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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

PIQUENIQUE NO ÉDEN


É inútil a tentativa de um piquenique no Éden."
Elizabeth Bowen

Sentados diante de uma maçã- é costume
dizer-se –
foi o último piquenique no Éden, depois
o chão tremeu, com aquela reverência
quando Deus passa, quando Deus faz o silêncio
com seu olhar telúrico, o lugar
crescia como a sombra do sol inclinado
a desolação
a terra nos lábios que o fruto deixou
o medo entre as palavras.

28/2/2013
© J.T.Parreira

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Nos dois mil anos da morte de Judas


Michael Coock


Nos dois mil anos da morte de Judas

Fui vendido
por trinta moedas de afeto

deceparam meu braço amigo com um sabre cego
desses de sicário, de uma alegoria de escola de samba
pelo suave sumo do sonho (e as monoaminas*)
que sobejam em meu fel sanguíneo.

Em maio faço 35 anos.

Ainda não aprendi a ganhar dinheiro.

Queria morrer neste ano gregoriano de 2013 e
não sei que será de minha poesia
daqui a dez anos,
se escreverei sobre a dor de Deus
ou sobre a minha.
Mas se sobreviver sei que persistirei
em biografar a dor onde quer que ela esteja,
como um imigrante turco em Dresden
fazendo o serviço sujo nas latrinas do Reich aniquilado.
E escreverei sobre aniquilação biológica promovida
pela Guerra Civil Chinesa (a Segunda), e marmelos e a mandrágora,
a quem nunca fiz poema.

Queria partir. Hesito; meu Pai é um abraço sem fim,
um acumular de patentes. Sarça que queima
 meus pedidos de baixa, Deus que protela e indefere,
sob os sorrisos de meu Advogado, paciente em seu amor.
Ele delega missões: redigir memorandos,
reconduzir almas erradias,
a captura dos que assassinaram a Lua
ou os dois filhos adolescentes de dona Maria, a vizinha.

Discípulo de Borges,
não sigo o calendário gregoriano,
mas o dos Cabalistas Negros de Kiev. Por ele,
Judas morreu faz dois mil anos,
tomando a forma de mundo. Nele


fui vendido
por trinta moedas de afeto.

Sammis Reachers
*Monoaminas são substancias bioquímicas derivadas de aminoácidos através do processo de descarboxilação. As principais monoaminas são as catecolaminas (a saberdopamina,  norepinefrina, epinefrina), originadas da Tirosina; a serotonina derivada da triptamina e a histamina que vem da histidina.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

PARTIDA



As estátuas foram as primeiras a partir.
Yannis Ritsos


A igreja esperava esse dia para partir
deixou as portas abertas, um lugar
do silêncio é agora o altar, o pão e o vinho
sagrados, ficaram nos vasos, depois
as casas dos crentes, os transportes públicos
em roda livre, nas linhas azuis
foi a vez de aviões como fantasmas
sem um destino. Há vidros partidos
do pequeno-almoço no chão da cozinha.
Um piano bateu ainda a clave de sol
que vinha do fundo, à noite os olhos do medo
abriram o véu de casas vazias. No vento
as aves sentiam passos estranhos no céu. 
 
26/2/2013

© J.T.Parreira



domingo, 24 de fevereiro de 2013

THE MYTH THAT CAME TRUE


                                                A C. S. Lewis

desde a primeira tarde do primeiro dia
da primeira hora irrompeu o som cavo
de histórias antigas, já antigas
quando foram contadas

pela voz do pregoeiro o raio de sol
trazia cores de um novo dia o rasto
de um novo século, o altar falava
em nome de um Cordeiro de carne e sangue

o papel em que o mito foi inscrito
era a folha que declarava
que depois da pedra o ramo daria o fruto

Rui Miguel Duarte
24/02/13

sábado, 23 de fevereiro de 2013

ARMA

Carrega o teu coração 
por dentro mas carrega-o
de espingardas

verifica todos os meandros
de que cores os pintas
nas pontas dos canos
onde as balas
se declaram ao silêncio
coloca a carne viva das flores

carrega o teu coração
por dentro, onde as balas
explodem fazendo fluir o sangue
carrega-o de amor

Rui Miguel Duarte
23/02/13

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Poema para os que andam de "Metrô"

Levantar-me, mergulhar no “metro”(...)
sair (…) para uma foz de estrelas”

Vicente Gaos



Ainda com sonhos pelo meio, as nuvens
que cada cabeça procura dissipar
homens e mulheres multiplicados
como nos espelhos em silêncio, esperam


a noite ainda nos olhos, no tunel
o tubo vem do fundo da luz
para comprimir os perfumes e os corpos
actores de todos os papéis, rostos
com todos os vícios


entram e sentam-se com a alma
ao colo, um jornal, um livro
ou a carteira
a insónia começa enfim a partir-se
como um vidro em todos os ruídos.


