Morcego
& Sinistro
Não seria a Loucura,
seja ela como for, genética ou casual, involuntária ou (in)voluntariamente
auto-induzida, uma resposta, se não absoluta, absolutista ao Absurdo?
Durante os anos de
1999 a 2004, eu trabalhei como cobrador de ônibus na linha 24, que fazia o
trajeto do bairro Palmeiras até a praia de Gragoatá, em Niterói. O ponto final
desta linha localizava-se num encontro de morros, pequenas ou medianas favelas,
o que costumamos chamar de complexo.
Foram muitas as descobertas, espantos, amizades e inimizades que
plantei e colhi, ou colhi mesmo sem plantar, ali.
Mas escrevo para falar
de dois moleques, melhor, dois jovens rapazes que sempre apanhavam meu ônibus
para irem até a praia das Flechas, em Icaraí, ou a já referida praia de
Gragoatá.
Morcego era um
daqueles que a literatura brasileira achou por bem ou por vício chamar, num de
seus antigos chavões, de negro retinto. Tinha o rosto largo, e lábios grossos e
vermelhos, contrastando com a pele muito negra. Um rapaz medroso, que ao
contrário da maioria dos demais de sua idade, comunidade e contexto, jamais enveredaria
pelo crime, apenas porque... era muito medroso. Simples assim.
Sinistro... Sinistro
era uma singularidade. Era um jovem baixo, de compleição um pouco forte, com
peitoral de nadador sempre à mostra, independente do clima e das circunstâncias.
Onde fosse, lá ia Sinistro, sem camisa e chinelos, apenas de bermuda ou
chortão, com um sorriso indefectível nos lábios. Sim, Sinistro, invencível,
sempre sorria. Era um zen, uma anomalia de paz transitando na favela, na cidade
(quando aventurava-se), nas praias das Flexas e Gragoatá. Sinistro era
deficiente mental, e meus nulos conhecimentos de psicologia impedem-me de
referir o problema (a mim,
anarco-cristão tardio, me pareceu sempre mais uma solução) que ele carregava.
Meu outro passageiro,
o Morcego, era um refém da normalidade, um como eu e você, portador da velha
cruz estacionária cujos quatro braços são a repetição, o enfado, a aceitação e
o auto-engano.
Por diversas vezes
falei de Jesus para Morcego. “Aquele que invocar o nome do Senhor será salvo.”
– E se um bandido
levar um tiro e na hora que tiver morrendo invocar o nome do Senhor, ele vai
pro céu?
– Se ele crer que
Jesus é Deus e morreu em seu lugar, para o perdoar e salvar, ele será salvo.
– Assim é mole.
– A salvação é um presente, Morcego. Se
fôssemos comprá-la, nenhum homem poderia pagar o preço. Ela só poderia ser
dada.
Espero que ele tenha
invocado o Senhor no momento propício.
Mas agora voltemos a
Sinistro, e ao fundamento deste relato. Sinistro não era de muita conversa. Ele
vinha, pedia para passar por baixo da roleta, com seu sorriso impassível. Eu
sorria de volta e dizia, “vai lá, Sinistro.” Sentava-se, colocava a cara na
janela e não falava mais. Na volta me esperava (pois aprendera por tentativa e
erro que comigo a carona era certa), e eu perguntava:
– Como estava a praia,
Sinistro?
– Boa – pois sempre
estava boa.
O Louco é um
privilegiado dentro do Absurdo. Saco de pancadas, lixo do panteão reverso
humano, a ele é concedida a salvação direta. Incapaz de avaliar, como seria
julgado? Incapaz de crer ou plenamente capaz, pois são os dois extremos do
mesmo e tensionado arco, não estará justificado, como as crianças pequeninas de
que é feito o reino dos céus?
Mas o trágico tece os homens, como fiandeiro
da Realidade que é. Certo dia, retornando da praia em meu ônibus, Sinistro e
Morcego descansavam os corpos cheios da tão carioca lombeira, exauridos e felizes em sua silenciosa fraternidade.
