Contentamento É...
Ruth Senter
Eu ouvia a
voz, mas não tinha condição de enxergar a pessoa. Ela estava do outro lado do
armário do vestiário. Acabara de chegar da aula de natação matinal. Sua voz
assemelhava-se à própria manhã: forte, animada, cheia de vida. Às 6h 15 da
manhã, atrairia a atenção de qualquer pessoa. Eu ouvi sua voz firme:
— Dolores,
gostei muito do livro que você pegou para mim na semana passada. Sei que a
biblioteca fica fora de seu caminho. Não consegui parar de ler. Solzhenitsyn é
um grande escritor. Estou feliz por você ter-me sugerido o livro dele.
— Bom-dia,
Pat — ela cumprimentou outra nadadora. Por um instante, a voz melodiosa
calou-se. Em seguida, ouvi-a dizer: — Você já viu um dia tão esplêndido como
este? Vi um par de cotovias enquanto caminhava esta manhã. Isso nos traz
alegria de viver, não?
O tom da voz
era bom demais para ser verdade. Quem pode ser tão agradecido a essa hora da
manhã? A voz dela tinha um certo requinte. Talvez fosse uma mulher rica, sem
nada para fazer o dia inteiro, a não ser tomar uma xícara de chá em sua varanda
e ler Solzhenitsyn. Eu ficaria animada às 6 horas da manhã se pudesse nadar e ler
um livro ao longo do dia. Ou se possuísse uma casa de campo nos bosques do
Norte.
Contornei o
armário em direção aos chuveiros e fiquei frente a frente com a dona daquela
voz jovem. Ela estava arrumando seus apetrechos. O uniforme amarelo de
faxineira ficava bem assentado naquela mulher de uns 50 anos. Era um uniforme
que eu conhecia, acompanhado de vassouras, esfregões, panos de pó e baldes. Uma
empregada do local onde eu nadava. Ela deu um leve sorriso para mim, pegou sua
sacola de plástico das Lojas Americanas e caminhou apressada em direção à
porta, dizendo: "Tenha um glorioso dia" a todos que encontrava.
Eu não
consegui tirar da mente aquele uniforme amarelo, enquanto dava minhas braçadas
e afundava o corpo na espuma da piscina de hidromassagem. Meus dois
companheiros estavam entretidos em uma conversa. Pelo menos um deles estava.
Sua voz cansada e triste falava de dores nos joelhos causadas por artrite,
aneurisma no coração, noites sem dormir e dias repletos de mal-estar.
Nada estava
bom ou na medida certa. A água estava quente demais, os jatos d'água não eram
suficientemente fortes para seus joelhos endurecidos, e os médicos haviam
demorado muito para diagnosticar seu caso. Com sua mão enfeitada com um anel de
brilhante, ele retirou a espuma branca do rosto. Parecia um ancião, mas
suspeitei que também tivesse uns 50 anos.
O uniforme amarelo e o anel de brilhante, surpreendente e silencioso contraste, provaram mais uma vez para mim que, quando Deus diz que "religiosidade. acompanhada de contentamento significa prosperidade", Ele quer dizer exatamente isso. Naquela manhã, eu vi contentamento e descontentamento. Tomei a decisão de jamais me esquecer disso.
“De fato,
grande fonte de lucro é a piedade com o contentamento. Porque nada temos
trazido para o mundo, nem coisa alguma podemos levar dele. Tendo sustento e com
que nos vestir, estejamos contentes. Ora, os que querem ficar ricos caem em
tentação, e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e perniciosas, as
quais afogam os homens na ruína e perdição. Porque o amor do dinheiro é raiz de
todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se
atormentaram com muitas dores.” – 1 Timóteo 6:6-10

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