© J.T.Parreira

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Alfonsina Storni: A Súplica


Alfonsina Storni
(Argentina 1892-1938)

A Súplica

                                                     Tradução Maria Teresa Almeida Pina

Senhor, Senhor, faz já tanto tempo, um dia
Sonhei um amor como jamais pudera
Sonhá-lo ninguém, algum, amor que fora
A vida toda, toda a poesia...

E passava o inverno e não vinha,
E passava também a primavera,
E o verão de novo persistia,
E o outono me encontrava em minha espera.

Senhor, Senhor: minhas costas estão desnudas.
Faça estalar ali, com mão rude,
O açoite que sangra aos perversos!

Que está a tarde já sobre minha vida,
E esta paixão ardente e desmedida,
A hei perdido, Senhor fazendo versos.



in J G de Araujo Jorge, "Os Mais Belos Sonetos Que O Amor Inspirou" - Poesia Universal - Européia e Americana 

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

AMÉRICA



América, território moral de índios,
os teus pioneiros
orientados por estrelas,
imobilizaram-te das grandes pradaria
s
em cidades, os teus puritanos
ainda ressoam nos templos,
América,
quando poderemos ir ao supermercado,
com o coração nas mãos
e passar apenas os dedos
como código de barras que conta a verdade?

11/2/2013
 

© J.T.Parreira

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Vou-me embora pra Pasárgada, uma paráfrase



Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
lá sou amigo do Rei
lutamos juntos
na Guerra Civil Espanhola
salvei-lhe a vida
(que ele perdera num jogo de carteado,
bem longe da liça)

Em Pasárgada os dias são bem mais longos
e eu não precisarei trabalhar, ou ao menos
não morrerei desse mal soturno.
Tenho lá seis namoradinhas
Natália Bruna Tabita Renata Tayane
e uma outra Bruna
e terei tempo para todas,
pois o tempo em Pasárgada é maior mais livre mais fosforescente
e aos domingos irei pescar com meu amigo El Rei
ou praticá-lo no jogo de cartas,
para que ele em apostando a vida não a perca
e ao não perdê-la seja também imortal como os demais deuses asiáticos.

Vou-me embora para Pasárgada
Ela fica no outro lado do orbe,
no centro e topo da alteridade mesma:
lá as cartas de cobrança
jamais chegam em minha humilde porta
e as mensagens são transmitidas por meio dos beijos,
a estranhinsuspeitinstintiva (e doce) linguagem sem léxico
que não carece de dicionário que a traduza
ou gramática que a codifique.

Em Pasárgada tenho salvo-conduto em cada canto
e uma banda de rock onde canto e dou enfim utilidade a meus poemas
e as peles de meus inimigos, oh, são tapetes onde piso
na Grande Biblioteca Real, onde deito em livros
a meia metade de meus dias de fausto.

Em Pasárgada meu amigo é o Rei
conheci-o num jogo de cartas dos derrotados em Bilbao
porém em Pasárgada, amigos, nunca mais perderemos.

Sammis Reachers

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

e e.cummings: carrego o teu coração comigo



carrego o teu coração comigo


carrego o teu coração comigo (carrego-o em
meu coração) nunca estou sem ele (onde
eu vou tu vais, querida; e o que é feito
só por mim és tu que fazes, meu amor)
eu não temo
nenhum destino(tu és o meu destino, meu doce)eu não quero
outro mundo (pela tua beleza ser o meu mundo, minha verdade)
e tu és seja o que for que a lua signifique
e o que quer que o sol cante sempre és tu

aqui está o segredo mais profundo que ninguém sabe
(a raíz da raíz e o botão do botão
e o céu do céu da árvore chamada vida; a qual cresce
mais alto do que a alma espera ou a mente esconde)
e este é o milagre que mantém as estrelas separadas

carrego o teu coração( carrego-o em meu coração)

