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quarta-feira, 1 de setembro de 2021

SOBRE UM POEMA - Herberto Helder




Sobre um poema

 

Um poema cresce inseguramente

na confusão da carne,

sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,

talvez como sangue

ou sombra de sangue pelos canais do ser.

 

Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência

ou os bagos de uva de onde nascem

as raízes minúsculas do sol.

Fora, os corpos genuínos e inalteráveis

do nosso amor,

os rios, a grande paz exterior das coisas,

as folhas dormindo o silêncio,

as sementes à beira do vento,

- a hora teatral da posse.

E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

 

E já nenhum poder destrói o poema.

Insustentável, único,

invade as órbitas, a face amorfa das paredes,

a miséria dos minutos,

a força sustida das coisas,

a redonda e livre harmonia do mundo.

 

- Em baixo o instrumento perplexo ignora

a espinha do mistério.

- E o poema faz-se contra o tempo e a carne.


2 comentários:

  1. Obrigado Sammis Reachers, ao abrir a Caixa de Entrada dos e-mails de boletos e outras cotidianidades encontrar essa pérola:
    "E o poema faz-se contra o tempo e a carne", bela imagem do que é poesia.

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  2. Olá meu nobre Pedro! Sim querido, são de lances assim que se renova nosso ânimo, em meio às lides da vida.

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