domingo, 6 de maio de 2012

Três poemas de Edmond Jabès



Por Ivo Barroso

O Egito produziu um grande poeta de expressão francesa: Edmond Jabès. Nascido no Cairo em 1912, teve de deixar seu país no início da II Guerra, por causa de suas origens judaicas. Com a crise do Suez em 1956, radicou-se na França no ano seguinte e em 1967 tornou-se cidadão francês. Faleceu em Paris em 1991. Em torno de sua poesia criou-se um verdadeiro cult: é hoje considerado um dos grandes poetas da língua francesa. Sua obra foi toda traduzida para o inglês por Rosmarie Waldrop e a maior parte é encontrada em espanhol e italiano. Tem um livro editado em Portugal. No Brasil, há traduções esparsas incluídas por Mário Laranjeira em Poetas da França Hoje (1945-1995), editado pela EDUSP. Outro de seus cultores brasileiros é Caio Meira, que o divulga na Internet. Jabès seria um caso semelhante ao de Apollinaire, Milosz e Cendrars não fosse o fato de sua poesia manter seus vínculos com sua terra natal: o deserto é seu tema recorrente, ao qual compara o homem em busca de si mesmo.


Canção do último menino judeu

Meu pai se enforcou na estrela,
minha mãe escorre com o rio,
minha mãe brilha,
meu pai é surdo,
na noite que me nega,
no dia que me destrói.
A pedra é leve.
O pão se assemelha ao pássaro
e eu o espreito a voar.
O sangue me cora nas faces.
Meus dentes buscam uma boca menos vazia
na terra ou na água,
no fogo.
O mundo é vermelho.
Todas as grades são lanças.
Os cavaleiros mortos galopam sempre
no meu sono e nos meus olhos.
No corpo destroçado do jardim perdido
uma rosa floriu, floriu a mão
da rosa que nunca apertarei.
Os cavaleiros da morte me levam.
Nasci para os amar.



Canção do estrangeiro

Estou à procura de um homem que não conheço,
que nunca foi tão eu-mesmo
quanto depois que o procuro. Tem meus olhos, minhas mãos
e todos os pensamentos iguais
aos destroços do tempo?
Época de mil naufrágios,
o mar deixa de ser mar,
torna-se a água gelada dos túmulos.
Mas, mais tarde, quem sabe mais tarde?
Uma menina canta recuando e a noite reina sobre as árvores,
pastora em meio das ovelhas.
Arrancai ao grão de sal a sede
que bebida alguma satisfaz.
Com as pedras, um mundo se desgasta
de ser, como eu, de parte alguma.

Chansons pour le repas de l’ogre (1943-1945)



A água

Antes, a água.
Depois, a água;
durante, sempre durante.
– Água do lago?
– Água do rio?
– Água do mar?
Nunca água sobre água.
Jamais água pela água;
mas água onde não há mais água;
mas água na memória morta da água.
Viver na morte viva
Entre a lembrança e o esquecimento da água,
Entre
A sede e a sede.
Água entre
Cerimônias.
A água se instala
e corre:
Fertilidade.
Sempre a água pela água.
Sempre água sobre água.
Abundância.
– O deserto foi minha terra.
O deserto é minha viagem, minha errância.
Sempre entre dois horizontes;
entre o horizonte e
os apelos de horizontes.
Além-fronteiras.
A areia brilha como água
Na sede inextinguível.
Tormento que a noite adormece.
Nossos passos fazem esguichar a sede.
Ausência.
– Água do lago?
– Água do rio?
– Água do mar?
Em breve há de vir a chuva
para lavar a alma dos mortos.
Deixai passar as sombras queimadas,
as manhãs das árvores sacrificadas.
Fumaça. Fumaça.

in http://www.dicta.com.br

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