Ônibus vazio. No ponto próximo ao Plaza Shopping, subiram seis camaradas, cinco
‘conhecidos’ da favela e um outro que eu jamais vira, talvez do morro do
Estado, que fica ali nas adjacências, quase contíguo ao luxuoso Shopping, e é
dominado pela mesma Facção que o bairro das Palmeiras. Bandidos, claro.
Sentaram-se espalhados pelo carro, e tudo ia bem. Mas eis o trágico levantando
impudicamente suas saias: um bloqueio policial, uma blitz na Alameda São
Boaventura, a menos de um quilômetro do ponto final, logo antes de entrarmos no
bairro. Foi tudo muito rápido, um dos malandros percebeu o bloqueio à frente,
“e a bolsa, e a bolsa?!?”, perguntou para os demais. Colocaram-na sob o banco,
no chão. Os policiais sinalizaram para o motorista, o ônibus encostou. Os caras
desesperaram-se, um deles pegou a bolsa e jogou para Sinistro,
– Segura aí menor, se
perguntarem diz que é seu.
Morcego esboçou uma
reação, – não, não, segura aí vocês, querem ferrar a gente?
– Segura aí menor, se
piar vai apanhar na favela!
Morcego silenciou. Eu
percebi a cena, os malandros estavam tensos, olhos esbugalhados. Eu também
silenciei.
Os policiais vieram
revistando um por um. Chegaram em Sinistro. Pediram-no para abrir a mochila,
ele não conseguiu, apenas ria e silenciava, aquele silêncio de Jesus frente a
Pilatos. O policial falou alguns palavrões, apanhou a bolsa, abriu, uma arma e
muitos papelotes.
– Isso é seu? Isso é
seu???
Sinistro sorria. O
policial deu-lhe um murro na cara. Eu não suportei,
– Ele é especial, é
maluco. – Um dos malandros, que estava em pé, olhou-me de soslaio.
– Eles estão com você?
– perguntou a Sinistro.
Sinistro abriu a boca
para falar inocentemente a verdade:
– Eles não. Tamo só eu
e ele – e apontou para Morcego.
Morcego passou a
tremer e gaguejar, – eu não eu não eu não – mas não denunciou os marginais. A
polícia desconfiou de algo, levou três dos malandros e mais Sinistro e Morcego.
Outros três conseguiram se safar, fingindo, claro, estarem separados. O ônibus
seguiu viagem.
Minha covardia perdeu
poder, eu não me contive.
– Vocês são muito
filhos-da-####, hein, ferraram o moleque, sabendo que ele é deficiente!
Um deles sabia que eu
era crente:
– Que isso irmão, tá
nervoso? Ele é de menor, vai sair hoje mesmo.
* * *
Não tive mais notícias
de toda aquela desgraça até dois dias depois.
Dois dias que o Espírito Santo fez com que fossem longos, distendidos
dias de vergonha e arrependimento. Então encontrei Morcego na padaria, ponto
final do ônibus.
– Sinistro ficou
agarrado, e os três caras também. Eu consegui sair.
– Mas Sinistro não é
de menor?
– Não, ele já tinha
dezoito anos.
Dissolvido em sua
alienação, sequer tivera tempo de envelhecer: aparentava quinze anos.
Nos dias seguintes
tudo se esclareceu: os policiais não acreditaram em Morcego, mas o liberaram,
pois possuía apenas dezesseis, e os marginais resolveram ‘inocentá-lo’.
Sinistro não teve a mesma sorte: eles precisavam de um bode, de um bucha.
Atestada sua demência, Sinistro foi transferido para o Hospital Psiquiátrico de
Jurujuba, em Niterói.
Com uma semana que
Sinistro havia sido preso, e três dias depois de transferido para o hospício,
sua família foi visitá-lo. Morcego quis ir junto.
Ao retornar, Morcego
trazia transtornos e constatações em suas fragilizadas asas. Transtornos por
ver o amigo, a própria encarnação da paz, ferido e sedado, transfeito de
sorridente monge zen em patético e pálido zumbi. E a constatação maior, geral:
era possível resgatá-lo. A segurança era baixa, nada comparado à cadeia de
verdade.
