terça-feira, 22 de março de 2022

Vozes Poéticas dos Morros Garapenses - Antologia poética

 


A APA (Área de Proteção Ambiental) dos Morros Garapenses, situada no Maranhão, surgiu a partir de luta. De dias e noites de luta e mobilização de um grupo de cidadãos, ambientalistas e entusiastas do município de Duque Bacelar. A mobilização popular em proteção às matas de cocais e cerrado maranhenses, e ainda a um dos maiores sítios paleobotânicos do Brasil, logrou sucesso contra as forças do latifúndio e do agronégócio.

Abrangendo - no todo ou em partes - os municípios de Duque Bacelar, Coelho Neto, Buriti e Afonso Cunha, desde seu surgimento em 2008 a APA logo tornou-se exemplo de mobilização e conquista para outros ativistas no estado e fora dele. 

Meu amigo Francisco Carlos Machado foi um dos ativistas de primeira hora, que doaram seu esforço ao sonho, até vê-lo materializado. Literato e pesquisador, a proposta - holística pela própria natureza - de vida e missão de Francisco, acabaram levando-o à realização de uma antologia poética reunindo a produção de autores dos municípios da APA. Mas, vejamos como isso se deu. 

Em eventos culturais regionais, nos quais autografava alguns de seus livros, Francisco Carlos foi tomando contato com poetas locais, poetas cuja produção tinha poucos ou mesmo nenhuns espaços de veiculação; a ideia de congregá-los então surgiu e logo maturou. Vislumbrada a meta, o poeta lançou-se em pesquisa, vasculhando bibliografias e indo diretamente ao encontro dos autores ou seus descendentes, em visitas que renderam - além de informações e textos - horas profícuas e aprazíveis de conversas, regadas a café, saudosismo e à fantástica hospitalidade tão comum nos interiores do Norte e Nordeste.

Reunindo poemas de nada menos de 28 autores, enriquecida com fotos e biografia, a obra recebeu fina edição pela EDUFMA (Editora da universidade Federal do Maranhão).

Abaixo, alguns poemas do livro.


BURITI

 

Lili Lago

 

Recordo-me de ti, ó minha terra,

das gostosas tiquiras que aí tem.

Das festas do sertão, da linda serra

e dos buritizais belos também.

Recordo-me de ti, ó minha terra,

o que o carro-de-boi cantando vem,

a beleza que o rio do Morro encerra

e das caboclas que eu tanto quis bem.

 

Saudades tenho da pinga de cana,

do Bumba-Boi, das noites de São João

e da pomposa festa de Sant'Ana.

 

Recordo o arroz gostoso com piqui,

e não posso esquecer no coração

o teu nome, querido Buriti.

 

e diviso também os juçarais

cobertos de beleza e de poesia.

 

Com estridente canto matutino,

a cigarra desperta a soledade.

Um sabiá entoa bonito hino

com notas de tristeza e saudade.

 

Do lado do nascente, bem ao longe,

ouve-se o soluçar da juriti.

Um sino pelas mãos de velho monge

plange lá na Matriz de Buriti.

 

 

Mal-de-vina

 

Bill de Jesus

 

É de manhã...

Um grito de menino soa pelas tantas,

que despertando o caminho pirento,

vive uma sinfonia dolorosa.

 

O sol espalha-se encontrando o homem da casa

que já está muito cedo na boca do igapé,

arrastando a rede,

e de lá retirando o sustento do pão do meio-dia.

 

Lá na esquina, a música de Bartor Galeno

estraçalha corações de mariposa

que não foram felizes na calada da noite

e amanheceram no desespero.

 

- Chorei! Ah, como eu chorei, Maria!

Por culpa da vontade louca pelo orgasmo,

enganada na expressão,

- Até quando Deus quiser!

Carregando na barriga mais um do povo.

 

Na cozinha! (já quase meio dia),

O cachorro pirento vive uma sinfonia dolorosa

(desta vez, lenta e triste);

Nas pedras, uma panela repousa

calejada pelo tempo,

na espera seca como as palhas das paredes,

a peixada magra na água e sal.

 

E a cara do verminoso!

Como panos surrados no varal. Poídos?

Todos. Da lavagem do Mearim quase morto,

que sabe só e guarda com tanto segredo

as mágoas dessa gente.

 

E você!

Parado aí, nessa almofada mofada de peidos,

com a garganta presa na gravata

que te impõe e delega podres poderes

nesta cidade apagada de “Das graças”.

 

E que te impede de ser gente?

Nada! Apenas o conformismo.

 

 

Baião do Moacir

 

Moacir Viana

 

Já fui lavrador, fui soldado.

balconista e fui vaqueiro.

Agora vereador, ganhando

pouco dinheiro.

 

Meu mundo é diferente

não faço parte de nada.

E vou levando pra frente tudo

aquilo que me agrada.

 

Meu Duque, minha terra

amada de bom clima

Deus que me deu de presente

o mundo cheio de rima.

