”, de forma alguma; mas sim um florilégio de verdadeiras obras primas, em grande parte colhidas de alguns dos maiores nomes da Literatura, seja brasileira ou universal.
Numa primeira vista, este livro engana: De um lado vê-se sua singeleza em páginas, tão poucas; doutro, e isso dependerá do após a leitura, a profundidade alcançada por algumas das mensagens aqui expostas é de uma riqueza com que poucas vezes o leitor, mesmo experimentado, se haverá deparado.
Poemas que celebram a vida e o poder da resiliência, promovendo o exercício daquele outro olhar, o poético, que desnuda mistérios, bordeja e adentra ao sagrado e extrai o melhor de tudo.
Ao fim deste volume, oferecemos ao leitor uma pequena mensagem de afirmação da vida e seu sentido virtuoso.
Um livro – gratuito – para ler e reler, guardar e compartilhar.
PARA BAIXAR O E-BOOK GRATUITAMENTE PELO SITE GOOGLE DRIVE, CLIQUE AQUI.
A Ilha
Depois
de apenas três meses esqueci o meu nome. Não me ocorreu escrevê-lo: Estava
ocupado, sobrevivendo.
Os
anos não podia esquecê-los, pois há comigo um Patek, relógio que roubei sob
certo sol, em certo mês de primavera, em alguma cidade do subcontinente que
fora um dia chamado América do Sul – e este, sabe-se lá o porquê, é dos poucos
dias de que recordo.
Estronda e tomba o tempo,
luz lilás,
obscuro óbito,
carretel de coisículas enrodilhadas em
escaravelhos.
estrondestranhoastro brilha e berra no
sobrehorizonte
Eu, Gregor Samsa, Heinrich
Faust,
Rodion Românovitch Raskólnikov, Leopold
Bloom
estelionatário confesso-me:
degredem-me.
Nesta ilha em que me acoitei,
amontoei-me de lacunas: Além do comprometimento do sistema respiratório, o vírus
tinha um outro efeito, não colateral, mas secundário e utilitariamente sádico:
Apagar memórias.
Exempli gratia: Não sei mais como
cheguei aqui. Lembro de cenas numa lancha, e isso finda o memorial.
Nesta pequena ilha encontrei uma imensa
casa e oito cadáveres espargidos em sua estrutura. A ausência de ferimentos
pode indicar que foram mortos pelo vírus. Avento hipóteses; era eu o dono do
lugar? Um funcionário? Um amigo, parente do proprietário? Tudo que tenho é o
estar-aqui, tudo que sei foi que aqui cheguei.
Na pequena biblioteca, livros em
diversas línguas. Na única que conheço ou penso conhecer, uma coleção dita
“Clássicos da Literatura”. Suas páginas sedimentaram-se como minhas únicas
companhias, aqueles poucos livros em capa vermelha, seus personagens, suas
personas. Suas biografias e transenlaces na vida passaram a ser os meus, eu o
desmemoriado, eu o de pulmão fulminado por um vírus que não me lembro onde
peguei e que deveria ter me matado, mas não matou (sei apenas que uma guerra
grande mastigou as coisas humanas, todos contra todos).
Já nascemos com a turbada gravidade
de sobreviventes de um naufrágio
raça desmemoriada
quimiocontrita no corpo de um,
tênue tempestade nas folhas,
vírus multicelular em busca de não sei
Sparrings sem rosto no ringue do Tempo
tentando encaixar um soco
encaixar um soco no Tempo sem rosto
Há algum tempo me ocorrem poemas. Era
poeta? Não sei. Mas acredito que não. Tanto que quando escrevo, nem me sinto: É
como uma possessão. Será então a poesia, ou a atividade poética, uma demência
das faculdades cerebrais?
Lá fora houve uma guerra, uma guerra de
finalmente acabar com tudo. Meus frangalhos, a ilha, o lixo feito de destroços
que o mar traz, dão conta do que não lembro e no entanto sei que aconteceu.
Lá fora:
Lá na imbricação dos mesmerizados
lá onde o progresso deflorou as virgens
esfaimadas
que se lhe apresentaram;
progresso, demônio que aluiu os homens
lá fora
em seus estratos, no que voa no espirro
O barco que me trouxe jaz sem
combustível; os geradores à diesel da ilha morrem da mesma sede. As frutas que
como, as pequenas aves e répteis, talvez suportem meu pequeno consumo, mas e
daí? Eles virão? E quem são eles, e quem sou eu? Como temer um passado que
ignoro? O esquecimento, falsa liberdade ou paz provisória, me trai: Lembro ter
roubado um relógio. Fui ladrão? Antes ou depois da ruína do mundo, dos mundos?
