sexta-feira, 18 de outubro de 2024

𝗩𝗮𝗽𝗼𝗿 𝗱𝗶𝗴𝗶𝘁𝗮𝗹 - Lucio Carvalho

 


Desde que o primeiro booktuber pisou no planeta, não aconteceu nada que merecesse muito registro. Apesar disso, o fenômeno prolifera e começa aqui e ali a ser estudado. Em revistas acadêmicas, o assunto aparece em vários artigos. Não sei se já foram escritas teses a respeito, afinal, como disse há poucos dias aqui, encontrar informações quanto a teses no Brasil é um caminho destinado à desventura e ao desengano.

Talvez o mais adequado fosse que o assunto fosse abordado pelos estudos em Comunicação, Mídias, Estudos Culturais, etc., como um fenômeno de massas, mas é no universo das Letras que a presença destas pessoas tem mais impactado. Dada a disseminação massiva do uso da internet não deixa de ser previsível, embora, na minha opinião, o impacto dessa exposição continuada me pareça bastante superestimado.

Assim que, futuramente, será corriqueiro encontrar na história da crítica literária os nomes de Wilson Martins, Otto Maria Carpeaux, Franklin de Oliveira, Lucia Miguel Pereira, Ligia Chiappini e tantos mais ao lado dos de Bel Rodrigues, Melina Souza, Tatiana Feltrin e etc. Será? Não temos distância, porém, considerando as aparências comunicativas, tudo indica que sim. Talvez, em profundidade e com a passagem do tempo, tudo acabe revelando-se como vapor digital. Seja como for, nada melhor que a internet na promoção do contágio entre campos e especialidades. Quem vivê-la verá.

Mas os números impressionam. Um alienígena que aqui chegasse imaginaria que não se trata de um país cujo número de leitores se mantêm em declínio constante, isso de acordo com a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, a única com uma série consistente. O número de seguidores de perfis e canais literários extrapola a casa dos milhões. Em contrapartida, o principal jornal literário brasileiro, o Rascunho, não conta com 40.000 seguidores no Instagram. As demais revistas, sites e blogues engatinham com números infantis numa internet povoada por influencers que postam (e supostamente leem) na velocidade dos guepardos.

É a facilidade do clique e a tentação da selfie, dirá aquele escritor pouco entusiasmado pelo "engajamento" digital. É tudo pseudo-literatura, asseverará aquele poeta amargurado. Seja quais forem os diagnósticos, a realidade (visível, mas intangível) é acachapante.

Não importa que na Flip um famoso da hora não venda 200 exemplares, a sensação visual do mundo instagrâmico é de apenas flamantes sucessos. Os eventos flopados não são instagramáveis, os livros lançados há dois anos nos balaios também não. As evidências de que são os livros evangélicos os grandes best-sellers desta época nem pensar. Este é um mundo estritamente positivo que devora a novidade, mas sabe-se lá que memória ele deixará num futuro que ainda precisa se fazer possível de existir.

*     *     *

Lucio Carvalho é escritor e editor. Lançou recentemente o romance Down House, 1858 (AQUI). Edita a revista literária Sepé (AQUI).



sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Sobre o livro Cartas e Retornos, por George Vinhas Gonsalves

 


Recentemente, tive uma das melhores experiências literárias da minha vida ao ler CARTAS E RETORNOS, livro de poemas de Sammis Reachers.