Nos dias seguintes, o
covarde Morcego iniciou uma cruzada na favela. O objetivo de sua pregação:
convencer o ‘dono’ do morro, Simiano, que não gostara de saber o que seus
subordinados haviam feito, a resgatar Sinistro. Isso mesmo: o covarde Morcego,
que temia tiros e pancadas da polícia, tinha um plano e buscava homens de
verdade para realizá-lo.
Um dia ele veio falar
comigo. Falou dos sofrimentos de Sinistro. Em seus olhos de culpa, espelhei
minha culpa: seu silêncio no momento capital fora também meu silêncio, sua
lendária covardia não fora menor que a minha, eu, o muito crente e muito homem
e muito culto cobrador do carro 110 da linha 24, que não abaixava a cabeça pra
ninguém. Mentalmente eu vislumbrava o sorriso de Sinistro, eu contemplava a sua
paz, e eu senti então, aos vinte e cinco anos, o que Judas sentiu depois do
beijo. Eu me ofereci para tomar parte no resgate, ofereci meu braço, minha
mente. “Perdoe-me, Jesus. Eu preciso desfazer a merda que eu fiz.”
Um dia depois Morcego
intimou-me: o patrão sabia que eu desejava tomar parte na empreitada, e
‘mandava’ que eu fosse ao morro, após largar do serviço. Trabalhava no turno da
tarde, das 12:00 às 19:00. Às 20:00, estava no alto do morro, onde nunca havia
subido. A mãe de Sinistro também estava lá. Tive estranhas sensações, não sabia
se orava ou se me rebelava, mesmo que numa micro-rebelião, tentando inútil e
miseravelmente deixar Deus ‘de fora’ daquilo.
No dia seguinte,
Sammis, o branco com cara de bobo ou de cidadão respeitável iria ao hospício,
avaliar o cenário. Quem suspeitaria?
* * *
No dia da ação, todos
iriam armados. Ainda segundo o plano traçado no alto do morro, utilizaríamos
três carros (certamente roubados; eu já não queria saber ou me informar, como
se minha falseada inocência fosse diminuir-me a pena na contagem de meus
pecados). O teatro da ação seria uma das áreas mais nobres de Niterói. O próprio
hospício ficava defronte ao mar. Localizado no bairro de Charitas, ladeado
pelos bairros de São Francisco, de um lado, e Jurujuba do outro, que é um
bairro sem saída, estendido sobre o mar em forma de istmo. Fugiríamos então via
São Francisco. Faríamos uma troca de veículos dentro do túnel Raúl Veiga, que
por sua vez liga o bairro de São Francisco a Icaraí, por onde se daria nossa
fuga em direção ao bairro das Palmeiras.
A ideia da troca de veículo foi minha, era fácil fechar o túnel ou
armar barreiras do outro lado, em caso de alguém alertar a polícia. E do outro
lado do túnel, a míseros quatrocentos metros, estava exatamente a 77º DP.
Próximo ao Hospício ficava a 79º DP. A realizar-se o pior, teríamos um terrível
cenário, digno daqueles ridículos filmes de ação americanos e suas batalhas
assimétricas, de um contra cem, um contra mil, pois seriam muitos policiais
mobilizados em curto espaço de tempo. Só que, ao contrário dos filmes, ali as
balas seriam letais, fundidas no rude metal da realidade, e a garra do destino
estaria em nossos pescoços. Satanás sorria enquanto varria o salão para o
grande baile, feliz em saber da presença de um convidado especial, um ‘crente’
se não desviado de direito, já desviado de fato. Ou já prestes.
