segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Para tempos de ecocídio, Castro Alves: A QUEIMADA


A QUEIMADA

MEU NOBRE perdigueiro! vem comigo.
Vamos a sós, meu corajoso amigo,
Pelos ermos vagar!
Vamos lá dos gerais, que o vento açoita,
Dos verdes capinais n'agreste moita
A perdiz levantar!...

Mas não!... Pousa a cabeça em meus joelhos...
Aqui, meu cão!... Já de listrões vermelhos
O céu se iluminou.
Eis súbito da barra do ocidente,
Doudo, rubro, veloz, incandescente,
O incêndio que acordou!

A floresta rugindo as comas curva...
As asas foscas o gavião recurva,
Espantado a gritar.
O estampido estupendo das queimadas
Se enrola de quebradas em quebradas,
Galopando no ar.

E a chama lavra qual jiboia informe,
Que, no espaço vibrando a cauda enorme,
Ferra os dentes no chão...
Nas rubras roscas estortega as matas...,
Que espadanam o sangue das cascatas
Do roto coração!...

O incêndio — leão ruivo, ensanguentado,
A juba, a crina atira desgrenhado
Aos pampeiros dos céus!...
Travou-se o pugilato... e o cedro tomba...
Queimado..., retorcendo na hecatomba
Os braços para Deus.

A queimada! A queimada é uma fornalha!
A irara — pula; o cascavel — chocalha...
Raiva, espuma o tapir!
...E às vezes sobre o cume de um rochedo
A corça e o tigre — náufragos do medo —
Vão trêmulos se unir!

Então passa-se ali um drama augusto...
N'último ramo do pau-d'arco adusto
O jaguar se abrigou...
Mas rubro é o céu... Recresce o fogo em mares...
E após... tombam as selvas seculares...
E tudo se acabou!...

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