domingo, 5 de janeiro de 2025

A Porta, poema de Simone Weil

 


A porta

Este mundo é a porta fechada. É uma barreira, e ao mesmo tempo é a passagem.
Simone Weil. Cadernos, t. III, p. 121.

Abram-nos, então, a porta e veremos os pomares,

Nós beberemos sua água fria onde a lua deixou seu rastro.

O longo caminho queima, inimigo dos estrangeiros.

Nós andamos a esmo sem saber e não encontramos lugar algum.

Queremos ver as flores. Aqui a sede se abate sobre nós. 

Aguardando e sofrendo, eis que nos encontramos diante da porta.

Se for preciso, quebraremos essa porta com nossos golpes.

Pressionamos e empurramos, mas a barreira é forte demais.

É preciso definhar, aguardar e olhar de maneira vã.

Olhamos a porta; ela está fechada, inabalável.

Fixamos nela nosso olhar; choramos sob a tormenta;

Continuamos a vê-la; o peso do tempo nos faz esmorecer.

A porta está diante de nós; de que nos serve querer?

É melhor partirmos, abandonando a esperança.

Jamais entraremos. Estamos cansados de vê-la...

A porta, ao abrir-se, deixou passar tanto silêncio.

Que nem os pomares apareceram, nem flor alguma;

Apenas o espaço imenso onde estão o vazio e a luz

Tornou-se repentinamente presente, de lado a lado, enchendo o coração,

E lavou os olhos quase cegos sob a poeira.


Do livro Pensamentos desordenados sobre o amor de Deus (Vozes, 2020).



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