sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Carne e alma preta na cidade: a poesia de Pedro Marcos Pereira Lima

 


O poeta paulistano Pedro Marcos Pereira Lima é graduado em Letras, e autor dos livros Casas com Asas, No Tempo da Poesia e Palavras Crianças no Jardim de Aula.

Em sua nova obra, Pisando na Grama, o autor reúne novos e antigos poemas de sua lavra pulsante.

Marcos é carne e alma preta na cidade, irmanando-se nas dores, palavra comprometida com a dor e a vida.

Fiel a seu ofício, o autor arranca versos da insipidez da pedra, do cinzento da cidade e suas nuances, do corriqueiro que navega o dia a dia. Melhor, versos empresta, atento ao que vai sob a superfície.

E, metaliteralizando ela, a sexta arte, obtém palavra pura, poesia em ares, libertação das cadeias.

Publicado pela Desconcertos Editora, o livro pode ser adquirido AQUI.

 

Com vocês, alguns versos de Pedro Marcos Pereira Lima.


NEGRURA

                  Ao Edson Cruz,

            pelo livro Negrura

 

negrura é

agrura né?

 

palavra aguda

na grade gruda

 

por um fio

de fio em fio

 

a tessitura

da escritura

 

vai sendo escrita

na voz que grita

 

livro encarnado

de negro retrato

 

na cor das cores

a face das dores

 

o corte da cor

na coroa da corte

 

saltando da fala

da negra senzala

 

voz expandida

além da língua

 

esboça a pintura

com toda tintura

 

da dura negrura

 

 

PERGUNTA

 

por que a cor do humano

é desacordo

para a convivência?

 

 

ARQUEOLOGIA

 

do fundo de um poço

desenterro um osso

esquecido há milênios —

puxando o soneto:

 

encontro um esqueleto

roído de devaneios

o pescoço envolto

num colar, por amuleto

 

da pirâmide geométrica

dos grandes grãos de pedra

o sol espraia sombras

 

de retintos faraós

que desde sempre tombam

extintos da memória

 

 *

 

esses

que levaram

nas costas

as pedras

degraus acima —

eram deuses?...

astronautas?...

 

escravos

eram esses

 

 

LAR

 

nesse tempo cotidiano

da cidade habitada

de abandono

 

o acolhimento

encontre um espaço

nesse cimento

 

na criança ou velho

de toda idade

pelos becos da cidade

 

onde pouse

um lugar de luz

resplandeça

 

acordem os sonâmbulos

a fé ouse

o amor apareça

 

 

DIÁLOGO MONÓLOGO

 

ruídos do silêncio

falam mais do que penso —

a mudez dispenso

 

palavras amam-se

mas cuidado —

palavras tramam

 

o que é essência

pode ser excrescência

esse som enviesado

 

***

 

mas, nenhum conflito:

a barriga da alma

abriga

o corpo do espírito



SONANTE

 

deixo que os sons

me apurem os ouvidos –

 cantos de galos

e bem-te-vis em acordes

 

que os sonhos

que te mordem

te acordem

 

aqui e ali arrumo

os enganos

nos quais tropeço

e meço os danos

 

alguém me dizia:

fantasia é ilusão

utopia é esperança

 

com razão:

a poesia

é uma

criança de rua

 

e dela fisgo a inspiração

e recolho

seus sonhos mendigos

 

e trago

para que escutem

suas vozes

em risos ruidosas


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