sábado, 23 de janeiro de 2021

Albert Schweitzer: Mausche, o judeu

 


Uma experiência capital na infância. Um judeu da aldeia vizinha, chamado Mausche, negociante em gado e terras, vez por outra passava por Günsbach com sua carroça puxada a burro. Não havia então um único morador judeu em nossa cidadezinha, o que tornava cada visita de Mausche um acontecimento para a garotada que corria atrás dele e zombava. Para provar que já começava a sentir-me adulto, certo dia fui participar dessas brincadeiras, embora não atinasse propriamente com o sentido delas. Assim, juntamente com os outros, corria atrás do homem e do seu burrico, gritando: - Mausche! Mausche! Os mais atrevidos dobravam a ponta do avental ou do paletó para formar uma orelha de porco e pulavam até junto dele. Assim o perseguimos até fora da aldeia. Mausche, porém, com suas sardas e a barba grisalha, caminhava tão imperturbável quanto o burrico, voltando-se de quando em quando para trás e sorrindo, encabulado e bondoso. Esse sorriso deixou-me subjugado. Desse Mausche aprendi pela primeira vez o que significa manter-se calado em meio à perseguição. Tornou-se para mim um grande educador. A partir dali, saudava-o cheio de respeito. Mais tarde, no tempo do ginásio, adquiri o hábito de dar-lhe a mão e andar com ele um pedaço de caminho. Mausche nunca soube o quanto significou para mim. Diziam dele ser usurário e retalhador de terras. Nunca tratei de averiguá-lo. Continuou sendo para mim o Mausche do sorriso que perdoa, e até hoje sugere-me paciência quando tenho ímpetos de enfurecer-me.

in Minha Vida e Minhas Ideias


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