Nos congregamos em assembleias,
algumas tecnologias nos foram facultadas – nada disruptivo, nada de melhores
tecnologias de voo ou armamento, por exemplo. Derramaram-se em promessas de
não-interferência, e foram pródigos na aquisição de muitas de nossas matérias
primas – pagas em ouro, dez vezes o valor nominal que possuíam entre nós. Sim,
uma lucratividade extrema para os que possuíam o que eles desejavam. Nos
perguntamos, claro, por que não nos colonizaram simplesmente. Éramos um mundo
arrasado por uma Terceira Guerra Mundial, cujo oxigênio era em parte produzido
por máquinas para suprir a demanda da cambaleante vida planetária. Aparentemente,
não era de seu interesse, observadores que eram de uma ética a nós sutil, mas
profunda, dada a reverência com que a recitavam.
Não muito ousaram nos oferecer. Mas
nos deram conta de algo fantástico: eram 39 as raças inteligentes por eles conhecidas.
A maioria, pelo apresentado, habitava a esburacada tenda do humanamente
imaginável. Mas algumas raças eram extremas em sua singularidade.
Uma raça havia cujos corpos flutuavam
entre o tangível e o intangível, de maneira sazonal: era sua forma de adaptação
à aproximação maior ou menor de seu planeta natal em relação ao centro de seu
sistema solar trinitário, durante o movimento de translação. As radiações e a
temperatura, quando da aproximação, tornavam-se poderosíssimas, e tais
criaturas simplesmente transitavam para a intangibilidade – tornavam-se algo
parecido com fantasmas, embora conservando ainda matéria. Que de alguma maneira
se adensava ou re-consolidava, quando seu planeta distava dos três sóis.
Raça outra havia que era o perfeito
festim da alteridade radical: em parte como os acima citados, eles possuíam
“corpos” tênues, aparentemente gasosos. Mas ao contrário daqueles, não possuíam
corpo antropomórfico e nem transitavam entre o tangível e o intangível em sua
estranha materialidade. Eram “nuvens vivas”. Quando comprimidos a algumas
dezenas ou uma ou duas centenas de metros – pois podiam expandir seus “corpos”
por quase um quilômetro – apresentavam aparência de nuvens carregadas de
eletricidade, cujo fulgor da galhada de raios ou braços de luz não cessava de
brilhar: eram suas redes neuromotoras. Aproximar-se de um deles era impossível:
alguma força da Natureza ou de sua negação, supostamente independente da
vontade de tais seres e relacionada à própria substância de que eram feitos,
repelia-os para certa distância de qualquer forma de vida “material”, como
entendemos a matéria. Eram seres de antimatéria? Antes fossem apenas isso; estava
circunscrito o mistério. Mas eles as absurdidades de antimatéria suportavam de
alguma ignota maneira a matéria, e repeliam apenas matéria “viva” – sequer
germes ou bactérias logravam penetrar seu espaço vital. Ou seja, eram seres de
“antivida” (o termo original alienígena, como outros, não logrou tradução
satisfatória nos vernáculos terrestres). Antimateriais repulsores de vida, de alguma
forma (sobre)vivendo na inospitalidade de nossa dimensão material, gerando
suspeição sobre o fato de que algum “princípio vital” existia de fato e era
mesmo um tipo a mais e acima de força fundamental do universo, prima distante
do eletromagnetismo e da força gravitacional, das forças nucleares forte e
fraca? Era a impudica teoria de nossos visitantes que, inesperadamente, pouco
sabiam para além disso.
Por último, como quem coloca uma
cereja ao topo de um bolo, eles alertaram-nos sobre a espécie sua conhecida de
características, se não tão dadaístas como as demais, ao menos as mais sombrias.
Não, não eram conquistadores, que isso já não havia no cosmos conhecido; nem
embaraçosas incógnitas como as tais nuvens vivas de antimatéria/antivida. Mas,
se há uma cadeia trófica entre os seres superiores, ou melhor, entre a
macrovida cósmica – que segundo nossos visitantes abarcava planetas e seres biologicamente
vivos e sencientes do tamanho de nossa Lua – eles seriam os decompositores de
tal cadeia alimentar sideral.