Talvez tenha roubado por fome, talvez por vingança.
Alguém lá no além da ilha, ou no tudo dito
além de mim (pois sem um nome, entendi finalmente o estigma que nos
conforma, e contra o qual relutamos com a arma que pudemos, adaga cega que
resolvemos chamar História: se sou um homem, tudo é além),
deflagrou uma guerra universal, e ele talvez ainda esteja lá, e ele talvez
ainda me encontre. Ou já me tenha encontrado e esquecido, nesta ilha-mausoléu,
neste Alzheimer biodeflagrado por um vírus genocida.
Escrevo palavras na areia,
ou poemas, essa forma primitiva de civilização das palavras, e cismo: Talvez
não tenha existido uma Segunda Guerra Mundial, ou uma Primeira. Sequer os
morticínios, enquanto eventos isolados, de Ruanda ou do Kosovo. Talvez seja
tudo uma única e ininterrupta guerra, da morte de Abel ao Armagedon. Sem dias
de trégua.
Ilha feridenta,
antologia de chagas
calangos e fragatas desintestinados e
assados,
culinária de dramas, axiologia
do que é poético, capuz que ao homem
encerra
Ilha tropical e sua mansão deserdada,
nave-desespero em que o Homem
nadaformou a Terra.
Publicado originalmente no Jornal Daki.
Pelos Rios ao Sabor da Fruta é um convite inusitado: Um convite a juntarmo-nos, como viajores agregados ou clandestinos, numa viagem que atravessa, ao ritmo das estradas de chão e d'água, o Brasil longitudinalmente, desde o Acre até o Ceará.
Esta aprazível viagem de oeste a leste do Brasil é empreendida pela autora, Eliana de Castela, acompanhada por seu companheiro Jorge de Oliveira (Mané do Café). Ambos artistas e escritores, pesquisadores das coisas da Terra e do homem.
Em busca de sua(s) ancestralidade(s), a autora - filha de um cearense que, assim como tantos conterrâneos, migrou para o Acre nos tempos áureos da borracha - vai tecendo impressões enquanto absorve paisagens, cria ou vivifica amizades, e experimenta as frutas de cada terra por que passa. Não se trata aqui de um romancear a realidade: As mazelas desses muitos Brasis são percebidas e discutidas pela autora, ciente de seu papel como observadora crítica e ativa das realidades com que se depara.
O livro, ilustrado, possui 130 páginas e foi publicado pela prestigiosa editora portuguesa Chiado. Para os que desejarem adquirir, podem acessar o site da editora, aqui.
Aqui um dos capítulos do livro,
O Cariri que nos habita
"Só deixo o meu Carirí,
no último pau de arara.
Enquanto a minha vaquinha,
Tiver o couro e o osso,
e puder com o chocalho,
Pendurado no pescoço,
Eu vou ficando por aqui..."
A música, de José Guimarães, Corumba e Venâncio, que foi
cantada por Luiz Gonzaga e Fagner, entre outros grandes cantores da música
nordestina, que trago um pequeno trecho, abrindo esse capítulo, faz parte do
meu imaginário infantil. A música deu asas ao pensamento, que ficava como dunas
ao sabor do vento, fazendo e desfazendo imagens sobre o Nordeste brasileiro,
especialmente o Ceará, antes de eu conhecer aquele pedaço do Brasil.
Assim como a música, também os livros, O Quinze, de Raquel de
Queiroz e Vidas Secas, de Graciliano Ramos, colaboraram com o sentimento de
carinho para com aquela região. É a arte e a literatura dando beleza na
representação do sofrimento humano. Tais obras, a qualquer leitor, mesmo aquele
que nunca tenha pisado o sertão, faz sentir a aridez do ambiente, o sofrimento
e o apego dos sertanejos ao lugar, bem como, desperta curiosidade de desvendar
quais são os motivos que fazem o sertanejo ali permanecer em meio a tanto
sofrimento.
Completando a lista dos escritores que construíram o meu
imaginário sobre o sertão nordestino, destaco o poeta cearense, Fernando cie
Castela, que por muitos dias de nossa infância — minha e de meus irmãos —
ilustrou com seus poemas c causos, a vida das famílias, na peleja com a seca, a
roça que não vinga e o gado que perece. Assim como as histórias das longas
caminhadas pela caatinga, de homens sem esperança, com seus filhos desfigurados
pela fome, de mulheres que têm os rostos tão áridos, quanto as gretas de
concreção que se formam no chão daquelas terras. É a chuva, um dos motes da
poesia matuta, de Fernando de Castela, que nos faz entender um pouquinho
daquele lugar:
"...Tá chuvendo em minha terra!
