Em seu mais recente livro, a autora Julia Lemos convida o leitor a um café na aconchegante, atlântica e fluvial Recife, a de concreto e a de sentimento. Ainda mesmerizados pela noite e a cidade, arrojados somos numa ponte aérea (etérea?), e aportamos (poisamos?) em Portugal, lugar da morna solidão da poeta e das paisagens azuis e ancestrais. A seguir, transcendentes na transcendência, somos lançados de encontro ao Luminoso, numa sequência de poemas sacros, feridos de sequiosa suavidade. Ao fim, a poeta, fiel ao seu ofício, transcorre o elogio daqueles poetas outros que lhe inundaram o peito.
Destes compartimentos é feito A exposição dos sóis (Penalux, 2017), magnífica obra em que o amor, flor de todas as estações, percorre seu périplo em versos intimistas, de maturidade e langor, e a poesia, lugar central dos criados à imagem do Verbo, recebe sua celebração.
Para aqueles que desejam adquirir o livro, podem entrar em contato com autora através de seu perfil de Facebook (AQUI).
Abaixo, selecionamos alguns poemas do livro.
MANGA DOCE ROSA
Cidade soturna, silenciosa
mas se você quiser há
barris de tangerinas
folharais de acerolas
ingás de veludo,
jambos vestidos do cetim
mais rubro.
Ainda outros tricotados em
feltro rosa - claro.
O sol viajando desde Singapura
projeta-se ardente
sobre lama e musgo.
Semimadames pouco vestidas
acima e abaixo da cintura
serpenteiam sobre
calçadas bordadas de
miçangas.
De um guapo suco de manga
ouço os pregões como as
únicas vozes
líricas possíveis;
Nas ruas bonitas da cidade
a vida parece abstrata,
enferma e longa.
No centro velho do Recife,
desde há séculos
a alegria torna a vida tão
intensa quanto curta.
O OFÍCIO
Escrevo pelos que estando
à frente da batalha
tiveram medo.
Carrego comigo a voz
daqueles que se
viram impedidos.
Escrevo afinal pelos
distraídos,
os ausentes, os perdidos.
Acredito que um poema se
faça necessário
naquela tarde em que as
certezas se esvaem todas
e pelas rimas pode-se ver
a história por outro prisma.
Ordinariamente escrevo com
alegria,
minhas palavras não
murcham como as flores
diante da tristeza.
Escrevo sobrepondo outra
página
num desfecho que parecia
irreversível.
COMO O PROFETA
Fez-se tarde.
e provida estou
do ouro desse dia.
Há prata,
que a noite
pulverizou por toda a
casa.
Espero as visões
que virão me despertar
nesta madrugada,
quando Deus começar
a falar comigo.
Nessa hora,
as ataduras da servidão
serão desfeitas
e cavalgarei sobre os
altos da terra
quando Ele começar a falar
comigo.
PALAVRA
Amigos me perguntam
o que é ser poeta.
Digo que é fazer
a reportagem do mistério,
romper o silêncio
além da exterioridade do dia
- que passa,
requerendo da pedra
a palavra.
Danço
na chuva
de bambolê
e sapatilhas de vidro.
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