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sábado, 7 de janeiro de 2012

Joanyr de Oliveira: dois poemas



POUCO PARA TANTA NOITE

Não me viram os cárceres
quando o império das sombras
alvejava os vôos em minha terra.
Por que não sepultei as flores?
Por que não detonei o silêncio?
Por que não disse às praças
mil sentenças em chamas?

Entre os mortos pela noite
perfilavam-se lúcidos poetas.
(O sopro de sua arte, sua arma,
mordia o pendão dos tiranos
hasteado nos píncaros do medo.)

As balas não se aperceberam
das penas de um poeta na insônia.
Os cassetetes ignoraram as janelas
pelos braços das brisas,
pelos resíduos dos sonos,
na construção de metáforas.

Os libelos montados por demônios
passavam ao largo, longas flechas,
no rumo de muitas vivendas.
(O poeta da antiga morada
recolhia o rumor dos corpos,
os fragmentos de palavras,
os gemidos dos prisioneiros.)

Chega um incontido rubor
às entranhas, ao rosto, ao coração,
com a memória dos tempos algemados.
Vejo-me inseto, areia ou pedra,
arbusto, muro ou felino,
porquanto venceram ilesos
mas plenos de inocência
a suja marcha das baionetas.

A mesa colhia estrofes,
concebia poemas de fel,
com os gumes da palavra,
com as firmes lâminas do “não”
à presença das botas lunáticas,
das fardas enlouquecidas.
Mas foi pouco para tanta noite.

Beijo os nomes dos mortos,
as cicatrizes, os lábios abertos
nas conchas do pânico.

No âmago das veias navega
o pudor de um homem.

Sobreviver é viver sobre.
Mas não vale a pena.
A poesia cumpre seu mister,
mas a noite é cega e fria.
A noite continua na terra.


LIBERDADE

os pássaros que cantam,
meus espíritos são,
que a voz levantam...
....................................
Camões, Canção III.

Jamais enjaulei um pássaro.
Em singelezas suburbanas
no silêncio de minha casa,
desde cedo pude apreender
em um homem justo e puro
e do mais humilde coração
o que Liberdade vem a ser:
suprema conquista da vida.

in Tempo de Ceifar, Thesaurus Editora, 2002

Fonte: Blog Cidadania Evangélica

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