O vasto vocabulário empregado em uma grande variedade de temas (praça, amigo, Bíblia, café, Cristo, gatos, livro, perdão, rosa, por exemplo), muitas vezes de cunho pessoal, nos evocam lembranças e imagens que nos fazem viajar por lugares e épocas a cada página lida.
Logo no primeiro poema, “Carta à Árvore”, temos este instigante verso:
Obrigado eternamente obrigado
Por alimentar-nos
De proteção e pão
Por verdecer para que não
Ressecássemos
Nós vorazes algozes agradecemos
Por nos servir
De berço,
Púlpito
E esquife
Nos poemas que fazem referência à fé há versos preciosos, como em “Carta à Bíblia”:
Orquestra de virtuosos de pó
66 partituras em mãos
dum Espírito regente
régio & magistral
Em “Carta ao Cristo”, há algumas fascinantes letras sobre o nosso Senhor:
Conquistador em andrajos
Pétala de sangue
Amor embaraçoso
Azorrague de Deus e retardador do azorrague de Deus
[...]
Companheiro de más companhias
Nota promissória contra o fracasso
Da História
Lido por mim em um período de enfermidade e solitude os versos de Sammis me elevaram a outra dimensão. Fizeram-me sair de meu quarto e andar pela cidade encontrando carteiros, poetas, chuva e vento.
Ao colocar para o autor minhas impressões, ele me disse que o livro tem “muito de experimental” e que tentou “passar valores os mais humanos” que conseguiu. De fato, os dois aspectos saltam aos olhos ao folhearmos a obra. Mas, ainda há: a percepção de que a vida pode ser mais fascinante quando a olhamos com o coração e de que nossos temores podem ser enfrentados, afinal como escrito em uma das páginas da obra:
Do outro lado do teu medo há um palácio.

George Vinhas Gonsalves


O livro Cartas e Retornos, no formato e-book (pdf) pode ser baixado gratuitamente. CLIQUE AQUI.
O livro impresso pode ser adquirido diretamente com o autor. Escreva para sreachers@gmail.com .


terça-feira, 24 de setembro de 2024

BULUNGA: Literatura e humor em revista

 


BULUNGA é uma revista de literatura e humor de periodicidade mensal que veicula, a cada edição, contos, crônicas, entrevistas, poemas e resenhas.

Tocada pelo editor Michel Salomão, conta em suas fileiras com o combativo escritor Jorge F. Isah, amigo de longa data. E a partir da edição 33, passei a fazer parte do time de articulistas, comparecendo com duas crônicas.

Transitando pelos mais variados temas da história e do cotidiano, Bulunga consegue instigar e provocar de maneira agradável, além de municiar seus leitores com farta dose de humor, cura possível para nossos tempos conturbados.

Leia gratuitamente esta e outras edições de Bulunga no site: https://bulunga.com/


domingo, 15 de setembro de 2024

Dois poemas de Edgar Guest

 


Não poderia ser feito

 

Alguém disse que não dava pra fazer

Mas ele respondeu com um sorriso animado que talvez não desse

Mas que ele não ia ser quem isso ia dizer até ter tentado.

Ele pôs mãos à obra, e com um sorriso tranquilo,

À preocupação ele não deu vez.

Começou a cantar enquanto fazia aquilo

que “não dava pra fazer”,

E ele fez!

 

“Você nunca conseguirá!”, alguém zombou,

“Nunca ninguém conseguiu até agora”.

Mas logo o chapéu e o paletó ele tirou

e começou a trabalhar sem demora.

Com o rosto erguido e um sorriso tranquilo

sem duvidar nem mostrar flacidez,

Começou a cantar enquanto fazia aquilo

que “não dava pra fazer”,

E ele fez!

 

Há milhares que dizem que não dá pra fazer,

Milhares profetizam que não pode ser,

Há milhares pra mencionar e dizer, um por um,

os perigos que você vai correr.

Mas encare-os com um sorriso tranquilo,

Tire o paletó e comece a trabalhar;

Comece a cantar enquanto faz aquilo

que “não dá pra fazer”,

E você o fará!

 

 

“Não Desista!”

 

Quando as coisas dão errado como acontece na vida,

Quando a estrada pela qual você se arrasta parece ser só subida,

Quando os fundos são baixos e você se vê endividar

E você quer sorrir, mas só pode chorar.

Quando a preocupação nos pressiona e nos salta à vista,

Descanse se precisar, mas não desista.

