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terça-feira, 28 de maio de 2013
Como é triste Veneza
(Piazza di San Marco, Canaletto)
Como é triste Veneza se não há amor
como serão tristes
as pombas da Piazza se não rodeiam
um homem e uma mulher escondidos
no fundo de um abraço
como é triste sem ninguém
a Ponte dos Suspiros
como são tristes as gôndolas
que envelhecem no asfalto.
28/5/2013
© J.T.Parreira
domingo, 26 de maio de 2013
As estórias em acrílico de Duy Huynh à la Magritte
Duy Huynh (pronuncia-se Yee Wun) é vietnamita radicado nos Estados Unidos da América desde os anos 80.
A sua pintura em acrílico é poética e contemplativa, assume-se em todos os formatos como a obra pictórica de um contador de estórias. As imagens repetem-se, saem do mundo físico para o onírico. E esta mistura confere beleza – que é a primeira palavra que me ocorre – a quase tudo que o pintor narra nas suas telas.
Não sei, contudo, se Duy Huynh é um seguidor consciente de René Magritte, mas as estórias que conta na sua pintura, suscitam-me esse criador belga.
Pelo onirismo de cada proposta, pela diegese da sua poesia pictórica, pela escrita de uma poesia pura nas formas e cores. É uma pintura que seria quase tangível – pelos materiais que usa, a tinta acrílica é mais rugosa, saliente – não fora tratar-se de Sonho.
Se a poesia é estar dentro da realidade e escrever a imagem, a pintura deste artista vietnamita estrutura-se do mesmo modo: ele pinta a imagem da realidade dentro da realidade.
Tão surrealista quando trata de referentes que poderiam ser dos contos de fadas ou dos mitos, como Magritte. Tão realista quando dá forma onírica ao que nos revela, sendo que pela sua própria natureza, um sonho é íntimo.
© JTP
Três telas e seis poemas de Helena Branco
...porque o tempo abriu em nós o lugar d encontro
verbo luminoso na ramificação das côres
onde crescer a lucidez...entre feliz no olhar o outro
de mim...
***
a sumir nas águas
s escreve um vocábulo
nú agreste
sobrem o longe
algas e búzios
d azul anoitecido
a perderem se na vocálise
já sem sintaxe as pedras
tomando o sal
a espera feliz
da maré
***
Viúvas
***
bem poderia ser
um dia mais
um compasso metódico
do verso no pulsar anónimo
dos dedos canto chão
mas é mais
alto elevado d urgencia d ave
que apura o voo sem atropelo
do tempo
hoje sou o próprio rumo
que desregra vontade
sem perda que me cegue
nem ausência que m impeça
sou a crença de ser
a penas da razão
sozinha
***
fios perdidos de tinta
lustrilhos d alma incontida
a porfiar
ventos e brumas
assomam
o pensamento
vocábulo anoitecido
um solista
dimanando
dimanando
perspícua
voz
no silencio
que POETA
devaneia
***
ascende
um choro nas pedras
silencio tumular
do corpo escarnecido
não reste mais sangue
nem palavra diga alto
que valha aos cegos
arrependimento
só esplendor
assombro
na palpebra da lágrima
que perdure
consequencia
...quase hora
a entregar
vou
para a morte
por vos crer
VIDA
***
...um tempo
de ROSA
perene
assomo
olhar d ave
em ramo brando
sem acúleo
passo a passo
harpeando
caminho
donde
revelado
futuro
ser
de ti
a flor
breve
de ROSA
perene
assomo
olhar d ave
em ramo brando
sem acúleo
passo a passo
harpeando
caminho
donde
revelado
futuro
ser
de ti
a flor
breve
© telas e textos by Helena Branco. Publicado com autorização da autora
Visite o blog da autora: http://lostrails.blogspot.com.br/
terça-feira, 21 de maio de 2013
SALMO BUCÓLICO Nº 23
Conto as sombras das minhas ovelhas
estão todas, o meu rebanho
fez mover a brancura das colinas
não falta nenhum cordeiro, nenhum
desliga os balidos dos ouvidos maternos
e as ovelhas acendem seus olhos
contra os lobos
as flautas encobrem o silêncio
enquanto não chega a manhã, acendo o fogo
contra os lobos, a manhã vai apagar
a cinza das vigílias da noite.
