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quinta-feira, 22 de outubro de 2015

MAGNIFICAT


(Piéta de Florença, Miguel Angelo)



A minha alma é a alma de mãe aflita, Senhor
O meu espírito derrama-se nos meus olhos
Na minha humildade nada posso fazer
Senão contemplar um Filho morto, seus braços
Perderam a força, e ainda assim derrubará
Dos tronos os poderosos, suas mãos presas
Nos cravos, hão-de encher ainda de bens os famintos
Mas todo o meu útero órfão estremece sem Ele
Pudesse eu, sua serva e mãe, a minha vida
Estaria no seu lugar.


22-10-2015


© João Tomaz Parreira

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

MARIA AOS PÉS DE JESUS

“da sua lingua fluía um discurso mais doce que o mel”
Ilíada 1.249

da tua língua fluía a água
que abria as nuvens
o som de muitos anjos
sobrepondo-se-lhe a tonalidade
distinta da voz que fala da vida
da vida cheia de Deus

dos teus pés fluía o vinho
submergindo os meus pés
o meu colo o meu peito
até dentro do meu coração
onde cinza, que foi depositada e cala,
ganha a espessura da terra que espera
a semente e depois desta o arado
em silêncio

da tua voz fluía o mel
nenhum outro se lhe compara
quem o bebe, dizes, a melhor parte bebe,
ao prová-lo, sou uma ave
cujas asas são amor

Rui Miguel Duarte
9/10/15

Johannes van Vermeer, Christ in the House of Martha and Mary

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Poemas (LXIII): Fragmento de «Field Work» (Traballo de campo), de Seamus Heaney




Field Work (Traballo de campo, Xerais, 1996, reeditado en 2005 por La Voz de Galicia), de Seamus Heaney, con introdución e tradución do poeta Vicente Araguas, publicouse como primeiro número da colección de poesía Ablativo Absoluto, agora en triste liquidación. Entre os seus textos inclúe o poema que lle dá título ao libro, dividido en catro partes das que agora ofrecemos a primeira en versión orixinal, na versión galega de Araguas e noutra versión portuguesa de J. T. Parreira, con sensibles diferenzas de matiz.


Field Work
I
Where the sally tree went pale in every breeze,
where the perfect eye of nesting blackbird watched,
where one fern was always green
I was standing watching you
take the pad from the gatehouse at the crossing
and reach to lift a white wash off the whins.
I could see the vaccination mark
stretched on your upper arma, and smell the coal smell
of the train that comes between us, a slow goods,
waggon after waggon full of big-eyed cattle.
(Seamus Heaney)


Trabalho de Campo
Onde a acacia palidecía a cada brisa,
onde espreitaba o ollo perfecto do merlo aniñando,
onde un fento estaba sempre verde.
Eu ficaba a ollarte atravesando o curral
desde a caseta do gardabarreiras ata o cruce
e como estendias a man para recoller a roupa lavada das toxeiras.
Podía ver a marca da vacina
dilatada no teu antebrazo, e cheirar o cheiro a carbón
do tren que pasa entre nós, un mercancías lento,
vagón tras vagón cheos de gando de ollos grandes.
(Tradución: Vicente Araguas)


Trabalho de Campo
Onde descorava o salgueiro a cada brisa,
onde o olho do merlo amante vigiava,
onde o feto estava sempre verde,
eu ficava parado a observar-te
ias da cancela do curral à encruzilhada
e estendias a mão para colher a roupa limpa nos tojais.
Eu podia ver a tua marca da vacina
retesada no antebraço, e cheirar o cheiro a carvão
do trem que entre nós passa, mercadorias lento,
vagão após vagão cheio de olhos grandes do gado.
(Tradução: J. T. Parreira)


in As crebas
bitácora de miro villar


sexta-feira, 9 de outubro de 2015

O QUE DISSE UM DOS MALFEITORES





A caminho da morte não falou,  a sua boca
reservava-se ao silêncio divino,  dentro da alma
chorava talvez. Assim vi o melhor espírito de Israel
consumido pela dor
numa cruz, vestido do seu próprio sangue
atravessando  o coração do Pai.
Ao meu lado a arrastar a voz ferida
a deixar no ar palavras de perdão.
Digo
aquela cruz não era para um Deus, eu que sou
um malfeitor a quem  Ele deu uma rua de ouro
no Paraíso.

08-0-2015

© João Tomaz Parreira