 

Este baião é um presente

presente de despedida.

Sei muito bem minha gente

que nunca fui nada na vida.

 

Não tenho letra profunda

para entrar na academia

Meus versos ficam no mundo

sem nem uma valia

 

Se dona vida quiser

conversar com minha alegria.

É só me dar a valer: velhice,

amor e poesia.

 

 

ABC Político

 

José Machado

 

ABC...

O papel está na máquina.

A política, na rua, nos bares,

Nos becos, nos lares.

No céu de quem merece,

No pé de que padece.

A política existe,

Mas a politicalha persiste

Não se sabe até quando.

O povo não canta

E nem sempre se espanta.

A esperança esmorece

E outra vez se padece.

Hoje é sábado; amanhã, domingo;

Depois, segunda, terça, quarta,

Quinta, sexta e novamente

Sábado.

Agora é janeiro.

E lá vem fevereiro, março, abril,

Outubro, novembro, dezembro...

E novamente março...

Mormaço. Maranhão. Cansaço

De tanta repetição

De tantos filhos pródigos,

De tantos filhos da puta.

 

 

Solidão Poética

 

Chico Murici

 

Queria encontrar companheiros

Para não cantar sozinho.

Não encontrei nem o pobre, nem o rico,

Nem homem culto, nem o filho do vizinho.

Como não encontrei ninguém

Cantei com os passarinhos.

 

Ação de Graças

 

Maria de Lurdes Bacelar Viana

 

A graça do Senhor em mim plantada

- semente benfazeja e generosa –

 

Se não me faz da vida um mar de rosa

dá-me força e vigor na caminhada.

 

Tu sempre me amparaste, meu Jesus.

E eu sempre me apoiei no teu regaço.

É contigo, ao calor do teu abraço,

que venho carregando a minha cruz.

 

Benção, favores, tantos e abundantes,

que dão sentido novo à minha vida,

Presentes sempre, em todos os instantes,

mostram-me o rumo certo na partida.

 

Mas de todos os dons que Tu me emprestas,

das graças que recebo com fervor,

aquele que mais me deixa a alma em festas

é o dom de amar, Senhor.

 

Pode amar a tua Criação.

E através dela amar a criatura.

Abrir de par em par o coração

num extravasamento de ternura.

 

Amar a vida, que é bela,

o céu, sol, o luar.

Amar até a procela

que encrespa as ondas do mar.

 

Amar a flor, na beleza

da sua policromia.

Amar toda a natureza

em perfeita sintonia.

 

Também a ave canora,

a fonte que rumoreja,

- A vida, onde quer que esteja

a Tua mão criadora.

 

Amar assim a toda a Humanidade:

em cada ser humano ver o irmão

- Meu próximo, a quem devo caridade,

a quem devo acolher com devoção.

 

Amar, servir a essa Humanidade

de alma aberta e coração contrito.

Num sentimento de fraternidade:

- levar o meu amor ao infinito.

 

E, dando cumprimento ao teu preceito

firmado na divina lei do Amor,

eu quero meu amor seja perfeito:

- eu quero amar, Senhor.

 

Eis que me vejo ao fim desta jornada,

sentimento que transpus a encruzilhada

- E parto rumo a ti.

Se deparei tropeços no caminho,

não me faltou jamais o teu carinho.

- Então, sobrevivi.

 

Agora só te peço que me faças

amar-te num total desprendimento.

E deixa-me entoar neste momento

meu canto de Ação de Graças.

 

 

Angústia

 

Vilmar Machado

 

Deus! É tão triste o meu penar de crente.

Deus! Escuta a dor que sempre me envolveu,

Eu creio em tua grandeza cegamente,

Procuro obedecer aos mandamentos teus.

 

Perdoa-me, Senhor, se ouso confessar

um desejo de não mais crer no teu amor.

Quantas vezes, Senhor, me vistes soluçar

uma dúvida cruel que me abraçou

e de mim se apoderou.

 

Tudo aconteceu quando naquele dia

deixando doente mamãe, na capela em oração.

Saúde pra mamãe chorando eu te pedia.

Porém, ela já estava morta quando eu voltei.

 

Chorei desiludida, saudade, solidão.

Não entendi por que não me ouvistes.

Eu acreditei quando mamãe me disse

— “Ele sempre atende o filho que está triste.”

 

Perdoa-me, Senhor, eu sou uma pecadora.

Eu quero crer na salvação que me deste.

Morrerei tranquila se soubesse que em Ti

gozarei com ela do prazer celeste.

 

Senhor, eu reconheço a minha dor.

Sei também o quanto padecestes.

Mas a dor de órfão não sentistes nunca.

Pois foi nos braços de mãe que Tu morrestes.


2 comentários:

  1. Grato, Sammis Richard, pela atenção dada a Vozes Poéticas dos Morros Garapenses.
    Foi gratificante elabora - lá, tendo sido mais ainda colhido os frutos que são o dar vozes aos nossos poetas e escitores regionais.

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