 

O sucesso é o fracasso virado ao avesso —

O cinza das nuvens da dúvida e do medo;

E não dá pra dizer o quão perto você está,

Pode ser que seja aqui quando parece que é lá;

Então aguente firme quando algo lhe ferir—

Quando as coisas parecem piores é que não se deve desistir. 


Tradução de Mário Ciervo


sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Exércitos Sanguinários, de Carlos Beija-Flor: Um poema sobre o aborto

 


Exércitos Sanguinários

 

Carlos Beija-Flor

 

Ecoam pelos espaços

vozes aflitas

de aflitas crianças...

 

    São gemidos...

    É a morte ...

 

O céu toldou-se

com nuvens brancas,

com nuvens de almas.

 

Ecoam pelos espaços

vozes aflitas

de aflitas crianças...

 

— Herodes,

tu, que tudo podes,

por que foges?...

 

— Tenho as vestes manchadas

com o sangue das crianças...

Mas... sou, acaso,

o único assassino

de inocentes? —

 

— Foge, Herodes,

as crianças vêm,

aquelas, de Belém! —

Ecoam pelos espaços

vozes aflitas

de aflitas crianças...

 

... ... ... ... ...

 

    Eis, que um exército sanguinário

    ao sanguinário Herodes se une:

    São pais desalmados

    e mães desnaturadas

    de mãos inda sangrentas

    pela morte dos filhos-não-natos...

 

E Herodes, com eles se consola...

Ele, não é o pior.

Esses, os pais, mataram as crianças

ainda em flor...

 

Não toleraram que chegassem

a ver a luz do dia...

E Herodes, com eles se consola.

 

Ecoam pelos espaços

vozes aflitas

de aflitas crianças...

 

São elas as almas

de crianças-não-natas

assassinadas pelo aborto,

sem que pudessem chegar ao porto...

 

Mortas

sem que as portas

do batistério

se lhes abrissem!...

 

Eis que o exército sanguinário

do sanguinário Herodes avoluma,

são pais desalmados

e mães desnaturadas

procurando esconder

as sangrentas mãos.

 

O exército sanguinário

Avoluma... avoluma...

— agora, já são exércitos!

 

    Os exércitos sanguinários

    com Herodes, fogem, espavoridos

    pela vasta Belém do mundo...

 

    É que, pelos espaços

    as vozes aflitas

    das aflitas crianças...

    os perseguem...

 

    Ei-los, que aos atropelos

    os exércitos sanguinários

    se precipitam...

                           no abismo...

                                        infernal...


No livro Natal - Antologia natalina em verso e prosa, de Mario Garde.



Para baixar gratuitamente o livro O Aborto em Frases, Poemas e Ilustrações, CLIQUE AQUI.


segunda-feira, 19 de agosto de 2024

A melancolia no fazer poético de Álvares de Azevedo explorada por Antônio Nogueira em livro

 


O fazer poético de Álvares de Azevedo: caminhos traçados através da melancolia (Editora Dialética, 2024. 100 págs.).

A melancolia sempre sombreou a poesia e a filosofia. Musa que inspira e nêmesis de acossa, é entidade bifronte feito o deus romano Janus. Com o advento dos estrondos da tempestade e ímpeto, o movimento Sturm und Drang alemão que fundou o romantismo como o conhecemos, tal ente humano demasiado humano teve sua máscara, seu véu ou mortalha desvelada; e seus humores, daí em diante, ganharam potência viral.

Já que falamos de Roma, a melancolia cumpre papel de deusa lar, diáfana e também íntima, de quem o poeta é ao mesmo tempo altar e holocausto.

A originalidade e o individualismo trabalhados pelo Romantismo têm em Álvares de Azevedo uma figura emblemática. O amálgama de melancolia e ironia, irmanação criativa que ditaria normas em ampla parcela da literatura universal subsequente, toma Azevedo como expositor ou refém.

