Foi nomeado pela paixão do pai e fonte de sustento
da família, desde antes dele fazer parte da mesma: Hélio.
Seu pai, Airton, era vendedor de balões ou bexigas
infladas por gás hélio, aqueles bólidos flutuantes em forma de peixe, escudo do
flamengo ou cabeça do Mickey.
Aluno destaque do sexto ano do CIEP 051
Municipalizado Anita Garibaldi, em São Gonçalo/RJ, Helinho nutria carinho todo
especial pelos balões que ajudaram a nomeá-lo e a provê-lo. O menino auxiliava
o pai nos enchimentos e montagens, e sempre que podia era levado aos pontos de
venda: Rotineiramente o Campo de São Bento, em Niterói, ou eventos sazonais, um
aniversário de Itaboraí aqui, um feriado de São Gonçalo acolá, um festival de
pipas em Maricá, por trás-os-montes. O menino já conhecia toda a Região
Metropolitana do Estado do Rio.
O mesmo não ocorrera com seu predecessor em chegada
na família, Heitor, irmão mais velho. Aliciado no portão de casa, ponto de
revenda de drogas no depauperado bairro Jardim Catarina, cedo tomou o caminho
da marginalidade.
Morreu no dia primeiro do segundo ano de carreira,
a 200 metros do portão da casa do “seu Airton do Gás”; seu portão, seu pai.
Baque no sonhador Helinho, bordoada de moer menino
tenro. Notas decaíram, participação nas aulas, na igreja. Seu sangue e
companheiro de pelada no quintal, seu parceiro de PlayStation, seu incentivador
nas paqueras, seu torto herói se fora.
Na velha coleção de biografias achada por seu pai
no lixo, nas portas de um grande edifício, ao chegar pela manhazinha lá no
niteroiense Campo de São Bento, Helinho mergulhava sua solidão. Numa das
biografias, a do padre brasileiro Bartolomeu Lourenço de Gusmão, nosso primeiro
inventor e pai do balão a ar quente, um estalo.
Inspirado numa prática de produção textual que aprendera
na escola, o aluno destaque do Anita Garibaldi passou a escrever cartas;
primeiro para si mesmo, refletindo sobre sua perda. Logo as endereçava a seu
irmão. Por fim, o salto humanitário, digno de um Gusmão, uma Anita: Helinho
passou escrever ternas mensagens para pessoas que tivessem perdido alguém,
tal como ele perdera. E assim surgiram “Carta a uma mãe que perdeu um filho”,
“Carta à criança que perdeu a avó”, “Carta a quem perdeu um irmão”.
Contando brevemente sua história, Hélio contextualizava sua mensagem para
diversos leitores em potencial.
Um belo dia, tendo imprimido uma quantidade de
cópias de cada cartinha, Helinho as atou a balões inflados de hélio – não os
artísticos balões vendidos pelo pai, mas a modelos simples, como as bexigas de
festa de aniversário – e, subindo para a laje de sua humilde casa, soltou os
balões, vagões de sonho lotados de afeto, nos ares de sua São Gonçalo.
No primeiro dia foram 30. Quinze dias depois, o
menino despachava mais 15. E assim, usando de suas economias, o menino adquiria
os balões e inflava-os com os botijões de gás do pai, liberando suas mensagens
pelo ar.
Em apenas três dias depois dos primeiros
lançamentos, duas marcações no perfil do menino no Instagram apareceram. Pessoas
curiosas, que encontraram uma das mensagens, nas quais constava também o
endereço do menino, e seu perfil naquela rede social. Mas demorou 45 dias para
chegarem as primeiras cartas. Cartas de papel, como as de Helinho. Uma
mãe e uma irmã.
“Querido menino Hélio. Encontrei seu balão
pendurado nos galhos de uma árvore em Alcântara. Era de manhazinha, eu ia pro
meu trabalho nos Correios. Sua mensagem me fez chorar no ônibus, pois perdi
minha mãe há seis meses. Ainda sofro. Mas acredito que Deus usou você para me
mandar uma mensagem de conforto. Obrigado, meu filho. Não te conheço, mas você
já conquistou uma amiga.”
A segunda carta – outras viriam – era de uma
adolescente de 17 anos, Ágatha. Ela vira o balão do menino caído em seu
quintal, de tarde, ao chegar do cursinho pré-vestibular. Com a mensagem em
mãos, Ágatha entrou no quarto de seu irmão, deitou-se em sua cama e chorou. Mateus
partira ia pra um ano.
“Oie!
Me chamo Ágatha, sou moradora aqui do Vila Três, em
São Gonçalo também. Cara, sua cartinha chegou a mim, bem no meu quintal! Eu
perdi meu irmão assim como você. Meus sentimentos por sua perda.
Sua mensagem me trouxe uma alegria que não sei
expressar; era como um recado de meu irmão, dizendo para mim e minha mãe sermos
fortes, que ele está bem.
Precisei escrever para você. Ia mandar mensagem no
privado em seu perfil, mas resolvi escrever uma carta, assim como você. Minha
primeira carta. Nem sei como enviar! Mas vou no correio me informar.
Estou escrevendo essa carta na cama de meu irmão.
Minha mãe doou as coisas dele, roupas e tals, mas deixou a cama como estava.
Pra lembrar dele, sabe? Mas não sei se isso é saudável, pra nós duas. Pois
ambas choramos muito nesta cama. Já a peguei de madrugada ajoelhada aos pés da
cama dele, chorando sozinha, e dizendo ‘onde foi que eu errei?’ Mas somos
tantas famílias nessa situação...
Hélio, venho agradecer seu gesto, sua forma de
ajudar as pessoas. Você é um anjo que, não tendo asas, criou as suas com
palavras e bexigas de gás. Obrigado obrigado obrigadooooo!”
Voa, Helinho. Voa e trabalha, que faltam anjos no
mundo, e os que desistem, no lugar de uma segunda chance, são mortos a bala.
Sammis Reachers