Chove no meu Ceará...
Meu., irmão arretirante
qui fugira do sertão
tão vortando em arvoroço.
Festa de viola e sanfona
dentro dos seus coração.
Tá chuvendo em minha terra,
tá chuvendo no sertão..."
As pessoas resistem à espera da chuva, enganam-se com o
desejo de uma nova aurora, partem, mas afirmam que retornarão para casa se a
chuva cair... Quimeras, apenas quimeras. Elas não deixam o seu cantinho,
enquanto há um fio de esperança. Mas por que é assim? Essa intrigante pergunta
que muitos devem fazer e que eu me fiz sempre, foi encontrando respostas ao
longo da vida e de forma mais aprofundada, quando visitei o Cariri. Mas nem
tudo resposta e outras perguntas surgem.
Aquele lugar árido, que a plantação não vinga, que a criação
morre, que as crianças choram de fome, tem o mesmo encanto, riqueza e beleza,
para o sertanejo, assim como tem para as pessoas que nasceram e vivem, num
lugar de fartura. A nossa aldeia, seja no Cariri, seja na Amazônia ou no
litoral do Ceará, é o lugar que alimenta os sonhos e que convida os filhos a
ficarem. Para quem é do Cariri, é lá que se adquire o sentido de pertencimento
e de identidade com aquele todo, seja o prazer ou a dor. São estes alguns dos
fatores, não determinantes, mas hierarquicamente superiores, para a decisão de
não partir.
Ao longo da viagem, outros momentos e questionamentos
fortaleceram a compreensão de pertencimentos, como aconteceu quando alguém me
perguntou — o que tem de interessante no Acre para se visitar? Qual é o
atrativo turístico que convida os visitantes? Parei por um instante, depois de
pensar na família e nas pessoas amigas, rapidamente o meu pensamento percorreu
florestas, que tantas vezes admirei e que me inspiraram a escrever poemas,
igarapés que me refrescaram nas horas de lazer, de tantos fins de semanas, o
rio da minha aldeia, hoje assoreado e poluído, mas foi dele, antes de tanta
poluição, que emergiram ideias, para o trabalho e para o lazer.
Continuei listando mentalmente, as incontáveis horas de banhos
no rio, alheia à preocupação da minha mãe e dos riscos prováveis, movida pela
ânsia de brincar, juntamente com outras crianças, as trocas, pois as
brincadeiras das crianças dão sentido ao rio. As praias do centro da cidade,
hoje não são mais apropriadas ao banho, mas foi nelas que eu brinquei, antes de
serem descoloridas pelos esgotos. Quando olho para as praias hoje, vejo o
passado e idealizo o futuro. A infinidade de sentidos vai além do rio, está nas
comidas, nas praças, ruas... Tudo do lugar, é a referência e parâmetro, até
mesmo para me sentir em casa, em qualquer outro lugar do mundo, o que pode
parecer contraditório. É por isso, que o nordestino só deixa o seu "Cariri
no último pau de arara".
A região do Cariri, assim como muitas outras por onde
passamos, tem denominação de origem indígena. O povo Kariri ou Quiriri, embora
tenha resistido e lutado contra os invasores, foi escravizado, roubado e morto.
Seus territórios foram ocupados pelas cidades, atualmente com várias
denominações indígenas.
A região do Cariri abriga um importante sítio arqueológico,
onde se encontra soterrada grande parte da história dos juntamente com a
cerâmica e outros utensílios. Muitas dessas peças de cerâmica extraídas cio
sítio arqueológico estão expostas nos centros culturais, constituindo
importante atrativo turístico. Quanta contradição!
O Cariri foi o sítio por nós escolhido para sentir um pouco
da vida do sertão do Ceará. Mas a região abrange também, alguns municípios de
Pernambuco, Paraíba e Piauí. Dos nove municípios do Ceará que integram a Região
Metropolitana do Cariri, visitamos apenas quatro cidades. O Crato foi o local
escolhido para pouso, face à centralidade em relação às demais cidades
visitadas - Juazeiro do Norte, Nova Olinda e Santana do Cariri onde fatos
interessantes ilustraram nossos dias, justificando o registro.
