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domingo, 16 de agosto de 2015

O HÓSPEDE





(Quadro de Vermeer)


Aquele hóspede chamou a atenção do povoado.

Ninguém conseguiu ficar indiferente à passagem de Jesus por ali.

Os milagres e a forma eloquente dos seus discursos abriam as bocas de espanto, o que Ele fazia acontecer e dizia, corria velozmente nos lábios de todo o povo.

Mas foi Marta quem teve o privilégio de o hospedar em sua casa.

Como boa anfitriã que era não queria descurar nenhum pormenor para a melhor e mais acolhedora recepção ao Mestre.

Após a casa devidamente limpa e as coisas no seu lugar, iniciou os preparos da refeição. Seleccionou as melhores carnes, as melhores ervas aromáticas para o tempero, o melhor vinho, e é claro que não esqueceu a sobremesa. O pormenor da sobremesa era importante. Teria de ser preparada com todo o requinte e muito carinho.

Sim, porque para fazer uma boa sobremesa é indispensável um toque de carinho e muita ternura. Dir-se-á até que o doce perde o sabor se não tiver uma boa pitada de amor.

Para isso, Marta contava com a preciosa ajuda de Maria, para a elaboração de um almoço tão requintado.

Havia tanto trabalho a fazer ainda, mas… Maria não se aproximava para a ajudar.

Em vez disso mantinha-se na sala escutando os ensinos de Jesus.

A irresponsabilidade da irmã arreliava Marta, abeirou-se da porta e acenou-lhe para que esta se aproximasse. Absorta como estava aos pés das palavras do hóspede especial, Maria nem se apercebeu que a sua irmã a chamava.

Marta teve que ir ter com ela e em surdina disse-lhe:

- Maria que fazes aqui sentada aos pés de Jesus, quando há ainda tanto trabalho para fazer?

- Escuto o Mestre, minha irmã, e suas sábias palavras, que tanto falam ao meu coração – respondeu-lhe Maria.

- Ora, ora Maria deixa-te de desculpas e vem ajudar-me. Palavras que falam ao coração, pois sim – disse Marta com um ar arreliado – queres esquivar-te ao trabalho não é verdade?

Maria olhou indignada para Marta e com tristeza disse:

- Não sejas injusta para comigo Marta, sabes bem que sempre te ajudo e nunca me nego a nenhum serviço, porque haveria de o fazer hoje? Se ficasses aqui um pouco a escutar o Mestre verias como tenho razão naquilo que digo.

As duas irmãs tinham diferenças de opinião sobre o aprender e a azáfama do quotidiano, entre viver de acordo com o que se deve aprender de Jesus e o cumprir meras tarefas diárias. O que é eterno e o que tem apenas vinte e quatro horas. Isso as distinguia.

- Maria, Maria tenho imenso trabalho para fazer, e não quero atrasar-me na preparação do almoço, queres tu que o Mestre fique com má impressão nossa, vendo que somos más anfitriãs? - Disse Marta com alguma tristeza na voz.

- Porque diria o Mestre que somos más anfitriãs minha irmã? Acaso achas que o Mestre está preocupado com isso? Não estará Ele mais preocupado com o estado do teu coração e da tua alma? - Tentava Maria fazer compreender a Marta.

- Mas que tens tu hoje Maria, que ainda não me disseste nada com sentido? É claro que o Mestre espera que o sirvamos com o melhor… – E a propensão de Marta para entender as coisas do espírito, começava a ceder.

- Disseste bem minha irmã. – Interrompeu-a Maria. - Mas acredita que o melhor para o Mestre, não é o almoço que com tanta azáfama estás a preparar.

No decorrer desta pequena discussão entre ambas, Jesus ia avaliando aquilo a que cada uma dava prioridade.

Finalmente, Marta resolveu pedir auxílio ao Mestre na certeza de que Ele a ajudaria, a repreender a sua irmã. Pois já estava cansada de argumentar e não entendia porque razão não obtinha nenhum resultado.

- Marta, Marta estás afadiga e ansiosa com muitas coisas. Mas uma só é necessária: e Maria escolheu a melhor parte, a qual não lhe será tirada. - Respondeu-lhe Jesus, marcando cada palavra com a sua voz mansa, mas firme, como um favo de mel.

Marta ficou sem palavras.

Para grande surpresa sua, Jesus não só não atendeu ao seu pedido, como em vez de repreender a sua irmã, repreendeu-a a ela.

Silenciosa e pensativa, regressou aos seus afazeres.

Bailavam agora na sua mente muitas perguntas, devido ás palavras do Mestre.

-Que queria Ele dizer com “uma só é necessária”? – Pensou, pensou e só as coisas terrenas acudiam à sua mente perplexa.

Acaso o trabalho não é necessário? Se ambas permanecessem sentadas aos pés de Jesus quem faria o serviço? Eram as questões mais naturais que agora bailavam dentro das suas ideias sobre o assunto.

Maria, apercebendo-se da agitação em que se encontrava a sua irmã, dirigiu-se-lhe:

- O Mestre não censurou a tua dedicação e o teu zelo ao trabalho. O problema é que tu procuraste ser-lhe útil sem primeiro buscares compreender o que Ele deseja de ti. Minha boa irmã se a nossa alma e o nosso coração estiverem vazios do amor de Deus e do seu ensino, que proveito tiraremos nós da azafama desta vida?

Marta sorriu ao ouvi-la.

© Florbela Ribeiro  

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