© J.T.Parreira
domingo, 19 de maio de 2013
PENTECOSTES
que esperássemos
na escadaria dos céus
por uma ave que nos abraçasse
de poder, em tua honra
fomos queimando incenso
de brilho tenso escorreito
ao teu olfacto
queimámos, e tu trasladaste
o teu brilho em línguas escorreitas
ao sonho e à visão
entretanto fomos traduzidos
no rumor de um vento
surdo como um terramoto
e as nossas cabeças feitas pequemos sóis
a esperança foi contada
em inúmeras línguas
as línguas em que os anjos
compõem sonhos e visões aos homens
19/05/13
Rui Miguel Duarte
na escadaria dos céus
por uma ave que nos abraçasse
de poder, em tua honra
fomos queimando incenso
de brilho tenso escorreito
ao teu olfacto
queimámos, e tu trasladaste
o teu brilho em línguas escorreitas
ao sonho e à visão
entretanto fomos traduzidos
no rumor de um vento
surdo como um terramoto
e as nossas cabeças feitas pequemos sóis
a esperança foi contada
em inúmeras línguas
as línguas em que os anjos
compõem sonhos e visões aos homens
19/05/13
Rui Miguel Duarte
quarta-feira, 15 de maio de 2013
Zbigniew Herbert: Crônica de uma cidade sitiada
Demasiado velho para pegar em
armas e combater como os demais
foi-me generosamente atribuído o cargo inferior de cronista
e registro – sem saber para quem – a história do cerco
tenho de ser rigoroso mas não sei quando teve início a invasão
há duzentos anos em Dezembro Setembro ontem de manhã
aqui todos perdemos a noção do tempo
só nos deixaram este lugar a ligação a este lugar
governamos sobre ruínas de templos de fantasmas de casas e jardins
se perdêssemos as nossas ruínas ficaríamos sem nada
escrevo como posso ao ritmo de semanas sem fim
Segunda-feira: as lojas estão vazias o rato converteu-se em unidade monetária
Terça-feira: o presidente da câmara foi assassinado por desconhecidos
Quarta-feira: rumores de armistício o inimigo pôs a ferros os nossos enviados
não sabemos onde eles os têm presos isto é onde os mataram
Quinta-feira: após uma assembleia tempestuosa a maioria votou contra
a proposta de rendição incondicional apresentada pelos mercadores
Sexta-feira: a investida da peste Sábado: suicidou-se N. N.
o valoroso guerreiro Domingo: não há água repelimos
o ataque até à porta oriental chamada a Porta da Aliança
eu sei que é monótono tudo isto não vai comover ninguém
evito comentários mantenho sob controle as emoções descrevo fatos
parece que só os fatos têm valor nos mercados estrangeiros
com uma espécie de orgulho quero dizer ao mundo
que graças à guerra criamos uma nova raça de crianças
as nossas crianças não gostam de contos de fadas brincam aos tiros
dia e noite sonham com sopa pão ossos
tal como os cães e os gatos
gosto ao entardecer de passear nos limites da cidade
ao longo das fronteiras da nossa incerta liberdade
olho de cima a multidão de soldados com as suas luzes
ouço o rufar dos tambores e os gritos dos bárbaros
é incrível que a cidade continue a resistir
o cerco dura há muito os inimigos atacam-nos à vez
nada os une a não ser a vontade de nos destruírem
os Godos os Tártaros os Suecos as tropas do Imperador regimentos
da Transfiguração do Senhor
quem os pode enumerar
as cores dos estandartes mudam como as duma floresta ao longe
de um delicado amarelo de ave na primavera até ao preto invernal
passando pelo verde
e assim à noitinha libertado dos fatos posso meditar
em longínquos assuntos passados por exemplo nos nossos
aliados de além-mar cuja compaixão é sincera eu sei
enviam-nos sacos de farinha conforto toucinho e bons conselhos
sem sequer se aperceberem que foram os seus pais quem nos traiu
os nossos antigos aliados do tempo do segundo Apocalipse
mas os filhos não têm culpa merecem a nossa gratidão e por isso agradecemos
eles nunca passaram pela eternidade de um cerco
as pessoas marcadas pelo infortúnio estão sempre sozinhas
defensores do Dalai Lama dos Curdos e dos afegãos
no momento em que escrevo estas palavras os partidários do compromisso
ganham uma ligeira vantagem sobre a facção dos destemidos
habituais são as oscilações de ânimo o nosso destino está ainda a ser pesado
os cemitérios tornam-se maiores diminui o número dos defensores
mas a defesa continua e continuará até ao final
e se a Cidade cair e apenas um de nós sobreviver
esse levará dentro de si a Cidade pela estrada do exílio
será ele a Cidade
olhamos para o rosto da fome o rosto do fogo o rosto da morte
e o pior de todos – o rosto da traição
e só os nossos sonhos nunca foram humilhados
foi-me generosamente atribuído o cargo inferior de cronista
e registro – sem saber para quem – a história do cerco
tenho de ser rigoroso mas não sei quando teve início a invasão
há duzentos anos em Dezembro Setembro ontem de manhã
aqui todos perdemos a noção do tempo
só nos deixaram este lugar a ligação a este lugar
governamos sobre ruínas de templos de fantasmas de casas e jardins
se perdêssemos as nossas ruínas ficaríamos sem nada
escrevo como posso ao ritmo de semanas sem fim
Segunda-feira: as lojas estão vazias o rato converteu-se em unidade monetária
Terça-feira: o presidente da câmara foi assassinado por desconhecidos
Quarta-feira: rumores de armistício o inimigo pôs a ferros os nossos enviados
não sabemos onde eles os têm presos isto é onde os mataram
Quinta-feira: após uma assembleia tempestuosa a maioria votou contra
a proposta de rendição incondicional apresentada pelos mercadores
Sexta-feira: a investida da peste Sábado: suicidou-se N. N.
