sábado, 16 de janeiro de 2016

OS DESENHADORES DE CAVERNAS




“Na caverna um bisonte deslumbrado”
António Ramos Rosa


Um bisonte não se conteve nos olhos
Do homem da caverna e deslumbrou
O coração da pedra, na caverna resistiu
A terramotos, a mundos submersos,  gerações
De outros homens,  e resiste ainda
Suspenso do jogo
Das metáforas vindouras.

10-01-2016

©  João Tomaz Parreira 

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

AUSÊNCIA



Vamos chamar-lhe Penélope. Quem eleva
A voz mais alto que o canto das sereias
Nos ouvidos de Ulisses,  a que enlaça os fios
Do dia nos seus dedos e à noite
Desentrança, quem ao sol aquece o sangue
Bom condutor da vida, a olhar o ar
O real espaço do Egeu, vasto túmulo de ausências
Vamos chamar-lhe Penélope. 
A que ama a esperar.


14-01-2016
© João Tomaz Parreira 

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

CARTA DE ALFORRIA


vai, escravo buscar a carta da tua alforria
o teu passo ainda hesita, estará a carta pronta, quem
a assinará? quantas folhas a compõem? de que árvore?
vai o pensamento à frente e o passo

vai confessante as palavras depositadas no selo
escarlate que identifica o senhor
é a garantia do que a mão espera apreender:
a carta
lustral que torna eficaz a alforria
a declara inscrita nos céus, riscada por um cometa
escarlate do sangue do escravo

o teu sangue, escravo, com ele
for riscado um tapete
que os teus pés pisam
e os fere em brasa
como se fosse uma punição
por uma culpa qualquer que é só tua
a culpa de querer a alforria

mas fizeram-te a promessa,
e esse escarlate é agora
os sapatos da corrida
que tu encetas, pois acelera, vai,
cessa de prender o passo no chão
das hesitações
para trás das costas ficaram os chicotes
vai, escravo, transpostos os estratos do sonho
vai de cabeça alta e pernas firmes
como cedro do Líbano
buscar a carta da tua alforria

Rui Miguel Duarte
12/01/2016

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

ORAÇÃO FEITA PARA UM ESPELHO


(Lc 18:11-12)

Graças te dou, a Ti, que estás desse lado
porque não sou como os outros, A minha ganância
é comedida,  A minha  justiça é de pedra
Não sou adúltero, A não ser comigo mesmo
e com a minha beleza, Jejuo
para fazer compreender ao pobre que a fome
nos disciplina o corpo, Dou o dízimo de tudo
dos meus dez dedos, um
é teu e serve para apontar o erro alheio, Dos outros
não há ninguém que não seja publicano.

29-12-2015


© João Tomaz Parreira 

sábado, 26 de dezembro de 2015

REPOUSO

Si l'enfant repose,
Un ange tout rose,
Que la nuit seul on peut voir,
Viendra lui dire "bonsoir!"

Marceline Desbordes Valmore (1786-1859)

Ao menino que dorme
um anjo cobre e faz sombra
as asas trazem a estrela e depositam-na
no berço que não te alenta

cobre com as alturas dos hosanas
o rugido dos leões e o silvo das espadas
dos inimigos que arrefecem o ar
com ameaças de morte ao menino

vem aquietar o coração dos pais
dizer-lhes que a noite é amiga
nela se aperfeiçoam os perfumes
que nos chegam na viragem do dia

dorme bem — diz — menino,
hosana, repousa dos trabalhos,
depois do morticínio
estenderão as tuas mãos a paz

Rui Miguel Duarte
24/12/15

domingo, 20 de dezembro de 2015

MANUSCRITO NA PÁG. 54 DE “ DESPEÇO-ME DA TERRA DA ALEGRIA”, RUY BELO, 1978






 « CAEM  ANJOS NO PRIMEIRO NATAL


Caem anjos no primeiro Natal
do mundo, são as palavras
lançadas no escuro,
são as palavras[os cantos] no céu mudo.

Os primeiros anjos a desviar
os pastores dos seus rebanhos
deslocaram para a noite
o seu [azul] branco profundo

Eu estava com [os] meus cabelos
no sono, contava no vento
[meus] os frágeis cordeiros

Tu nascias guardado pelos primeiros
anjos, não era Dezembro
era o tempo inteiro [verdadeiro].


Lisboa  20.5.96 »


©João Tomaz Parreira

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

DEUS MEU, POR QUE ME ABANDONASTE?



“Todavia ao Senhor agradou moê-lo, fazendo-o enfermar”
Isaías, 53,10


Não foi um grito porque o corpo estava enfermo
Quando  muito um grito exausto,  todo o universo
Todavia estremeceu. Nem um ressentimento
O Teu Filho teve, um queixume de quem sofre
As dores da alma. Por que O abandonaste?
Ele que morria pela Tua humanidade.
Que palavras mais humanas, sem harpas a tanger
Hinos no vento, um salmo apenas
nos lábios feridos pela sede angustiada.

01-12-2015

©  João Tomaz Parreira 
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