Andar no rastro dos antepassados, que vieram do Ceará para o
Acre, foi como se eu tivesse ido à "escavação arqueológica" sem
instrumentos adequados, por não dispor de referências, na procura de vestígios
que identificassem minhas ligações com eles, foi algo quixotesco. Não elaborei
nenhum projeto de pesquisa, nem sequer um roteiro para isso, tudo foi feito no
campo das elucubrações. O instrumento investigativo, que considerei uma
brincadeira foi a percepção, os sentidos aguçados, para perceber qualquer coisa
que remetesse ao que ouvi quando criança. Comecei então, a estabelecer urna
relação das frutas com as pessoas e os fatos.
O meu pai dizia que no quintal da sua casa, quando ele era
criança, tinha frutas que ele só poderia comer se "roubasse" e citava
as frutas. Já a minha mãe contava que ela e os seus irmãos brincavam com as
melancias, na praia do rio Taco, jogando urna contra outra para parti-la, comer
e até desperdiçar. Minha mãe viveu em grande fartura alimentar, sempre deu
destaque a isso, diferente da vida do meu pai, que sempre deu destaque à fome.
Seriguela, sapoti, umbu, umbu-cajá, tamarindo... É como se eu
quisesse ao comer a fruta, fazer uma viagem ao passado através do paladar,
desvendar os mistérios e destruir os hiatos deixados pelo tempo, revelando
histórias não contadas. Tudo ao sabor das frutas, como as beberagens e o rapé
dos pajés, trazer à luz, o que é preciso saber para a vida.
Mas para que isso tudo? Talvez porque a busca pela
ancestralidade seja a tentativa de conhecer a nós próprios. Porém o caminho da
busca ancestral, às vezes é temeroso de ser inútil, de continuar
incompreendido, de poder nos levar a um passado mais profundo, no momento que
não encontramos as respostas. O melhor é desfazer as dúvidas. porque o caminho
do conhecimento é hipotético. As reflexões surgiram quando cheguei ao Ceará,
mas eu apenas segui, elas foram aprofundadas ao escrever.
BRASIL
O menino só queria
brincar
com seu carrinho
de rolimã.
Mas uma bala,
que chamam de perdida,
achou
mais uma vida
que não verá
o amanhã.
ILUSÃO DE CRACK
Ele construiu
um castelo
e morreu queimado
junto com
as próprias pedras.
MINORITÁRIO
Enquanto eu rimo
o cerol passa fino.
Resumindo:
Garoto do gueto
não tem tempo
para fazer soneto...
PERGUNTA
De onde você tira isso
RESPOSTA
De onde isso me tira
FRÁGIL
Cuidado
ao pular
amar
é linha.
BATE-CEGA
A janela aberta
À visão
Do Rei Davi
O banho de
Bate-Seba...
RODA DOS ENJEITADOS
Com frio e com fome
Sem vestes e sem sonhos
Deixaram-me ali...
Mas eu sobrevivi
Hoje faço malabares
Com as lembranças que não tenho
Tudo que preciso é de um sinal.
FOTOGRAFIA
Quem tirou você
De mim,
E não revelou?
Deixando na parede
Da memória
Apenas esse vulto
Abandonando a casa.
POESIA
Fazer poesia
É admirar a maçã.
E comer a serpente
Em sã consciência.
ATITUDE
Desde quando
Eu me conheço
Por bicho...
O Brasil
É dividido
Entre luxo
E lixo
Por uma cerca elétrica.
E ninguém tem coragem
De desligar o disjuntor.
Poemas do livro Nem Sábio, Nem Sabiá (Rio Branco, 2018).
Acesse a página do autor, no Facebook: https://www.facebook.com/Marcos-poetizando-477474545754486/
Amigos do blog Mar Ocidental,
é provável que alguns de vocês sejam assinantes do feed do blog. Para os que não sabem, um feed é basicamente uma forma de receber diretamente em seu e-mail as postagens que são publicadas aqui no blog.
Acontece que esse serviço é mantido pela ferramenta FeedBurner, e a Google encerrará as atividades desta ferramenta a partir de julho deste ano.
Assim, providenciamos outra ferramenta, similar, que permitirá àqueles que recebem (ou que desejam receber) nossas atualizações em suas caixas de e-mail, a continuar com o recebimento. Agora utilizaremos o Follow.it.
Para isso, basta inserir no espaço abaixo um endereço de e-mail onde quer receber as mensagens, e clicar em "assinar".