o valoroso guerreiro Domingo: não há água repelimos
o ataque até à porta oriental chamada a Porta da Aliança
eu sei que é monótono tudo isto não vai comover ninguém
evito comentários mantenho sob controle as emoções descrevo fatos
parece que só os fatos têm valor nos mercados estrangeiros
com uma espécie de orgulho quero dizer ao mundo
que graças à guerra criamos uma nova raça de crianças
as nossas crianças não gostam de contos de fadas brincam aos tiros
dia e noite sonham com sopa pão ossos
tal como os cães e os gatos
gosto ao entardecer de passear nos limites da cidade
ao longo das fronteiras da nossa incerta liberdade
olho de cima a multidão de soldados com as suas luzes
ouço o rufar dos tambores e os gritos dos bárbaros
é incrível que a cidade continue a resistir
o cerco dura há muito os inimigos atacam-nos à vez
nada os une a não ser a vontade de nos destruírem
os Godos os Tártaros os Suecos as tropas do Imperador regimentos
da Transfiguração do Senhor
quem os pode enumerar
as cores dos estandartes mudam como as duma floresta ao longe
de um delicado amarelo de ave na primavera até ao preto invernal
passando pelo verde
e assim à noitinha libertado dos fatos posso meditar
em longínquos assuntos passados por exemplo nos nossos
aliados de além-mar cuja compaixão é sincera eu sei
enviam-nos sacos de farinha conforto toucinho e bons conselhos
sem sequer se aperceberem que foram os seus pais quem nos traiu
os nossos antigos aliados do tempo do segundo Apocalipse
mas os filhos não têm culpa merecem a nossa gratidão e por isso agradecemos
eles nunca passaram pela eternidade de um cerco
as pessoas marcadas pelo infortúnio estão sempre sozinhas
defensores do Dalai Lama dos Curdos e dos afegãos
no momento em que escrevo estas palavras os partidários do compromisso
ganham uma ligeira vantagem sobre a facção dos destemidos
habituais são as oscilações de ânimo o nosso destino está ainda a ser pesado
os cemitérios tornam-se maiores diminui o número dos defensores
mas a defesa continua e continuará até ao final
e se a Cidade cair e apenas um de nós sobreviver
esse levará dentro de si a Cidade pela estrada do exílio
será ele a Cidade
olhamos para o rosto da fome o rosto do fogo o rosto da morte
e o pior de todos – o rosto da traição
e só os nossos sonhos nunca foram humilhados
domingo, 5 de maio de 2013
Skywalker, Anakin: JEDI - Um poema para o Star Wars Day
Skywalker, Anakin: JEDI
O apelo da Escuridão é o
apelo mesmo
da realização, a
fragmentação
libertária da flor
do coração humano
O Terror como chuva fria
desabando
sobre meus inimigos,
intermitente, totalitária,
alcançando-os pelas costas
enquanto correm
em busca de um abrigo que
não existe,
não pode existir...
Pois meu sabre de luz,
guilhotinando
fluorescente o ar, diz
que não há portas fechadas
para um Jedi
ou um Sith, tanto faz
Uma cidadela, um planeta,
os aglomerados de galáxias:
eis a oferta de
especiarias
do lado negro da Força,
Força sem partido que nos
cria e consome.
Sammis Reachers
sábado, 4 de maio de 2013
Formulação para os guarda-chuvas de Renoir
Eles são pássaros abertos e derramam
Asas azuis, metalicamente
Octogonais, eles sobrevoam ombros
No fluxo do rio da multidão
Mas
Se o azul acender o sol, os guarda-chuvas
Pássaros fechados
Se dissipam.
3/5/2013
© J.T.Parreira
quarta-feira, 1 de maio de 2013
FLORES DE CEREJEIRA
FLORES DE CEREJEIRA
ein windstoß nur und
kirschblüten bringen den schnee
zum schmelzen — siehst du”
Nico Helminger (poeta luxemburguês)
uma rajada de vento só
e novas cores trazem na mesma palidez
para perto de ti
— sombras de neve
quando chegam as flores abrem o ramo
vazio derretem o esplendor em cristais ao vento
— nas volutas das pétalas
nesse relicário em que pasma o mundo
o que vês é a passagem de um puro sopro
— pincel incoarcto de branco novo
Rui Miguel Duarte
29/04/13
ein windstoß nur und
kirschblüten bringen den schnee
zum schmelzen — siehst du”
Nico Helminger (poeta luxemburguês)
uma rajada de vento só
e novas cores trazem na mesma palidez
para perto de ti
— sombras de neve
quando chegam as flores abrem o ramo
vazio derretem o esplendor em cristais ao vento
— nas volutas das pétalas
nesse relicário em que pasma o mundo
o que vês é a passagem de um puro sopro
— pincel incoarcto de branco novo
Rui Miguel Duarte
29/04/13