terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Romance A Ordem Luterana da Cruz Combatente resenhado por Jorge F. Isah

 

A Ordem Luterana da Cruz Combatente

 

Jorge F. Isah

 

            O que monstros, anjos, demônios e uma conspiração secreta têm a ver com o Cristianismo? Simbioses, mutações, o bem e o mal disputando almas e o domínio do mundo? Para muitos, nada. Mas para aqueles que veem e estão dispostos a ver, tudo. Assim, de maneira simplista, podemos definir o primeiro romance de Sammis Reachers, A Ordem Luterana da Cruz Combatente, em seu tomo I: uma fábula repleta de magia, ação e surpresa. Mas seria toda a verdade?

Conheço a obra de Sammis há mais de dez anos. Autor criativo e eclético, transita por vários gêneros literários. A sua produção explora com a mesma facilidade estilos que vão dos poemas, contos, ensaios, coletâneas e, agora, o romance. Como a maioria dos poetas, se considera um prosista de versos, porque a poesia nunca está distante, nunca é relegada ao segundo plano, ou deixa de ser a mola mestra da criação. Por mais que o gênero se distancie dessa linguagem, o poeta jamais dormita ou abandona-a.

Permeada pela cosmovisão cristã, não espere temas proselitistas, dogmáticos ou definições teológicas. Não. Ele está disposto a mostrar a vida, a realidade, com seus becos-sem-saída, caminhos sem volta, naufrágios em terra e mar, mas também a possibilidade de sublimação e redenção. Enfim, ser guiado de volta para casa... A despeito dos percalços, ataques, aflições, as tentativas de obstruir e impedir a jornada, a ovelha ou peregrino estará segura em Cristo, ainda que ouça o rugido dos lobos, o esgueirar das serpentes, o tilintar de ouro e prata ou o estampido de trabucos. Como o monge diz a Martinho: A ordem por tantas e tantas vezes dorme. O caos, nunca (pg. 14). O mundo é o palco onde a arte desvela a saga humana, mas também os bastidores e arranjos, antes, durante e depois da representação em que cada um de nós tem papel crucial no cenário tripartite da guerra cósmica. 

A Ordem Luterana... não obstante ter todos os elementos épicos, de remeter às grandes obras de aventura, capa, espada, e os mais eletrizantes thrillers de ação e combate, tem camadas as quais o leitor deve atentar. Não se trata de outra epopeia, onde bons e maus se assanham, ou o jirau das peripécias de bravos e covardes, nobres e canalhas, numa dicotomia reducionista. Por natureza, o homem é ambíguo, e suas dúvidas, tal qual as decisões, nem sempre encontram as explicações lógicas e racionais. Afinal, e não se turve a reconhecer, sentimentos e emoções gravitam e atraem as mais inesperadas e repentinas decisões, e denunciam não haver somente o físico, mas também o transcendente.

      De um lado, a Ordem, seus homens e anjos, do outro, o Deicídio (cujo objetivo, como o próprio nome indica, é a morte de Deus e seus filhos), constituído por homens e demônios. Entre eles, a humanidade em sua placidez ignota, capaz de acreditar somente naquilo que os olhos veem, ou não veem. Entretanto, existe um mundo, ou mundos, alheios aos olhos físicos e disponíveis exclusivamente aos olhos espirituais. E neste campo se desenrola a guerra iniciada no Éden, em que Adão se fez presa fácil para as artimanhas do diabo, vítima da sua soberba e inveja.

      Os cambiantes, mistura de humanos e seres angélicos, são a elite dos agentes de ambas as forças. E a maior parte dos embates se dá com eles. Por falar nisso, o terço final do livro é de tirar o fôlego, literalmente. Para quem gosta de ação, reviravoltas e emoções, é um prato cheio; sem esquecer as várias esferas subentendidas às quais o autor propositalmente ofertou ao leitor, não como um plus ou complemento, mas a essência, algo imprescindível... Ponderando mais sobre as entrelinhas, das camadas criadas pelo autor, e elas são tantas e tão distinguíveis que supor ou apegar-se à ideia do livro ser apenas distração não somente é simplista, equivocada, mas ilegítima; facilmente pode-se notar a sua condição ou posição (sim, caro leitor, estou a falar de si), à medida que a narrativa se desenrola. Pode-se vislumbrar o movimento no tabuleiro, qual a ameaça e o quanto se está ou não seguro.

A história vai muito além das homenagens a Dumas, Stevenson, Scott, Tolkien ou Lewis, para ficar apenas em alguns. Ela trata da luta instalada no íntimo, onde o sopro divino, ou imago dei, colide com os efeitos noéticos da Queda. E este contexto é muito maior do que as explosões, perseguições, duelos, estratégias, complôs e tantos outros elementos a permear o gênero. Por mais que você resista, o livro fala e trata de você. E, por isso, é tão necessária a leitura de A Ordem..., pois, ao sentir-se preso, angustiado, certamente também se sentirá liberto e protegido.

      Sammis conhece muito bem isso, porque viveu, e ainda vive, nessa corda bamba, mas na convicção de transpor seguramente o fio tênue, mas irrompível, a encerrar o fim da sua fé. Ele fala de si e, por isso, fala de mim, de você, com propriedade. Mesmo não havendo dois seres humanos iguais, existe uma essência que compartilhamos e que nos tornam membros de uma mesma ordem ou caos. E nas peculiaridades encontramos o universal, sem os malabarismos burlescos e artificiais dos antropófobos e fatuados.

      Mostra que é possível divertir e pensar, sem abrir mão da verdade, mesmo envolta em sombras e muita, muita fumaça e poeira.

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Título: A Ordem Luterana da Cruz Combatente

Autor: Sammis Reachers

Páginas: 321

Link do autor: httpd://linktr.ee/sreachers

Email: sreachers@gmail.com

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Resenha publicada originalmente na Revista Bulunga n.36



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