O seminal
poeta curitibano Paulo Leminski é autor, dentre outros, do livro Distraídos
Venceremos. Tal título ou expressão singular me veio à memória ao refletir
sobre o volume que o leitor agora tem em mãos: Foi sem perceber ou dar-me
conta, assim, distraidamente, que cheguei a este meu décimo livro de
poesias. A surpresa deve-se ao fato de que sempre consegui maior prazer atuando
como antologista e editor do trabalho alheio do que focalizando minha produção
autoral, que correu como que por fora, nesses pouco mais de vinte anos de atividade
literária.
Neste Cartas
e Retornos, o leitor perceberá que busquei construir fundamentalmente um
livro de adjetivações, frutos – ou sementes? – de uma poesia
onírico-descritiva, arte/artesanato sequencial de definições poéticas sobre
temas ou objetos variados, os “destinatários” aos quais as cartas fazem
referência.
Nessa busca
de comunicar a magnificação de cada destinatário, não apenas imagens, mas,
fazendo jus à licença que pesa sobre os poetas, palavras precisaram ser
criadas, seja em neologismo, seja numa das muitas outras formas de parto de
palavras que nossa língua conhece e experimenta. Um experimentalismo não de sabor
insosso como por vezes vemos sendo praticado mas, sim, uma prazerosa peregrinação
em busca do surpreendente – amparada em palavras e expressões que o suportem.
Desde muito
jovem tomei para mim uma assertiva do filósofo brasileiro Vilém Flusser: “A
poesia aumenta o campo do pensável”. Deste esforço de expandir percepções,
de aumentar as formas de bombear de um coração com o sangue dos signos, jamais
pude me libertar, malgrado minhas humildes possibilidades criativas.
Às mais de
cinquenta Cartas, diversas, como dito, em tema ou objeto, seguem-se
alguns Retornos: Poemas de maior hermetismo, onde o jogo de luzes e
sombras (chiaroscuro) ganha maiores ares. O livro se conclui com poemas
outros, de variada temática e envergadura.
Que este humilde
livro possa, com sua carga onírica e algo perturbadora, balançar alegremente suas
percepções e empurrá-las, assim, como quem não quer nada, para a expansão.
O livro impresso possui 110 páginas, e está disponível ao preço de R$ 22,00, JÁ com o valor do frete por Correios incluído.
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Alguns poemas do livro:
Hangar
Antropopeia
Sala de se
estar
Lar dos
abraços perenais
Casa de Deus
quando de passagem
Sapiarquia
Vestido de vestígios
De Adão a este dia
Estratificada
usina de desestratificar
O oceano das
coisas
Baralho de
cismas
Tarô triliardário
Cartório de
máscaras
Mausoléu-berçário
e
Fabulário e
cais de tudo
“Dispensa
das almas”,
Ordenha das almas
Casa de
máquinas da alma
Avesso da caverna
platônica,
Lócus de resistência:
(Toda biblioteca é uma) Trincheira
Abraçai toda
a esperança
Vós que
entrais
Carta à
Chuva
Coração do
ciclo
escada de
Jacó
sagrado elo
dos elos da atmosfera
maré
vertical
megaérea foz
vivificadora
dos que vivem
lânguida
metralha
terapia de
tudo
imperatriz perfuratriz
perfuumidificadora
poliárquica
beijoqueira
reordenadora
dos relevos
facilitadora
dos aconchegos
debeladora
das chamas da morte
apressadora
dos desavisados
festim dos
pueris, dos pu(e)rificados
de idade ou
espírito
cascata
multitudinária
catarse
líquida
não aparte
de nós
sua presença
transitiva
nem sobeje
sobre nossas
ruas impermeabilizadas
Carta à
Cidade Engrandecida
triturandário
labirintopia
indústria
encapatória
Saloon dos
Emancipados
grande
cabeça-de-ponte-para-trás, retorno ao útero
caixa
rotatória
jogo do
fasto e do nefasto
skyline das
mais altas
empáfias
veneno de
rato pra finalizar os pequenos
marsupiais
chamados de
empatia
ultraurbe
gestante
duma gravidez de risco
cujo parto
nunca acontece
mas todo dia
quase
o dia todo
um susto
saciado a
pão e circo e cocaína
(r)efervescência,
prostituição
do espaço em
esmerada arquitetura
prostituição
dos últimos,
teus
pilares:
quebra
sistêmica da cadeia fraternal
ilha fiscal
solidão
arquitetada
fogo frio
heterotumba
de LED
dos
mortos-vivos
despátria
púnica
Carta à Lusofonia (e à Língua Portuguesa)
Nau Saudade
Sóror
Encantamento
por mares
nunca dantes navegados,
nos
conquistastes: eis-nos,
varões e
varoas assinalados,
vassalos
teus, por ti soprados
ó bruma
diaspórica e multitudinária
Lubrica nau,
rubra e rotunda,
fremente e
hiper étnica,
alonjada dos
de sangue frio e caucasio-torpe
desnuda das
frescuras de francos e teutões
de ingleses
e mais vis quetais
Honramos teu
código
circunvalioso
barroco,
rococó, léxico de alumbrar
renitente
emissária da cruz
derradeira
vindima do Latim, flor
última do
Lácio, inculta a despudorada
transcontinental
oráculo camoniano,
sibila de um
panteão de párias,
silabário da
paixão, pacto
firmado sob
o sangue dos morfemas
berçário de
crioulos e pidgins*
marinhagem,
malandragem, madrigal
prosódia de
abraçar
ônibus,
autocarro, machimbombo, toca-toca, otocarro, microlete*
veículo de
250 milhões de almas, sob cujo conjunto
jamais o sol
se põe
*Designação
dos ônibus respectivamente em Brasil, Portugal, Angola/Moçambique, Cabo Verde,
Guiné-Bissau/São Tomé e Príncipe, e Timor Leste.
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