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sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Exércitos Sanguinários, de Carlos Beija-Flor: Um poema sobre o aborto

 


Exércitos Sanguinários

 

Carlos Beija-Flor

 

Ecoam pelos espaços

vozes aflitas

de aflitas crianças...

 

    São gemidos...

    É a morte ...

 

O céu toldou-se

com nuvens brancas,

com nuvens de almas.

 

Ecoam pelos espaços

vozes aflitas

de aflitas crianças...

 

— Herodes,

tu, que tudo podes,

por que foges?...

 

— Tenho as vestes manchadas

com o sangue das crianças...

Mas... sou, acaso,

o único assassino

de inocentes? —

 

— Foge, Herodes,

as crianças vêm,

aquelas, de Belém! —

Ecoam pelos espaços

vozes aflitas

de aflitas crianças...

 

... ... ... ... ...

 

    Eis, que um exército sanguinário

    ao sanguinário Herodes se une:

    São pais desalmados

    e mães desnaturadas

    de mãos inda sangrentas

    pela morte dos filhos-não-natos...

 

E Herodes, com eles se consola...

Ele, não é o pior.

Esses, os pais, mataram as crianças

ainda em flor...

 

Não toleraram que chegassem

a ver a luz do dia...

E Herodes, com eles se consola.

 

Ecoam pelos espaços

vozes aflitas

de aflitas crianças...

 

São elas as almas

de crianças-não-natas

assassinadas pelo aborto,

sem que pudessem chegar ao porto...

 

Mortas

sem que as portas

do batistério

se lhes abrissem!...

 

Eis que o exército sanguinário

do sanguinário Herodes avoluma,

são pais desalmados

e mães desnaturadas

procurando esconder

as sangrentas mãos.

 

O exército sanguinário

Avoluma... avoluma...

— agora, já são exércitos!

 

    Os exércitos sanguinários

    com Herodes, fogem, espavoridos

    pela vasta Belém do mundo...

 

    É que, pelos espaços

    as vozes aflitas

    das aflitas crianças...

    os perseguem...

 

    Ei-los, que aos atropelos

    os exércitos sanguinários

    se precipitam...

                           no abismo...

                                        infernal...


No livro Natal - Antologia natalina em verso e prosa, de Mario Garde.



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segunda-feira, 19 de agosto de 2024

A melancolia no fazer poético de Álvares de Azevedo explorada por Antônio Nogueira em livro

 


O fazer poético de Álvares de Azevedo: caminhos traçados através da melancolia (Editora Dialética, 2024. 100 págs.).

A melancolia sempre sombreou a poesia e a filosofia. Musa que inspira e nêmesis de acossa, é entidade bifronte feito o deus romano Janus. Com o advento dos estrondos da tempestade e ímpeto, o movimento Sturm und Drang alemão que fundou o romantismo como o conhecemos, tal ente humano demasiado humano teve sua máscara, seu véu ou mortalha desvelada; e seus humores, daí em diante, ganharam potência viral.

Já que falamos de Roma, a melancolia cumpre papel de deusa lar, diáfana e também íntima, de quem o poeta é ao mesmo tempo altar e holocausto.

A originalidade e o individualismo trabalhados pelo Romantismo têm em Álvares de Azevedo uma figura emblemática. O amálgama de melancolia e ironia, irmanação criativa que ditaria normas em ampla parcela da literatura universal subsequente, toma Azevedo como expositor ou refém.

Melancolia, mal do século, spleen? Cedo Álvares ouviu seu chamado, uivo primeiro da noite inaugural (o amaldiçoado Dia Um fora do Éden), e cedo foi sacrificado, altar que a si mesmo se consome, execução-pela-implosão do ideal romântico, ente agônico de tempestade e ímpeto.

Neste seu O Fazer Poético de Álvares de Azevedo: Caminhos Traçados Através da Melancolia, Antônio Nogueira busca desvendar os processos e a poética de Azevedo, elencando a melancolia como eixo axial de sua pesquisa, e devassando a atitude dúplice do autor de Lira dos Vinte Anos e Noite na Taverna, seu jogo autoral onde aceita/renega sua condição de bardo romântico, seu fazer e suas influências.

Com acurado escrutínio e sob o amparo de formidável fortuna crítica, é a tal fortuna mesmo que Antônio busca e alcança expandir, como esta sua obra seminal, fruto de sua dissertação de Mestrado.

Aos leitores recomendo, não como acadêmico, mas na condição de poeta e um também fulminado pelo vírus melancólico, este aprazível estudo sobre um poeta e sua época, um tema e suas implicações que, universais que são, dizem respeito a todos nós.

Sammis Reachers

O livro está disponível no site da Editora Dialética, AQUI.


terça-feira, 13 de agosto de 2024

Sammis Reachers: Algumas frases sobre os LIVROS

 


O livro é uma ferramenta a um tempo prática e mítica: Ponte para os mundos possíveis, portal para os impossíveis.

 

Como Cristo, o livro é uma majestade que lava os pés dos que se lhe achegam, e graciosamente lhes serve a mesa.

 

O livro é um barco que te ensina a nadar.

 

Ler é encontrar melhores respostas que nos municiem na elaboração de melhores perguntas. Ou encontrar melhores perguntas.

 

Pegar um livro bem velho na estante, abrir e cheirar... É mergulhar num estranho loop de prazer, uma volta às origens (mas de quem? Minhas, como leitor dos livros velhos de meu pai? Ou as origens da literatura?). Um cheiro bem mais antigo do que eu, e que no entanto remete a mim mesmo, ao meu âmago, como se fosse o MEU próprio cheiro, ou uma parte inviolável e fundacional de meu tacanho ser.

 

Um livro de poesia é um ato de fé. Um engajamento. A ação transcendente de uma carga metafísica mais que a materialidade pronta (e nisso estacionária) de um objeto.

 

Não importa o tema ou o gênero, número de páginas e sequer o autor: um bom livro será sempre aquele que arrancar você do chão, que fundar um dia especial dentro dos dias.

 

É comum, por exemplo, eu publicar um livro hoje de manhã e já pela tarde, "entediado", abrir o arquivo de algum outro projeto e dar alguma pincelada. Costumo dizer que não publico um livro: Me livro dele. O sentimento, se é de dever cumprido, é sempre e ainda mais de libertação, de alívio. Liberto da cangalha, sinistra e imediatamente sinto sua falta: E tornamos, devagar e sempre, no ritmo já acostumado, ao trabalho de formiga.

 

Dia vem em que você vai 'abrir' um livro e ele vai pedir login. E, baseado em suas preferências globais, num sistema parecido com o que Google ou Facebook rudimentarmente usam, para direcionar-lhe propagandas personalizadas conforme seu perfil, ele vai configurar a história, 'especialmente' para você. Um livro não terá 'uma' história: um livro terá campos probabilísticos de narratividade, como eu gosto de conceituar. Espere só um pouco. Espere a inteligência artificial dar o próximo salto.

 

Os livros são as células-tronco do organismo dito Civilização. Ou um tipo de tijolo de antimatéria, usado para desconstruir prisões.

 

Um livro antigo cumpre uma dupla função: Alicerça, ainda que apenas moralmente, tanto uma biblioteca quanto o seu possuidor.

 

Além do fluxo de alimentos, o outro trânsito que nunca deve cessar numa casa é o fluxo de livros.


Sammis Reachers