Versão de J.T.Parreira

domingo, 3 de fevereiro de 2013

DEIXEM


“Jesus, no entanto, disse: «Deixem as crianças vir ter comigo! Não as estorvem, porque o reino dos céus é dos que são como elas.»
Ev. Mateus 19:14


Deixem as crianças vir
equilibradas num pé
periclitantes nas cordas da dança

deixem-nas vir com a voz
nos acordes de uma tocata e fuga
não lhes coloquem armaduras de frente
não lhes prendam as mãos com tenazes
que têm de tocar o vento

deixem-nas vir com as mãos
trazer o rio no abraço
elas conhecem o concerto
das ondas ao rastejarem
pelas pedras suaves
conhecem o burburinho
que a corrente traça
ao beijar o tronco
dos que nela se lavam

deixam-nas vir de rostos
abertos sem manchas
eles vêm com a macieza dos risos


Rui Miguel Duarte
4/02/13





sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

“THE TIMES” ou a Montanha contra o Modernismo

 
O diário londrino “The Times” foi uma montanha difícil, dura de escalar pelos poetas das duas primeiras décadas do Século passado.
Existem, pelo menos, dois poemas de autores diferentes que ...o exprimem, cada um à sua maneira, com a sua própria poética.
Este brevíssimo trabalho radica apenas na substância desses poemas e constitui-se como um “ensaio” comparativo entre as poéticas que visavam a importância que tinha, ou parecia ter no caso de Campos, no ínicio do século passado, um jornal de referência, victoriano, como “The Times”. Este mesmo que em 1920 apoiou uma campanha anti-semita, afirmando que os judeus eram o maior perigo do mundo.
Deixamos a leitura como uma proposta deleuziana dos afectos e dos desafectos.

ÁLVARO DE CAMPOS

“The Times”

Sentou-se bêbado à mesa e escreveu um fundo
Do “Times”, claro, inclassificável, lido...,
Supondo (coitado!) que ia ter influência no mundo...
…...............................................................................
Santo Deus!... E talvez tenha tido!

(16-8-1928)

Fernando Pessoa, através do seu heterónimo mais sensacionista, subjectivo e modernista, parece nutrir algum afecto pelo jornal londrino e por um desconhecido articulista que escreveria coisas já lidas, sem novidade, sem classificação, supondo influenciar o mundo porque se tratava de um jornal de referência. Neste breve poema, claro e também inclassificável, existem sensações, perceptos e afectos – diria Deleuze. O leitor “recebe” uma imagem de um jornalista, ébrio, imagina-o a escrever sob pressão: um problema que o aflige, um desgosto, ou apenas como um truão bêbado num divertimento, e sente por ele simpatia.


EZRA POUND

Let us deride the smugness of “The Times”
so much for the gagged reviewers,
it will pay them when the worms are wriggling in their vitals
these are they who objected to newness

Vamos ridicularizar a presunção do “Times”
(…) e dos seus críticos amordaçados
(…) estes são aqueles que à novidade se opuseram.

© Versão nossa

Este poema de EP é outra coisa, é uma diatribe. Integra-se na história do Modernismo poético europeu, levado a cabo pelo poeta norte-americano. No Modernismo caberiam outros sub-movimentos, como o chamado Vorticismo, o turbilhão de imagens no poema, que a Inglaterra vitoriana, romântica, não entenderia, vítima do tradicionalismo e das suas armadilhas medievais. O próprio Pound escreveria no primeiro nº de Blast que “ o vortex é o ponto máximo da energia”.
Ora entendeu o jornal “The Times” em obstaculizar o movimento, através de críticas, pelos vistos, “fretes literários”, que o futuro autor de “Lustra” ou de “The Cantos” não deixaria passar incólume e atacaria com acutilância e laivos de humor negro. Uma vingança. Esses “críticos amordaçados” é como se estivessem mortos já e isto era a sua lápide: “os vermes a contorcer-se nos seus órgãos vitais”.
A crítica, pelo que podemos intuir no poema de Pound “ Salutation the Third”, não seria isenta, nem construtiva, provavelmente nem do âmbito literário.
O que o jornal atacava era a “Modernidade” e chamava-lhe “insana”, do outro lado do Atlântico o “The New York Times”, em Agosto de 1914, também se fez eco da mesma crítica em desfavor do Modernismo e do movimento Vorticista.
Assim, os versos de Pound publicados na efémera revista BLAST, acometiam contra ambos.


© João Tomaz Parreira