No dia decidido eu e
mais dois rapazes da boca entramos no hospício, a título de levar uma doação
para os internos. Eu e minhas malditas ideias. Não era hora de visitações, mas
a mãe de Sinistro já estava lá: a estória era que ela estava com câncer, com
prognóstico de poucos meses de vida, e precisava ver o filho antes de uma
cirurgia arriscada. Sim, eu tinha imaginação. Ela se encarregaria de levá-lo
para fora do edifício, para o pátio, onde conversaria com ele. Nós simplesmente
renderíamos os dois guardas do portão, e faríamos a extração do paciente, para
a van que aguardava do lado de fora. Morcego estava no calçadão da praia, quase
em frente à 79º DP, para vigiar a movimentação policial. Jô, um dos enviados de
Simiano, estava próximo à 77º DP, onde aguardava o momento de fechar com um
carro a estreita rua Dr. Carlos Halfeld, que fica ao lado da 77º, dificultando
assim o acesso dos policiais à Rua Roberto Silveira, por onde dar-se-ia nossa
fuga. Os policiais não seriam impedidos, mas ao menos atrasados. Embora a rua
fosse tão próxima que poderiam simplesmente ir a pé. Mas a ideia era atrasar
seus veículos, em caso de perseguição.
Como já referi,
Sinistro só andava sem camisa. Sol quente ou dia frio, lá ia ele, de peito nu
impávido como um andorinhão. No hospício foi obrigado a andar no padrão,
uniforme de bermuda longa e uma camisa verde de grosso tecido.
Ao ganharmos a rua, a
primeira coisa que ele fez (acreditei que só então entendendo e assimilando a
libertação em processo), foi arrancar a camisa. Como um Adão que, em sublime
transcendência, tornasse à inocência, ao estado de luminoso torpor que é a
graça.
De acordo com a
cosmovisão de cada homem, ou a corcunda que cada um traz no entendimento, ele
poderia ser visto como um deficiente, um sub-humano, um indivíduo sempre
carente de cuidados; para outros entendimentos, dissonantes do massivo coro,
era um super-cara, um liberto sem luta e sem trauma, um pacificado, ou numa
melhor palavra, um transcendente. Li livros demais em minha vida; se não
pudesse reconhecer um transcendente, e se não estivesse apto para reconhecer
uma causa, um motivo, um sentido, não seria um cristão.
Quando prestes a
entrarmos na van, os tiros caíram sobre nós. Um dos caras da boca, que segurava
aberta a porta para que entrássemos no veículo, foi o primeiro alvejado. Os
tiros vinham de dentro do hospício: algum segurança interno miseravelmente
percebera a ação. Talvez passasse próximo à portaria no momento. O outro rapaz
sacou a arma e começou a disparar. Um carro da polícia vinha trafegando em
direção aonde fugiríamos; ouviram o som dos disparos. Ligaram a sirene. Do
outro lado da rua, na calçada do canteiro central, em posição à boa distância
por trás da viatura, Morcego sacou a pistola com que nunca atirara e começou a
disparar contra o veículo. O outro rapaz da boca disparava contra o segurança
do hospício, enquanto eu me dividia entre colocar o rapaz ferido dentro da van
e tentar impedir o que atirava, pois havia diversas pessoas no pátio. Ao
perceber que, mesmo à distância, a polícia começara a disparar, o terceiro
elemento, ao volante da van, simplesmente acelerou e partiu com o veículo. Cão.
O segurança do hospício parou de disparar, seu 38 deve ter ficado sem balas. A
viatura, agora parada há alguns metros na estrada, disparava contra Morcego e
contra nós. Morcego, atingido, largou a pistola, atravessando a rua e correndo
em direção à praia.
Sinistro, que até
então ficara estático, sem entender a violência célere dos acontecimentos, ao
ouvir o grito de seu amigo e vê-lo fugindo, correu atrás dele. Foi somente
então que saquei a arma que me fora emprestada no morro. Disparei contra os
policiais da viatura, para cobrir a fuga de Morcego e Sinistro em direção ao
mar. Estávamos em campo aberto, o rapaz que ficara comigo gritava:
– Babou, babou irmão,
a casa caiu, vombora!
Correu em direção
contrária, me deixando só, como um dos alvos dos disparos da polícia, que fazia
fogo também contra as costas de dois anjos de pó que fugiam sem saber de que,
sem saber para onde.
