sábado, 10 de setembro de 2022

Impressões de Julia Lemos sobre o livro Cartas e Retornos, de Sammis Reachers



 Julia Lemos

O mundo traduzido de forma enciclopédica e por um mar de signos, por causa dos neologismos, assim me pareceu ser este livro de Sammis Reachers, "Cartas e Retornos", que recebi como um presente enviado diretamente do Rio de Janeiro, onde este escritor, poeta, editor, antologista e professor de Geografia vive.

Os poemas se constroem como símiles de cartas, e no conjunto identificamos um diálogo com os que estão enfeixados sob o título de "Retorno", um termo que nesta proposta comparece em toda sua ambiguidade. O conjunto também evoca o poema "Correspondências" de Baudelaire e o traço algo experimentalista do livro remete-nos ao poeta Mallarmé, um dos precursores do Concretismo. O Movimento Concretista influenciou a poesia "pensante" do nosso João Cabral e a 'brincante" do poeta Leminski, só para citar estes.
Os poemas-cartas formam um leque temático quase infindável e são "enviados" ao vento, à terra, à linguagem, à guerra, à literatura, incluindo outras categorias como a das lembranças e repescagens da alma. Chega até o Cristo, o nome que está acima de todo nome.
Afinal, o poeta nos diz logo na apresentação, citando o filósofo Vilém Flusser, que a "poesia aumenta o campo do pensável" e é assim, com seus versos livres a se desenharem na página, que o lirismo também se mantém em um lugar mais discreto, pois será o leitor, com sua bagagem, que lhes conferirá o tom da emotividade.
Distraidamente o livro foi adquirindo corpo, o poeta também nos diz, assim como quem estivesse a "voar fora da asa", como usou dizer sobre o seu fazer poético, nosso poeta mais brincante, Manoel de Barros.
O eu lírico em Sammis Reachers, como que adentrando o "espírito" da linguagem, representa nesta sua poética de nomeações a criação de seu próprio mundo e isto nos remete a este versículo do livro de Hebreus: "pela fé os mundos pela palavra foram criados, de maneira que aquilo que se vê não foi feito do que é aparente" (Hb. 11:3).
Mas nem isto o salva, segundo o poeta declara como podemos ler neste trecho do poema "Retorno à Pedreira do Anaia":

Pedalo a bicicleta,
pedalo todos os dias,
Um refugiado jovem demais
Para ter descoberto que não há
Lugar
Sequer uma estrebaria
Onde dar parto à minha dor (...)
(...) Locupleto minha sanha de fliperamas,
Fotografia e a embriaguez da Grande
Literatura Universal
Que nunca me salvará:

Aguardo em (o)pus
O advento de Cristo.

Salva não, Sammis.
Eu também estou nessa de aguardá- Lo.

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Julia Lemos, pernambucana do Recife, iniciou sua trajetória como atriz nos palcos recifenses. Poetisa, tem seus primeiros trabalhos publicados no Diário de Pernambuco e Jornal do Commércio, organizando e participando ainda de vários recitais poéticos em Olinda e Recife. Em 1981 lançou seu primeiro livro de poesias, Carmem Antonia Migliacchio Enlouqueceu, e em 1997 publica A Casa Estrelada. Escreveu os ensaios: Sobre uma Poesia de Larvas Incendiadas e Patativa do Assaré - um trovador nordestino. Integra várias antologias no Brasil e Portugal. É autora de A Exposição dos Sóis (Penalux).


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