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terça-feira, 28 de julho de 2015

Poema Conjectural, de Jorge Luis Borges


Poema conjectural

O doutor Francisco Laprida, assassinado
no dia 22 de setembro de 1829 pelos
guerrilheiros de Aldao,
pensa antes de morrer:

Zunem as balas na última tarde.
Há vento frio e cinzas no vento,
dispersam-se o dia e a batalha
disforme, e é dos outros a vitória.
Vencem os bárbaros, vencem gaúchos.
Eu, que estudei a fundo as leis e os cânones,
eu, Francisco Narciso de Laprida,
cuja voz declarou a independência
destas cruéis províncias, derrotado,
de sangue e de suor manchado o rosto,
sem temor ou esperança, já perdido,
eu fujo até o Sul, por bairros últimos.
Tal como o capitão do Purgatório
que, a pé fugindo e ensanguentando o chão,
foi cegado e tombado pela morte
onde um escuro rio perde o nome,
assim hei de cair. Hoje é o fim.
A noite lateral dos vagos pântanos
me espreita e me demora. Escuto os cascos
de minha quente morte que me busca
com ginetes, com belfos e com lanças.

Eu que almejei ser outro, ser um homem
de sentenças, de livros, de ditames,
a céu aberto jazerei nos charcos;
porém me endeusa o peito inexplicável
um júbilo secreto. Por fim me vejo
com meu destino sul-americano.
A esta ruinosa tarde me levava
o labirinto múltiplo de passos
que meus dias teceram desde um dia
da infância. Mas por fim eu descobri
a recôndita chave de meus anos,
o fado de Francisco de Laprida,
a letra que faltava, esta perfeita
forma que soube Deus desde o princípio.
No espelho desta noite é que me alcanço
o insuspeitado rosto eterno. O círculo
se fecha. Eu aguardo que assim seja.

Pisam meus pés a sombra já das lanças
que me buscam. O escárnio desta morte,
os ginetes, as crinas, os cavalos
me circundam... E já o primeiro golpe,
já o duro ferro que me racha o peito,
a íntima facada na garganta.

1943

Do livro O Outro, O Mesmo (Ed. Globo). Tradução de Leonor Scliar-Cabral.



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