É assustador, e se
Deus não estava ali, foi a pura eficácia do mal: atingi dois dos três
policiais, enquanto o terceiro ficou em posição inalcançável, atrás da viatura.
Com o tiroteio, o trânsito nas duas mãos da via havia parado, mas outra viatura
se aproximava, dessa vez da Polícia Civil, avançando dividida entre a calçada e
o acostamento. Quem mandou bolar um resgate a quinhentos metros de uma
delegacia? Corri em direção à outra mão, em direção ao mar. Outros policiais,
esses militares, vinham já correndo pelo calçadão em direção a Morcego e
Sinistro, que entraram na água. Os policiais dispararam. Disparei contra eles,
a 14ª e última bala da pistola se foi sem encontrar carne alguma. Não havia
carregador sobressalente, não pensamos que seria necessário. Atiraram contra
mim, abaixei-me, levantei as mãos, estava cercado pelos dois lados.
Pude ver quando um
deles, disparando sem parar, atingiu Sinistro, pois ele imediatamente afundou.
Morcego, ferido no ombro, já havia sumido no mar calmo da praia de Charitas.
Depois de receber o
soco na cara e os chutes, fui colocado numa viatura, a mesma que ajudara a
perfurar com minhas balas, balas certeiras demais para um amador. Atingira um na mão, e ele agora, em pé ao
lado da viatura, me olhava com olhos prenhes de ódio; o outro estava vivo, mas
estendido no chão.
Suado, sozinho, ferido
e empapado pelo sangue que meu nariz vertia, como Bonhoeffer conspirando para
matar Hitler, fiz-me a pergunta retórica fundamental, por isso talvez não-retórica:
os fins justificam os meios? Não, a não ser que seja pelo bem supremo. E a
Redenção é o fim, o bem supremo, a equalização do caos.
Sinistro alcançou o fim pelo qual tudo no Universo digladia-se, de
quarks até galáxias, passando pelo Homem de pó: Redenção. Pois redenção é o
amor em ação, é a sua perfeita práxis.
Adeus, Sinistro.
Primeiramente teu é o Reino dos céus.
Confúcio diz que
virtude é realização. Amigos até a morte, que, impotente para separá-los,
uniu-os, ambos afogaram-se na virtude, realizaram-se.
De Morcego, espero que
ele tenha invocado o Senhor no momento propício.
* * *
Hoje estou preso na
carceragem da 76º DP, em Neves, São Gonçalo. Há irmãos aqui, fazemos cultos,
dou aulas de rudimentos de teologia, filosofia, história, repasso o que
acumulei.
Outro dia um dos
irmãos, Aloísio, viu-me rabiscando algo na página de guarda de um livro. É um
homem humilde, mas entendeu que tratava-se de uma rota, um plano. Depois,
durante o banho de sol ele se aproximou e bastante sem jeito me perguntou se eu
iria fugir.
- Lutei para desfazer
uma injustiça, que os homens e as circunstâncias jamais desfariam a tempo; não
tenho parte com leis injustas. Se há um maquinário, um sistema disposto a
oprimir, de minha parte estou disposto a resistir-lhe, a ir contra a chibata.
Sim, pretendo sair daqui.
Estávamos sentados no
chão, de cabeças baixas, recostados numa parede cuja umidade o calor do sol,
com toda a sua inclemência e seu chicotear, era impotente para eliminar.
Aloísio abaixou ainda mais a cabeça, entre escandalizado e confuso. Observando o espanto incrédulo por trás de
sua face humilde, um flash obscuro me fez pensar se eu estaria ensandecido.
Mas, espasmo de luz que era, desfez-se.
Ficamos em silêncio;
ele ruminaria as informações que se contradiziam em sua cosmovisão, sua corcunda.
Agora era ele e Deus. Não sei qual foi seu crime, em quais linhas do destino
ele embaraçou-se ou foi embaraçado. Mas se for inocente, o levarei comigo na
fuga. Deus proverá.
De O Pequeno Livro dos Mortos (Ed. Letras e Versos, 2015). Para adquirir seu exemplar, escreva para: sreachers@gmail.com
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