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sábado, 16 de dezembro de 2023

O céu, o inferno e a amizade - Um texto de sabedoria

 


Um homem, seu cavalo e seu cão, caminhavam por uma estrada. Depois de muito caminhar, esse homem se deu conta de que ele, seu cavalo e seu cão haviam morrido num acidente.   

Às vezes os mortos levam tempo para se dar conta de sua nova condição. A caminhada era muito longa, morro acima, o sol era forte e eles ficaram suados e com muita sede. Precisavam desesperadamente de água.

 

Numa curva do caminho, avistaram um portão todo magnífico, todo de mármore, que conduzia a uma praça calçada com blocos de ouro, no centro da qual havia uma fonte de onde jorrava água cristalina.

 

O caminhante dirigiu-se ao homem que numa guarita, guardava a entrada.

 

- Bom dia, ele disse.

 

- Bom dia, respondeu o homem.

 

- Que lugar é este, tão lindo?, ele perguntou.

 

- Isto aqui é o céu, foi a resposta.

 

- Que bom que nós chegamos ao céu, estamos com muita sede, disse o homem.

 

- O senhor pode entrar e beber água à vontade, disse o guarda, indicando-lhe a fonte.

 

- Meu cavalo e meu cachorro também estão com sede.

 

- Lamento muito, disse o guarda. Aqui não se permite a entrada de animais.

 

O homem ficou muito desapontado porque sua sede era grande. Mas ele não beberia, deixando seus amigos com sede. Assim, prosseguiu seu caminho.

 

Depois de muito caminharem morro acima, com sede e cansaço multiplicados, ele chegou a um sítio, cuja entrada era marcada por uma porteira velha semi-aberta.

 

A porteira se abria para um caminho de terra, com árvores dos dois lados que lhe faziam sombra. À sombra de uma das árvores, um homem estava deitado, cabeça coberta com um chapéu, parecia que estava dormindo:

 

- Bom dia, disse o caminhante.

 

- Bom dia, disse o homem.

 

- Estamos com muita sede, eu, meu cavalo e meu cachorro.

 

- Há uma fonte naquelas pedras, disse o homem e indicando o lugar. Podem beber a vontade.

 

O homem, o cavalo e o cachorro foram até a fonte e mataram a sede.

 

- Muito obrigado, ele disse ao sair.

 

- Voltem quando quiserem, respondeu o homem.

 

- A propósito, disse o caminhante, qual é o nome deste lugar?

 

- Céu, respondeu o homem.

 

- Céu? Mas o homem na guarita ao lado do portão de mármore disse que lá era o céu!

 

- Aquilo não é o céu, aquilo é o inferno.

 

O caminhante ficou perplexo.

 

- Mas então, disse ele, essa informação falsa deve causar grandes confusões.

 

- De forma alguma, respondeu o homem. Na verdade, eles nos fazem um grande favor. Porque lá ficam aqueles que são capazes de abandonar até seus melhores amigos.


Autor desconhecido



sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

ALMAS PERFUMADAS, um texto de Ana Jácomo

 


Tem gente que tem cheiro de passarinho quando canta. De sol quando acorda. De flor quando ri. Ao lado delas, a gente se sente no balanço de uma rede que dança gostoso numa tarde grande, sem relógio e sem agenda. Ao lado delas, a gente se sente comendo pipoca na praça. Lambuzando o queixo de sorvete. Melando os dedos com algodão-doce da cor mais doce que tem pra escolher. O tempo é outro. E a vida fica com a cara que ela tem de verdade, mas que a gente desaprende de ver.

Tem gente que tem cheiro de colo de Deus. De banho de mar quando a água é quente e o céu é azul. Ao lado delas, a gente sabe que os anjos existem e que alguns são invisíveis. Ao lado delas, a gente se sente chegando em casa e trocando o salto pelo chinelo. Sonhando a maior tolice do mundo com o gozo de quem não liga pra isso. Ao lado delas, pode ser abril, mas parece manhã de Natal do tempo em que a gente acordava e encontrava o presente do Papai Noel.

Tem gente que tem cheiro das estrelas que Deus acendeu no céu e daquelas que conseguimos acender na Terra. Ao lado delas, a gente não acha que o amor é possível, a gente tem certeza. Ao lado delas, a gente se sente visitando um lugar feito de alegria. Recebendo um buquê de carinhos. Abraçando um filhote de urso panda. Tocando com os olhos os olhos da paz. Ao lado delas, saboreamos a delícia do toque suave que sua presença sopra no nosso coração.

Tem gente que tem cheiro de cafuné sem pressa. Do brinquedo que a gente não largava. Do acalanto que o silêncio canta. De passeio no jardim. Ao lado delas, a gente percebe que a sensualidade é um perfume que vem de dentro e que a atração que realmente nos move não passa só pelo corpo. Corre em outras veias. Pulsa em outro lugar. Ao lado delas, a gente lembra que no instante em que rimos Deus está dançando conosco de rostinho colado. E a gente ri grande que nem menino arteiro.

Ana Cláudia Saldanha Jácomo

http://anajacomo.blogspot.com