Quarenta figuras humanas
perpassam, ou melhor habitam, na poesia de Manuel da Fonseca. Quem fez o
inventário foi o escritor e crítico ilhavense Mário Sacramento, no seu quase clássico
“Há uma estética Neo-Realista?(1968:80).
Enquanto que palavras recorrentes na poesia
de um autor se consubstanciam semântica e metaforicamente, vocábulos que vêm da
matéria e do que é imaterial, ilidindo mesmo sujeito e objecto, por exemplo os
da poética de Eugénio de Andrade, outros poetas informam sobre pessoas com
nomes e existência concreta.
Podemos enumerar uma breve lista de palavras
eugenianas:
Mãos, dedos, olhos, rios, fontes, choupos,
juncos, folhas, espigas, feno, erva, rosas, pólen, frutos, romãs, laranjeiras,
aves, cavalos, lume, fogo, luz, verde, carmim, púrpura, brisa, dança, flauta,
montes, nuvens, astros, estrelas, luas, charcos, a noite e a madrugada. (vd. “As mesmas teclas de Eugénio de
Andrade”, in Blog Poeta Salutor (2010: 11/3)
Vejamos, por outro lado, o que concerne ao poeta e romancista do
neo-realismo e do “Novo Cancioneiro”, Manuel da Fonseca.
E por aqui eis-nos chegados à dialética da
personagem, do sujeito poético, do nome, da actividade, do local de origem, das
figuras humanas que estão nos Poemas Completos do poeta de Santiago do Cacém,
falecido em 1993.
Maria Campaniça, Jacinto Baleizão, Zé Cardo,
Toino, Rosa Charneca, Francisco Charrua, Zé Jacinto, Marianita, Zé Gaio,
Julinho da ourivesaria, Zé Limão, Manuel da Água, e Mariazinha Santos; malteses, vagabundos, mendigos, campaniços, guardas,
o coro de empregados da Câmara, António
Valmorim, a Nena de Montes Velhos, o Terceiro Oficial de Finanças, entre outros
nomes e vidas.
No poemário “Planície”, de 1941, no início da
década fértil para a poesia neo-realista, embora o poeta José Gomes Ferreira
tenha afirmado que “o social não era a característica principal da poesia do
Novo Cancioneiro” (a Memória das Palavras), a verdade é que MdF traduz essa
particularidade representativa das problemáticas humanas e sociais, do
campesinato e da urbanidade, da seara e da fábrica, logo para o início daquele
volume de poemas.
Um local: Cerromaior, que é também título do
primeiro romance do poeta, é um lugar inventado que contém, no entanto, as
realidades e as gentes, doutros lugares autênticos do vasto Baixo Alentejo – e.g.
Cercal -, área predominante, senão mesmo exclusiva na poética do autor.
Depois, o lugar começa a revelar
particularismos da vila, como tipicamente alentejana, o “Largo” de onde partem
todos os “caminhos”, o “Largo” que era “o centro do mundo”, onde estão os
“guardas” com a lei, mais adiante o “montado” genuíno, o “vagabundo rasgado”;
ou a aldeia com “nove casas, / duas ruas, / no meio das ruas / um largo”, o
“monte”. O tópos é fundamental na poética de Fonseca, como os Alentejo, “Beja,
Cercal. Em alguns casos, especificamente, noutros como metonímia.
Poderia continuar pelo seu léxico fora. A
própria dimensão do espaço, que às vezes é físico, outras psicológico, na
poesia do autor de “Seara de Vento” é também recorrente na dimensão, por vezes,
trágica dos nomes.
Na poesia ( como na prosa: conto e romance), “Manuel
da Fonseca continua a existir com a sua frescura inicial e a sua energia, a sua
capacidade de comover e seduzir” – escreveu Mário Dionísio, há quase cinquenta anos.
30-08-2016
© João Tomaz Parreira