Melancolia, mal do século, spleen? Cedo Álvares ouviu seu chamado, uivo primeiro da noite inaugural (o amaldiçoado Dia Um fora do Éden), e cedo foi sacrificado, altar que a si mesmo se consome, execução-pela-implosão do ideal romântico, ente agônico de tempestade e ímpeto.

Neste seu O Fazer Poético de Álvares de Azevedo: Caminhos Traçados Através da Melancolia, Antônio Nogueira busca desvendar os processos e a poética de Azevedo, elencando a melancolia como eixo axial de sua pesquisa, e devassando a atitude dúplice do autor de Lira dos Vinte Anos e Noite na Taverna, seu jogo autoral onde aceita/renega sua condição de bardo romântico, seu fazer e suas influências.

Com acurado escrutínio e sob o amparo de formidável fortuna crítica, é a tal fortuna mesmo que Antônio busca e alcança expandir, como esta sua obra seminal, fruto de sua dissertação de Mestrado.

Aos leitores recomendo, não como acadêmico, mas na condição de poeta e um também fulminado pelo vírus melancólico, este aprazível estudo sobre um poeta e sua época, um tema e suas implicações que, universais que são, dizem respeito a todos nós.

Sammis Reachers

O livro está disponível no site da Editora Dialética, AQUI.


terça-feira, 13 de agosto de 2024

Sammis Reachers: Algumas frases sobre os LIVROS

 


O livro é uma ferramenta a um tempo prática e mítica: Ponte para os mundos possíveis, portal para os impossíveis.

 

Como Cristo, o livro é uma majestade que lava os pés dos que se lhe achegam, e graciosamente lhes serve a mesa.

 

O livro é um barco que te ensina a nadar.

 

Ler é encontrar melhores respostas que nos municiem na elaboração de melhores perguntas. Ou encontrar melhores perguntas.

 

Pegar um livro bem velho na estante, abrir e cheirar... É mergulhar num estranho loop de prazer, uma volta às origens (mas de quem? Minhas, como leitor dos livros velhos de meu pai? Ou as origens da literatura?). Um cheiro bem mais antigo do que eu, e que no entanto remete a mim mesmo, ao meu âmago, como se fosse o MEU próprio cheiro, ou uma parte inviolável e fundacional de meu tacanho ser.

 

Um livro de poesia é um ato de fé. Um engajamento. A ação transcendente de uma carga metafísica mais que a materialidade pronta (e nisso estacionária) de um objeto.

 

Não importa o tema ou o gênero, número de páginas e sequer o autor: um bom livro será sempre aquele que arrancar você do chão, que fundar um dia especial dentro dos dias.

 

É comum, por exemplo, eu publicar um livro hoje de manhã e já pela tarde, "entediado", abrir o arquivo de algum outro projeto e dar alguma pincelada. Costumo dizer que não publico um livro: Me livro dele. O sentimento, se é de dever cumprido, é sempre e ainda mais de libertação, de alívio. Liberto da cangalha, sinistra e imediatamente sinto sua falta: E tornamos, devagar e sempre, no ritmo já acostumado, ao trabalho de formiga.

 

Dia vem em que você vai 'abrir' um livro e ele vai pedir login. E, baseado em suas preferências globais, num sistema parecido com o que Google ou Facebook rudimentarmente usam, para direcionar-lhe propagandas personalizadas conforme seu perfil, ele vai configurar a história, 'especialmente' para você. Um livro não terá 'uma' história: um livro terá campos probabilísticos de narratividade, como eu gosto de conceituar. Espere só um pouco. Espere a inteligência artificial dar o próximo salto.

 

Os livros são as células-tronco do organismo dito Civilização. Ou um tipo de tijolo de antimatéria, usado para desconstruir prisões.

 

Um livro antigo cumpre uma dupla função: Alicerça, ainda que apenas moralmente, tanto uma biblioteca quanto o seu possuidor.

 

Além do fluxo de alimentos, o outro trânsito que nunca deve cessar numa casa é o fluxo de livros.


Sammis Reachers


 

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