Pelas imagens que nos foram exibidas,
tais seres mais pareciam bonecos tecidos de terra, grotescos seres de três a
três metros e meio, como que esculturas feita de barro, esculturas já
desgastadas. Tais criaturas alimentavam-se de planetas. Isso mesmo, suas
características biofisiológicas lhes permitiam perceber planetas em vias de
extinsão, moribundos ou mesmo já recentemente “mortos” para a vida, e eles ali
chegavam em suas bionaves, seus cosmocasulos voadores, e passavam a sorver,
sempre em silêncio quase vegetal, algo do planeta – algo sobre o qual
nossos visitantes ainda não possuíam consenso formado. As poucas imagens que
nos foram compartilhadas eram aterradoras, não por si, mas por revelar a
existência daquele tipo de entidades.
Traduzido de maneira mais ou menos
literal para as línguas humanas, o nome que aquela coletividade dava a tal
espécie astrotófaga era cabal: “Silêncio intransitivo”. Eram pacíficos,
pacíficos até a indiferença, e nunca se comunicavam com outras espécies. Não
apressavam o fim de um astro: apenas consumiam aqueles irremediavelmente
colapsados ou de “morte” ainda recente. Em planetas como os demais de nosso
sistema, Marte por exemplo, não tinham interesse – ou estavam mortos há
milênios, ou sequer jamais viveram bioticamente. Em um e outro lugar, houve
notícia de que tinham sido combatidos, mas o tempo mostrou que resistir era inútil
– as frutas que devoravam, já apodrecidas, continuavam sua derrocada inexorável
com ou sem a presença e a ação de tais parasitas.
Tais seres eram o ponto extremo da
vida, a sua última parada. Possuíam um ciclo vital milenar, e estavam presentes
nas cinco galáxias conhecidas pelos confederados. Enviavam emissários
solitários pelo cosmo, desbravadores ou zangões a bordo de pequenas e estranhas
naves sem modo de propulsão aparente ou conhecido, espécies de casulos que
podiam vagar por milênios, sem escala ou “reabastecimento” perceptível, com seu
tripulante talvez em modo hibernante.
Junto à informação sobre tais seres,
a federação dos cinco acabou nos confirmando algo que já era motivo de
discussão desde o nosso século XIX: alguns planetas eram realmente seres “vivos”,
e as nossas definições de vida precisavam ser urgentemente atualizadas. A
existência de seus devoradores, de uma cadeia alimentar, era a derradeira
prova.
* *
*
Oito, nove anos se passaram. O
conhecimento do fantástico e a alegria de não estarmos sozinhos não nos
impediram de voltar à carga de uns contra os outros. A confederação não interveio
em nossa Quarta Guerra Mundial. Era de sua política, e as viagens até aqui eram
custosas e difíceis – até mesmo para eles.
Os rudimentos de tecnologia que
pudemos surrupiar dos alienígenas foram à nossa maneira adaptados por cada lado
contendor para a criação ou aperfeiçoamento de suas armas.
Se um continente inteiro havia sido
aniquilado na Terceira Guerra, agora a própria existência de nossa espécie
entrava em risco. Combates movidos à artefatos nuclerares e megapatógenos
espalharam o caos sobre o que sobrara de civilização. O silêncio da confederação
a todos intrigava, mas não havia o que fazer – um lado haveria de aniquilar o outro.
Foi no terceiro ano de combates que
ele chegou. Solitário, pousou na cratera mais profunda do que fora um dia a
Europa. Estacionou ali, fixo como um marco, um totem, e permaneceu imóvel. Um
dia depois, abriu ou ergueu seis astes que poderíamos atribuir na conta de “braços”.
Era, segundo nos ensinaram os confederados, uma forma de comunicação, o envio
de um sinal.
Aquele soturno emissário avisava à sua estranha espécie de abutres que havia encontrado alimento. O planeta Terra estava condenado.
Sammis Reachers
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